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Com insensibilidade e argumentos questionáveis, governo e empresários rejeitam ampliação das parcelas do seguro-desemprego

Publicado: 05 Novembro, 2020 - 00h00 | Última modificação: 05 Novembro, 2020 - 14h22

Com argumentos questionáveis, representantes do governo e do empresariado nacional, que fazem parte do CODEFAT,  demonstraram enorme insensibilidade com o drama dos trabalhadores que estão perdendo os empregos neste momento crítico que o país vive, ao rejeitarem a proposta de ampliação das parcelas do seguro-desemprego para trabalhadores demitidos durante a pandemia do novo coronavírus.

O governo federal se mostrou insensível aos argumentos dos trabalhadores e despreocupado com a situação dos desempregados que tiveram esgotadas as parcelas normais do seguro-desemprego. Falou mais alto a contenção do gasto público, ainda que isso não fosse substancialmente agravado pela aprovação da proposta.

A proposta da bancada dos trabalhadores, formada pela CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CSB e Nova Central, foi apresentada ao CODEFAT no início da crise, em março de 2020. Logo em seguida o Congresso Nacional instituiu o Auxílio Emergencial e o governo criou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (Bem) para trabalhadores com contratos de trabalho suspensos ou com jornadas reduzidas. Como nenhum desses benefícios contemplava o prolongamento do seguro-desemprego, as centrais reapresentaram seu pedido ao Conselho em junho e o assunto entrou em pauta em setembro.

O seguro-desemprego é pago ao trabalhador celetista demitido sem justa causa em número de parcelas que vão de três a cinco, dependendo do tempo de emprego e do número de vezes que ele requereu o benefício anteriormente. Os recursos provêm do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é alimentado pela cobrança do PIS.

A lei diz que compete ao CODEFAT ampliar o seguro-desemprego em até duas parcelas adicionais, desde que o gasto com essa ampliação não ultrapasse a 10% da Reserva Mínima de Liquidez do FAT por semestre. A Reserva está, atualmente, em R$ 15 bilhões, o que limitaria o pagamento das parcelas adicionais a R$ 1,5 bilhão. Além disso, pela lei, o prolongamento deve considerar setores, regiões e grupos específicos de trabalhadores.

A proposta da bancada dos trabalhadores, consiste em ampliar em até dois pagamentos adicionais do seguro-desemprego ao segurado cuja demissão tenha ocorrido entre os dias 20/03 e 31/12/2020. A estimativa de custo foi calculada inicialmente em R$ 16,1 bilhões para duas parcelas adicionais a um total de 6,1 milhões de trabalhadores demitidos no período e que estariam habilitados a receber o seguro-desemprego.

A bancada argumentou que o CODEFAT pode ampliar as parcelas além dos limites previstos na lei em razão de que a Emenda Constitucional do chamado “Orçamento de Guerra” suspendeu todas as restrições legais à criação de benefícios necessários ao enfrentamento dos impactos sociais e econômicos da pandemia durante o estado de calamidade (20 de março a 31 de dezembro de 2020). Com isso, não seria necessário restringir-se ao custo de R$ 1,5 bilhão nem limitar o alcance a setores, regiões ou grupos específicos de segurados.

O debate em torno dessa questão no CODEFAT foi alimentado por pareceres de diversas áreas do governo, em especial da Secretaria do Orçamento do Ministério da Economia (SOF) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O mais importante desses pareceres foi dado pela PGFN que considera existirem “argumentos suficientes para caracterizar a relevância, a urgência e a imprevisibilidade das despesas com a eventual extensão de duas parcelas extras do seguro desemprego” e que o limite de 10% da RML para gasto adicional com a extensão do seguro desemprego foi suspenso pelo art. 3 da Emenda Constitucional 106/2020, não constituindo, assim, um óbice à proposta. Ou seja, esse parecer deu razão ao argumento da bancada laboral.

A SOF também esclareceu que não se aplica a meta fiscal do ano e a observância da Regra de Ouro e que a proposta atende a legislação ao apresentar estimativa de impacto orçamentário e financeiro. Porém, o Teto de Gastos (EC nº 95/2016) deve ser respeitado e deve haver “disponibilidade de fonte de recursos no momento da elaboração do crédito orçamentário relativo a essa despesa”. A SOF insistiu na tese de que a medida irá agravar um déficit nas contas do governo que caminha para R$ 800 bilhões este ano.

Assim, um obstáculo diante da proposta era a situação orçamentária deste ano, em razão dos gastos públicos em 2020 terem atingido o teto constitucional. Para contornar esse obstáculo, concluiu-se que o prolongamento do seguro-desemprego teria que ser viabilizado pela abertura de crédito orçamentário extraordinário por parte do Poder Executivo, via Medida Provisória, com base no Orçamento de Guerra, como foi feito em relação aos demais benefícios criados na pandemia.

Além da questão orçamentária, a proposta precisava ter indicação da fonte de recursos. Quanto a esse aspecto, a bancada considerou que o FAT tem recursos disponíveis para o custeio da proposta já que as chamadas disponibilidades - recursos aplicados em títulos públicos que podem ser resgatados a curto prazo - superam os R$ 20 bilhões atualmente. O uso de parte dessas disponibilidades não afeta os financiamentos com recursos do FAT e atendem com folga a despesa com o prolongamento do seguro. 

