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Ditadura não se comemora: é para lembrar para que não volte a acontecer

Publicado: 01 Abril, 2019 - 00h00 | Última modificação: 01 Abril, 2019 - 12h21

É surreal termos que ouvir da boca de um presidente democraticamente eleito pelo povo brasileiro a orientação para comemorar a data de 31 de março de 1964. Dia em que se iniciou uma sanguinária ditadura no país. Ditadura que matou, torturou, exilou e separou muita gente dos seus entes querido, desestruturando milhares de famílias. Situação que foi contida somente quando começaram a sumir e morrer pessoas das classes médias e altas da sociedade.

Em meio ao que eu considero “asneira” que o presidente Bolsonaro fala, poderíamos fazer vistas grossas e deixar para lá mais essa, mas não, não podemos admitir comemorar uma data que somente dor e sofrimento provocou ao povo brasileiro, através da instalação de um regime de exceção que a muitos enganou dizendo ser uma intervenção rápida, mas que acabou durando 21 anos e posteriormente se estendeu por mais um período de “transição não democrática”. Ou seja, sem eleições gerais por mais três anos, quando da eleição indireta para presidente de Tancredo Neves e José Sarney como Vice. Tancredo, que veio a falecer sem exercer o cargo de presidente, foi substituído pelo seu vice José Sarney um dos muitos que havia se beneficiado pelos tempos de obscurantismo do regime civil e militar conhecido como sistema político do “Sim” e do “Sim Senhor!” Sarney participava da – Aliança Renovadora Nacional – ARENA que depois viraria a Frente Liberal e posteriormente originaria o PFL que hoje conhecemos como o partido “Democratas”. O período de transição só teve fim com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com as eleições livres em 1989.

Não pode um regime democrático que aceita, inclusive a eleição de uma pessoa sem capacidade para estar onde está, como o Presidente Jair Bolsonaro, permitir que ele ordene a comemoração quando atrocidades flagrantes foram cometidas contra os direitos humanos e contra a vida das pessoas durante esses 21 anos de exceção política que vivemos no Brasil.

Não, não podemos permitir. Muito pelo contrário, deveríamos exigir a mais transparente busca pela verdade que foi de diversas formas veladamente contida nos relatórios apontados pela Comissão Nacional da Verdade - a CNV. Assim como por algumas comissões oficiais de verdade que foram constituídas pelos estados, a exemplo da Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban. Da qual posso falar com mais propriedade por ter sido indicado com um dos membros componentes pelo leque de entidades sindicais, dos movimentos sociais e dos movimentos de resistência, como o grupo Tortura Nunca Mais, que conquistaram através da mobilização a criação da lei estadual que criou a CEV-Paraná. Porém, os trabalhos oficiais da Comissão tiveram sua atuação limitada, sem estrutura, sem financiamento e com dificuldades operacionais diversas, como por exemplo, a burocracia do Estado no sentido de construir um amplo instrumento de resgate da verdade, da memória e da justiça. Que instrumentalizasse seus comissários para o bom desenvolvimento das tarefas que estavam colocadas na ordem do dia, para que a Comissão, no que tange ao resgate da verdade, memória, justiça, reparação e responsabilização daqueles que cometeram graves violações aos direitos humanos, durante o período de recorte histórico analisado pela Comissão Nacional da Verdade, compreendido entre de 1946 e 1988.

Os trabalhos ficaram na verdade a cargo das próprias entidades que indicaram seus membros representantes, que mesmo com as dificuldades, se dispuseram a fazer seu papel e construíram com suas participações na frente da Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Tereza Urban um belo trabalho. Considero fundamental seus desdobramentos que estão descritos em formato de relatório em dois densos volumes e um disco compacto, anexado ao segundo volume, que foram colocados à disposição da sociedade paranaense em novembro de 2016. Além do relatório foi anexada ainda uma gama enorme de documentos aos arquivos da Comissão. Diversas Audiências Publicas foram realizadas em cidades de todas as regiões do estado do Paraná. Este material foi somado ao acervo mais de 300 entrevistas e depoimentos de homens e mulheres que sofreram as mazelas da ditadura inaugurada em 01 de abril de 1964 (31 de março para a história oficial), que foram feitos pela própria Comissão da Verdade do Paraná – Teresa Urban ou doados a ela.

Destacado todo esforço que se fez e tudo que se conseguiu na Comissão em busca do resgate da verdade, memória e justiça do ponto de vista histórico, posso dizer que foi somente a ponta do iceberg no que se refere à reestabelecimento da verdade e da dignidade daquelas e daqueles que sofreram com a ditadura civil, militar e empresarial no Brasil. Por isso, nós militantes das causas sociais e da defesa dos direitos humanos, precisamos ter como palavra de ordem justamente o contrário do que quer o presidente Bolsonaro. Precisamos reafirmar cotidianamente nossa posição e devemos despertar nos cidadãos, homens, mulheres e principalmente na juventude movimentos de consciência para não comemorar essa data. Mas também para que não a deixem a ser esquecida pelo simples fato, de que não esquecê-la é lutar para não deixar que ela de novo aconteça.

