A eleição presidencial nos Estados Unidos
Publicado: 21 Novembro, 2016 - 00h00
A derrota dos democratas nas eleições gerais e dos republicanos tradicionais nas primárias pode ser creditada em grande parte à insatisfação da população à resposta dos últimos governos às seguidas crises sociais e econômicas iniciadas em 2007. Ao salvar o setor financeiro e não trazer a recuperação para a grande maioria da população, o discurso dos políticos tradicionais de Wall Street não foi suficiente para atrair uma grande parte da parcela da população estadunidense desempregada e perdendo suas moradias.
O revés sofrido por Bernie Sanders na prévia democrata para Hillary significou o fechamento de portas para uma alternativa de esquerda aos problemas sociais, políticos e econômicos dos EUA e manteve a disputa eleitoral limitada à classe política tradicional estadunidense.
Por sua vez, Trump manteve em sua propaganda uma alternativa ultraconservadora racista, misógina, xenofóbica, o que entusiasmou os setores mais retrógrados da sociedade estadunidense. Porém, foi sua posição antissistêmica em relação à economia que atraiu votos de trabalhadores de classe média branca descontentes com o desemprego, a falta de moradia e de perspectivas de melhoras em sua qualidade de vida.
Todavia, o discurso antissistêmico de Trump é recheado de velhas novidades e um perigoso lado conservador cujas consequências terão de ser acompanhadas para rechaçar ataques aos direitos e à classe trabalhadora e buscar avanços e alternativas a esquerda.
1. Trump passou sua campanha atacando a globalização e a saída de empresas dos EUA, o que causou altos índices de desemprego. Mas apresenta uma perspectiva tenebrosa de atração das indústrias para os EUA através da liberalização do setor produtivo – corte em direitos trabalhistas e mudança no papel do Estado na economia– e na mesma linha ataca ferozmente imigrantes e refugiados, em especial muçulmanos, defendendo o impedimento da entrada e a deportação dos que lá estão, além de propor que tenham menos direitos que estadunidenses quando buscarem empregos. Neste aspecto, Trump vai contra valores de igualdade, contra os tratados internacionais de direitos humanos, de desenvolvimento sustentável e não assume a responsabilidade histórica dos EUA com a onda migratória que o mundo enfrenta hoje.
2. A vitória de Trump revela mais uma derrota, assim como o Brexit, do modelo neoliberal de globalização, mostrando que a população já não se sente mais representada pelo sistema vigente. Todavia, é preciso pensar que os lados vitoriosos nas eleições dos EUA e no plebiscito inglês são alternativas nacionalistas, conservadoras que só atendem às elites nacionais e, por isso, é preciso construir uma alternativa dos trabalhadores à esquerda para responder aos anseios da população por outro modelo.
3. Os Estados Unidos são o maior parceiro comercial da China e a ameaça de que Trump feche a economia estadunidense é motivo de preocupação em Pequim. A preocupação é justificada, já que, durante a campanha, Trump prometeu impor uma tarifa de 45% aos produtos fabricados na China. De toda forma, caso os EUA adotem uma política mais focada em assuntos internos cria a possibilidade de a China expandir sua influência global.
4. As novas possibilidades políticas de Donald Trump também indicam uma aproximação com a Rússia, além da possibilidade dos EUA afastarem-se da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). As novas relações entre EUA e Rússia também podem provocar mudanças importantes no enfrentamento ao grupo terrorista Estado Islâmico e nas guerras na Síria e na Ucrânia.
5. Os lideres europeus têm mantido um tom mais cético em relação à Donald Trump, com declarações meramente protocolares. Em um tom mais duro, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou que a eleição de Trump coloca riscos na relação entre a União Europeia e os Estados Unidos.
6. Ainda é cedo para avaliar os impactos para a América Latina e o Brasil, mas é possível que esse seja mais econômico, na medida em que o presidente eleito siga uma politica mais protecionista – o que deve impactar os fluxos comerciais entre os EUA e a América Latina. Mesmo que Trump não tenha dedicado muita atenção para América Latina durante a campanha – o que pode significar um certo afastamento – merecem atenção especial os desdobramentos para o México e também para Cuba. A expulsão de imigrantes, a possibilidade da construção de muro em toda a fronteira entre os dois países e o fim do NAFTA teriam efeitos brutais na política e na economia mexicanas. No caso de Cuba, a vitória de Trump coloca em suspenso a recente aproximação entre a ilha e os EUA.
7. Ao diminuir os problemas e crises ambientais, e dizer que não são preocupações reais, Trump coloca em risco todas as políticas ambientais que vêm sendo pensadas e postas em práticas há décadas. Ao pensar em um modelo de crescimento econômico que não leva em conta o meio ambiente, Trump aposta em um projeto que comprovadamente é insustentável, e os primeiros a sofrerem os danos são as trabalhadoras e os trabalhadores, além do conjunto da população mundial.
8. Importante destacar que Trump recebeu cerca de 230 mil votos a menos que a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton. Sua vitória se explica pelo fato que, pelo sistema eleitoral dos EUA, o presidente é eleito pelo Colégio Eleitoral, e nesse sistema nem sempre quem totaliza o maior número de votos vence a eleição presidencial. Outro elemento importante foi a alta taxa de abstenção, mesmo para padrões estadunidenses, cerca de 43%. Dados que demonstram mais uma vez o desinteresse pela política e até mesmo a descrença no sistema político atual em vigor na maioria dos países ocidentais.
9. Trump eleito representa a ascensão ao poder de valores ultraconservadores, machistas, racistas, homofóbicos, xenofóbicos e contrários aos direitos humanos. Esses valores, que estão já em ascensão em vários países, tenderão a se intensificar, podendo mesmo colaborar para candidaturas de ultra-direita, que nele se espelharão para atrair eleitores descontentes com os rumos da economia, política e sociedade.