No debate surgiu ainda uma questão operacional para que o pagamento das parcelas ocorra no máximo até 31 de dezembro, respeitando o limite do período do estado de calamidade. Frente a isso, a bancada dos trabalhadores fez um ajuste no critério de concessão: a data de demissão deverá ter ocorrido do dia 20/03 a 31/07/2020. Dessa forma estaria garantido ao trabalhador demitido no último dia do prazo e que tenha recebido três parcelas até o mês de outubro mais dois pagamentos adicionais em novembro e dezembro. Caso esse trabalhador tiver recebido quatro parcelas do seguro encerrando-se em novembro, teria uma parcela adicional no mês de dezembro. Em virtude do ajuste foi refeita a estimativa do custo da proposta, que passaria a ser de R$ 7,33 bilhões, para um público beneficiado de 2,76 milhões de segurados.

Assim, considerando todos esses aspectos a proposta foi submetida à deliberação do CODEFAT em uma Reunião Extraordinária realizada no dia 04 de novembro.

Apesar dos argumentos favoráveis e da redução expressiva no custo, os representantes do governo se manifestaram novamente contrários à aprovação da proposta, argumentando que ela não atende aos preceitos legais, não se justifica diante da recuperação do mercado de trabalho, agrava o déficit do FAT e o déficit público de forma geral.

Quanto ao primeiro argumento, o governo insistiu em que a proposta deveria observar “entre outras variáveis, a evolução geográfica e setorial das taxas de desemprego no País e o tempo médio de desemprego de grupos específicos de trabalhadores”. A proposta dos trabalhadores teria caráter geral e não atenderia a esse dispositivo.

Na verdade, a crise no emprego pela pandemia é praticamente geral, pois são raros os setores e regiões que não tiveram impacto negativo no emprego. Além disso, do ponto de vista jurídico, a Emenda 106, do orçamento de guerra, diz que os atos do poder Executivo que visem enfrentar as consequências sociais da calamidade pública “ficam dispensados da observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa” desde que estas despesas não ultrapassem o período do estado de calamidade.

Como foi mencionado, esse dispositivo da Emenda foi o que sustentou o parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que concluiu que a proposta da bancada não fere a lei ao deixar de estar limitada ao gasto máximo de 10% da Reserva Mínima de Liquidez. Ou seja, se esta parte da lei foi afastada pela Emenda, aquela outra parte também fica suspensa durante a calamidade pública.

O governo também diz que não cabe ao CODEFAT aprovar um prolongamento do benefício que, para ter efeito prático, depende da abertura de crédito extraordinário por meio de uma medida provisória. Porém, a proposta de resolução que a bancada apresentou ao Conselho justamente recomenda ao governo a edição de tal medida. O raciocínio é de que o Conselho faria a sua parte aprovando as duas parcelas adicionais, e que o governo poderia agir no mesmo sentido abrindo esse crédito.

Quanto ao argumento sobre o mercado de trabalho, os representantes do governo se basearam nos números do CAGED dos últimos dois meses, que apuraram saldos positivos na geração de empregos com carteira assinada. Contudo, não mencionaram que a taxa de desemprego atingiu seu recorde no último mês e que o estoque de empregos em setembro ainda está meio milhão abaixo do que estava em fevereiro. Ou seja, mesmo que a economia possa estar saindo da sua crise mais aguda, o mercado de trabalho vai demorar para voltar a uma normalidade.

Em relação ao déficit do FAT, realmente a perda de arrecadação do PIS em decorrência da crise econômica deflagrada pela pandemia castiga as contas do Fundo. A situação de déficit este ano não é de se estranhar dada a dimensão da crise. A questão é se nesse momento, em que o mercado de trabalho atravessa o pior momento da história recente, o Fundo não tem como enfrentar essa situação. Afinal, o ativo total no Fundo é de R$ 353 bilhões, dos quais R$ 22 bilhões estão aplicados em títulos públicos e em operações compromissadas, cuja utilização não afetaria a capacidade de investir em projetos de incentivo à geração de empregos.

O argumento de que o déficit público em geral está muito alto pode ser questionado. Primeiro, pelo fato de que os R$ 7,3 bilhões em discussão acrescenta apenas 1% ao déficit total previsto para o ano. Segundo, porque talvez a previsão de dispêndio em outros programas não venha a ser cumprida. Por exemplo, o Benefício Emergencial pago a quem teve contrato suspenso ou jornada reduzida foi orçado em R$ 51,5 bilhões, mas só teve R$ 27 bilhões em pagamentos até o mês de setembro. Portanto, haveria aí algum espaço para remanejar verbas para pagar as parcelas adicionais.

Se essas questões eram vistas como problemáticas, a bancada do governo não fez qualquer movimento no sentido de buscar uma solução alternativa. Ela poderia ter proposto, por exemplo, algum critério setorial, geográfico, bem como o pagamento de uma e não duas parcelas do benefício. Ao não buscar negociar, ficou claro que sua posição contrária já estava dada desde o início das discussões e não haveria argumentos suficientes para o convencimento em favor da proposta.

A bancada empresarial também não procurou contribuir para uma solução de consenso. Limitou-se a repetir argumentos do governo e se alinhou automaticamente ao voto contrário à proposta. Ao final, o resultado foi de 12 votos contrários e 6 a favor.

Ao longo das discussões, o governo declarou que iria propor uma medida alternativa ao prolongamento do seguro-desemprego. Chegou a mencionar a criação de um benefício novo, para os demitidos no período da pandemia que não tivessem sido beneficiados pelo seguro e outros programas do governo. Porém, ao final esse novo benefício foi retirado. Mesmo assim, para tentar passar uma imagem positiva, o governo propôs uma resolução do CODEFAT recomendando que o Ministério da Economia desenvolva propostas de políticas ativas de emprego. Palavras genéricas e sem efeito prático imediato e, quiçá, remoto.

Com insensibilidade e argumentos questionáveis, governo e empresários votaram contra uma proposta bem fundamentada e não demonstraram qualquer abertura a uma negociação que resultasse em atendimento, mesmo que parcial do pleito dos trabalhadores.