As jornadas de junho de 2013 e o surgimento da extrema direita no Brasil
Publicado: 18 Junho, 2020 - 00h00 | Última modificação: 18 Junho, 2020 - 09h39
Qualquer cidadã ou cidadão que acompanhe um pouco o desenrolar da crise política em que vivemos e que tenha um mínimo de bom senso e discernimento histórico nos dias atuais, consegue ligar os pontos e perceber que o resultado que teremos dessa briga política é fruto de uma ardilosa manobra da direita organizada no país para derrotar a qualquer custo uma seqüência de governos democráticos e populares que vinham se sucedendo nas eleições gerais a partir de 2002. E se utilizou para isso das ditas “Jornadas de Junho” de 2013.
E como reflexo dessa manobra surgiram às condições para a criação de uma extrema direita no Brasil. E se nos debruçarmos e observarmos os acontecimentos mais recentes veremos que ela tem como alvo hoje, não prioritariamente os setores democráticos e progressistas da sociedade. Afinal deles essa extrema direita precisa para viver, melhor para sobreviver, mas sim a própria direita que a criou. Para tentar liquidá-la de uma vez por todas e assumir seu lugar na luta política de classes no Brasil.
E como identificar as variáveis que levaram a essa situação política? Para fazer esse exercício precisamos revisitar a história recente do nosso país. Mais propriamente a partir da metade do ano de 2013 onde vivemos os ditos levantes ou jornadas de junho, aparentemente “amorfos e acéfalos”. Esses levantes apresentaram uma linha política que nos conduziu até os dias atuais, onde todos os atores que hoje disputam a hegemonia da narrativa social e políticas no país estiveram envolvidos nesses acontecimentos. Quando aconteceram as históricas jornadas de junho de 2013, visualizamos que os desdobramentos teriam conseqüências imprevisíveis pelo simples fato que os movimentos amorfos e sem cabeça poderiam ser apropriados pelos espertos de plantão (a grande elite política empresarial do país e sua imprensa marrom) e foram. A disputa política pelo legado do movimento deu desenho e contornos aos sentimentos e valores autoritários, raivosos e que beiravam ao fascismo.
A aproximação com valores autoritários ficou tão evidente que chegou ao ponto de siglas serem excluídas com força física das passeatas que deram notoriedade aos movimentos históricos junho de 2013. Mesmo com o viés das suas bandeiras sendo democrático, pois defendiam organizados no interior dessas manifestações, bandeiras democráticas, legais e com apelo social, como a não retirada de direitos dos trabalhadores defesa da democracia dentre outras questões. Isso passou constituir o amálgama reacionário de um movimento direto de massas que explicitamente não tinha lideranças, mas implicitamente tinha fomentadores. Pois, vinha no sentido de tentar desalojar do poder o governo eleito democraticamente da presidenta Dilma Rousseff. Que por sua vez e como é próprio dos governos democráticos entenderá o recado das ruas e procurou o diálogo com os movimentos, inclusive, atendendo prontamente suas reivindicações principais de chamar um congresso constituinte, que revisasse os preceitos constitucionais, ou ao menos que trabalhasse para a regulamentação de alguns artigos da constituição de 1988 que se encontravam e estão até os dias de hoje sem a devida regulamentação, ao contrário, por exemplo, o artigo 192 da Constituição Federal que trata do sistema financeiro nacional, que hoje só consta o seu Caput não havendo nele nenhuma regulamentação.
Mas como os interesses por trás das sombras nas jornadas de junho somente tinham o interesse de desestabilizar o governo e não de dialogar e construir saídas para uma crise política criada pelo próprio parlamento e setores mais conservadores da sociedade, pelo contrário, o intuito principal era enfraquecer o governo para a disputa eleitoral que iria ocorrer no ano 2014.
Assim, ganhou espaço nas ruas à radicalização da política, dando força para ações entreguistas das conquistas e do patrimônio brasileiro como a operação Lava Jato, contra os políticos e as instituições como um todo, transformando se no embrião para o enraizamento da extrema direita nascente no Brasil e como desdobramento deste contexto trouxe a judicialização da política nas pós-jornadas de junho de 2013. E que se aprofundou após as eleições gerais de 2014, quando essa direita raivosa sendo uma vez mais derrotada pelos setores democráticos e populares da sociedade com a reeleição nas urnas da presidente Dilma. O que levou o movimento saído das ruas em 2013 a potencializar o suporte ao golpe político e institucional de agosto de 2016. Tudo pelo ódio ao poder e o pouco apego a democracia efetiva de respeito ao poder soberano do voto das eleitoras e eleitores brasileiros.
E com esse receituário de rompimento da democracia em 2016 a direita inconformada plantou literalmente as raízes do ódio, do extremismo político que é diariamente vociferando nas ruas por essa extrema direita que lhe tomou o lugar e o espaço político. O que na prática custou lhe jogar para o ostracismo da política nomes e siglas de referência nacionais ligados a ela, como o ex-senador Aécio Neves do PSDB, o ex- deputado Antônio Carlos Magalhães neto, do Partido da Frente Liberal que se apequenou tanto que a tática de sobrevivência foi assumir outro nome para tentar sobreviver na disputa política.
Enfim o resultado do ódio aos governos dos trabalhadores encabeçados por Lula e Dilma nesses quatro mandatos em que foram eleitos democraticamente pelo povo e que elevaram os níveis de inclusão social, aumentaram o combate ao analfabetismo, criaram de universidades, criaram um Sistema Único de Saúde, que fizeram a geração de emprego, renda com a maior quantidade de trabalhadoras e trabalhadores com carteira assinada que se tem noticias da história recente do país. Esses governos democráticos e populares contêm dados sociais incontestes em qualquer lugar do mundo. Para essa quantidade enorme de avanços foi necessário construir a narrativa do ódio, da pobreza política, com a medieval e já muito velha desculpa da corrupção. Para jogar um período de desenvolvimento social de grande envergadura na vala comum dos governos e partidos autoritários e de direita que sempre tivemos no Brasil. Não que defendamos a corrupção sistêmica. Ela deve ser combatida sim, mas sem que para isso fosse necessário destruir o parque tecnológico, quebrar uma das maiores empresas mundiais que era a Petrobras, além entregar nosso patrimônio e nossas riquezas naturais e minerais de mãos beijadas ao capital internacional.
Os setores progressistas e democráticos da sociedade se mantêm fortes e na luta pela construção de uma sociedade mais igual, justa e fraterna. Continuam levantando alto a bandeira da defesa da vida, da defesa dos direitos e dos empregos, nesses tempos de pandemia mundial. Mais a briga política que estampa os jornais e tem lugar nas bancadas de telejornais pelo país a fora hoje, não é a histórica luta de classes e sim a disputa da ideológica de uma extrema direita que tenta a todo custo derrotar a velha direita que lhe forjou.
E no meio dessa confusão toda estão se esvaindo através das nefastas reformas trabalhista e da previdência que aconteceram em nome de aumentar empregos precários, os direitos do povo. Dando-nos a clara impressão de que no meio do fogo cruzado da luta política entre a direita quase desfalecida e extrema direita nascente quem sofre as conseqüências são as trabalhadoras e os trabalhadores brasileiros, ou seja, o povo.
Marcio Kieller
Presidente da CUT/PR e mestre em Sociologia Política pela UFPR.