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Até quando o Estado vai legislar sobre corpo da mulher?

Publicado: 28 Setembro, 2016 - 00h00 | Última modificação: 30 Setembro, 2016 - 11h27

Nesta quarta-feira, 28, é Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe. A data é propícia para refletirmos sobre as leis que pesam sobre o corpo feminino. É também um dia emblemático para questionar as restrições à liberdade de escolha das mulheres impostas pela cultura do patriarcado.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorrem mais de 20 milhões de abortos inseguros no mundo anualmente, e cerca de 47 mil mulheres morrem em decorrência de complicações a cada ano. Entre as brasileiras, as estimativas apontam que o abortamento clandestino é a quinta maior causa de morte. Segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2013, no Brasil, mais de 8,7 milhões de mulheres com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto na vida. Dentre esses, 1 milhão foram provocados.

Portanto, descriminar o aborto é salvar vidas. O tema está muito além de ideologias políticas ou crenças religiosas. A descriminalização do aborto é uma questão de saúde pública e deve ser tratada como tal. As pesquisas disponíveis sobre o assunto mostram que a proibição do aborto não impede a sua realização. O problema é ainda mais preocupante nos países da América Latina e Caribe onde o acesso a medidas de contracepção e planejamento familiar ainda demanda comprometimento do Estado em políticas públicas mais eficientes. Nessas regiões, o número de abortos inseguros é muito maior em comparação aos países desenvolvidos.

E ainda que não falássemos sobre óbitos ocasionados por aborto ou saúde reprodutiva, quando nos referimos ao corpo da mulher, estamos falando dos direitos fundamentais de uma pessoa à liberdade de escolha. Historicamente, as mulheres sempre tiveram que lutar para tomar suas próprias decisões. A legalização do aborto é mais uma luta que todas e todos que defendem os direitos do feminino terão de travar. É uma batalha que tem a ver com violência, machismo, interesses políticos e econômicos. Em relatório divulgado em junho desse ano, a Organizações das Nações Unidas (ONU) também diz o que “empoderamento feminino está intrinsecamente ligado à capacidade de as mulheres controlarem suas vidas reprodutivas”. E se refere às restrições à autonomia da mulher como uma política de “instrumentalização” que coloca em risco a sua segurança e bem-estar.

No Brasil, a mulher que aborta vai para a cadeia. A sua prática é um crime previsto no artigo 124 do Código Penal com pena de detenção de um a três anos. Mais grave ainda são as denúncias feitas à polícia sem realizar um diagnóstico sobre o motivo que levou a mulher a tomar essa decisão. Essas prisões têm rosto e cor. Geralmente, as mulheres que ficam presas são negras e as mais pobres que não podem pagar os custos da sua defesa por meio de um advogado. Mas qual é a defesa para uma mulher que comete o “crime” de não querer ter um filho em uma sociedade que não criminaliza os homens que não querem assumir a paternidade? Essa defesa não existe porque não há o direito de dizer não a uma gravidez não planejada. Existem apenas julgamentos, jurídicos, religiosos e morais.

Além disso, no Brasil, um conjunto de forças conservadoras atuam nesse momento para frear a emancipação da mulher nesse tema. A legislação brasileira, que proíbe o aborto, conta com amplo apoio das igrejas. A própria Secretária de Políticas para Mulheres, a ex-deputada Fátima Pelaes, escolhida pelo governo de Michel Temer, é evangélica e contra o aborto. Outro contra-senso que vai contra o estado laico e ataca as mulheres é o Projeto de Lei do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), de junho desse ano, que institui o Dia Nacional de Conscientização Antiaborto “pela valorização e a defesa da vida”.

Outra decisão que poderá vir a enfrentar oposição de políticos conservadores é a proposta da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), de colocar em julgamento até o fim do ano a liberação do aborto para mulheres grávidas de crianças infectadas pelo vírus da zika. Independentemente das decisões para o futuro, que devem ser tomada com cautela, é importante que a sociedade e, sobretudo, as mulheres, possam se manifestar a respeito.

Por isso, o dia 28 é uma data de luta para refletir sobre o que está em jogo quando o Estado decide o destino das mulheres. Luta a ser travada por todos e todas, em especial, o diálogo permanente com a sociedade.