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Artigo

Ação penal 470 x liberdade de expressão 47

Publicado: 19 Dezembro, 2012 - 00h00 | Última modificação: 29 Agosto, 2014 - 15h43

Inevitável pensar num placar fruto da disputa de dois números tão semelhantes quanto desproporcionais: o da ação penal 470, do chamado “mensalão”, e o do artigo 47 da Constituição Federal, que dispõe sobre o direito à liberdade de expressão e informação.

Pela importância que tem para a sobrevivência e avanço da democracia brasileira, é preciso reverter nas ruas esta goleada. E, para isso, é necessário refletir sobre a dimensão da farsa que envolve o julgamento da ação penal 470 e a encenação do ministro Gilmar Mendes sobre o “maior escândalo da história da República”.

Conforme já está plenamente provado e comprovado, não houve qualquer desvio de recurso público no “mensalão’, pois os R$ 73 milhões que, segundo Gilmar Mendes, teriam sido tirados do Banco do Brasil – que é a tese central da acusação - nunca saíram dos cofres da instituição.  

“Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem, em nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias, afirma-se que houve desvio do dinheiro do banco”, revela a edição de dezembro da revista Retrato do Brasil.

Informações chaves como esta – obviamente silenciadas e invisibilizadas pelas organizações Globo e pela Veja - explicam a razão de por quê os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) “deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto”, enquanto “os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor público, o ministro Joaquim Barbosa”. Sem apresentar provas, ministros do STF foram usados pela mídia para martelar “indícios” contra os acusados, apontados pelos donos dos jornais, emissoras de rádio e televisão, como “quadrilha”, à revelia de um dos princípios basilares do direito penal, que é a presunção de inocência.

Para sustentar seus atropelos, Joaquim Barbosa desenterrou aberrações jurídicas como a absurda “tese” da Alemanha Nazista do "domínio do fato", parida justamente para condenar sem provas os que não se dobravam à ditadura fascista. Desnecessário dizer a quem serve hoje ataques tão covardes quanto pusilânimes à honra de homens como José Dirceu e José Genoino.

Um julgamento sério pressupõe o amplo direito de defesa dos processados, algo que não só foi negado, como achincalhado, por uma encenação de ministros reduzidos ao papel de marionetes dos grandes conglomerados midiáticos. Tamanha submissão resultou num julgamento de exceção em que o alvo vai muito além do Partido dos Trabalhadores, calibrando a mira em todos os que se levantam em defesa do protagonismo do Estado, do desenvolvimento nacional e da ruptura com o retrocesso neoliberal de arrocho, precarização e privatização. A perseguição cai como uma luva para os que advogam a pauta dos derrotados, para os que querem a criminalização dos movimentos sociais, para a direita e sua mídia que tanto se empenham em fazer a roda da história girar para trás.

O artigo 1º da Constituição Cidadã garante a “todos” a “liberdade de exprimir e de divulgar as suas ideias pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio”. Infelizmente, continua reduzido a uma mera declaração de princípios, uma vez que, passadas mais de  duas décadas, ainda não houve a regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação, entre eles, o 220, que proíbe o monopólio e o oligopólio nas comunicações, e o 223, que dispõe sobre a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. Se os constituintes, em 1988,  já avaliavam tamanha concentração de poder como uma excrescência, uma anomalia contrária ao convívio democrático, imagine-se na atualidade, onde esta influência se vê potencializada?

A democratização da palavra pressupõe a desconcentração midiática. Da mesma forma que a reforma agrária não acontecerá sem a correta e justa repartição da terra, a liberdade de expressão não acontecerá sem o cumprimento da Constituição e a tão necessária quanto inadiável repartição das frequências. Sem justiça não existem direitos. Sem direitos não há democracia.

Portanto, mais do que nunca, cabe a cada um de nós, militantes do bom combate, potencializar a campanha pela liberdade de expressão: uma nova lei para um novo tempo. Afinal, já passou da hora de virar a página da velha mídia.