Há 51 anos, exatamente no dia 01 de abril e publicado com data do dia 31 de março, tivemos a infeliz noticia de que as forças militares deram um golpe, usurpando o poder popular com a estapafúrdia e incrível desculpa aceita pela sociedade do “perigo comunista”. Nos dias de hoje esse perigo é descrito pelos fascistas de plantão como o medo da continuidade dos governos democráticos e populares do Partido dos Trabalhadores - o PT. Naquele período o “perigo comunista” era o medo do avanço do trabalhismo da Era Vargas, que vinha numa linha de aprofundamento das relações com a sociedade e se não tivesse sofrido também o abrupto rompimento iria se estender democraticamente através de eleições, por um longo e duradouro período de governos trabalhistas. O que não foi aceito pelos civis golpistas de plantão da UDN na época que juntamente com setores das forças armadas visualizavam a impossibilidade de ganhar às eleições do trabalhismo nas urnas e optaram pelo Golpe civil, militar e empresarial de 01 de abril de 1964. Assim como fizeram em 2016 com a presidenta Dilma Rousseff acusando-a de pedaladas fiscais, apeando-a do poder através de um golpe, denominado de impeachment. Contudo, poucos anos depois fora comprovado por comissões do próprio Congresso Nacional que a presidenta não havia cometido crime algum, a não ser o de afastar políticos comprovadamente corruptos de sua administração de coalização construída com vários partidos, dentre eles o do golpista e ilegítimo Michel Temer, o PMDB nas eleições de 2014.

Esses dois golpes, o de março de 1964 e o de agosto de 2016, nos fazem compreender a celebre fase do pensador alemão Karl Marx que afirma: “Que a história se repete, uma vez como farsa e a outra como tragédia”. Pois novamente diante de impossibilidade de ganhar as eleições da esquerda e do partido dos trabalhadores o PT, as elites buscaram a alternativa de um golpe politico e institucional, com apoio no Congresso Nacional e importantes setores do judiciário.

Esta situação nos levou à condição politica em que nos encontramos nos dias atuais com a eleição de um facínora como presidente, sem a menor condição moral e estatura de exercer o cargo que foi lhe jogado no colo pelas elites, pelo mercado e pela mídia tradicional em nome das supostas “reformas” necessárias em curso no Brasil.

Sim, isso mesmo. A reforma trabalhista, feita somente para atender aos empresários e não para a classe trabalhadora, a exemplo das alterações no sistema de mecanismo estatal que diminui a importância e o papel do Estado através de seu estrangulamento financeiro contido em Emenda Constitucional - 95 que congelou investimentos e gastos públicos em programas sociais por vinte anos. E também a nefasta proposta de reforma da previdência onde o pensamento único é o interesse dos banqueiros e dos empresários, não levando em conta as necessidades, os problemas das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros e o seu digno direito de aposentar e ter tempo para aproveitar dessa aposentadoria.

De outro lado se aprofunda a exceção no campo jurídico onde criou se um “modos operandi” que subverte a constituição brasileira que garante em seu texto a todo e qualquer cidadão brasileiro o direito a mais ampla defesa em todas as instâncias, só podendo ser encaminhado para cumprir pena após o processo ter transitado e julgado por todas elas. Processo de exceção que se sustenta midiaticamente nas asas da operação Lava Jato que na ânsia de estar diuturnamente na mídia, não se preocupa com sua atuação totalmente seletiva, arbitraria e sem compromisso com verdade e, muito menos com a sociedade e o desenvolvimento da nação. Afinal, por causa da Lava Jato é enorme o desemprego hoje. Ultra passa a casa dos milhões a quantidade de empregos diretos e indiretos que foram afetados pela operação.

Por isso se faz necessário resistir à atitude impensada por parte do governo de Jair Bolsonaro de tentar comemorar o brutal ataque à democracia brasileira e ao desenvolvimento nacional que foi a decretação do golpe de estado no dia 31 de março de 1964 para a história brasileira. Neste sentido é imperativo que todos nós tenhamos a clareza do momento e saibamos que ditaduras não se comemoram, nem tampouco se esquecem, é preciso tê-las na história e na memória, para que não voltem a acontecer.

Ditaduras de nenhum tipo, nem civil, nem militar e muito menos judicial: nunca mais!

Secretário Geral da CUT/PR, mestre em Sociologia Politica pela UFPR e membro da Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban (2012/2016)