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Artigo

Eleições de 2024: o papel dos movimentos organizados e o compromisso feminista

Publicado: 10 Outubro, 2024 - 00h00

As eleições municipais de 2024, realizadas no último domingo, 6 de outubro, trouxeram reflexões importantes sobre a participação feminina na política e os desafios que as mulheres continuam a enfrentar em um ambiente político marcado pela violência de gênero. Apesar de avanços, como a Lei nº 14.192/2021, que visa combater essa violência, ainda estamos longe de garantir a plena participação das mulheres nos espaços de poder. Neste ano, assistimos a um aumento no número de mulheres eleitas, o que é um avanço, mas, ao mesmo tempo, nos deparamos com um desafio: muitas dessas mulheres eleitas não estão comprometidas com a agenda feminista ou com a luta pelos direitos das mulheres.

Os números das eleições de 2024 mostram que a presença feminina no cenário político ainda está muito aquém do ideal. Apenas oito mulheres avançaram para o segundo turno nas capitais brasileiras, sendo que apenas uma capital, Campo Grande (MS), terá uma disputa exclusivamente entre mulheres. Além disso, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram eleitas 724 prefeitas, representando apenas 15,5% do total, e 1.232 vereadoras, o que corresponde a 18% do total de eleitos. Em termos regionais, Roraima foi o estado com mais prefeituras conquistadas por mulheres, enquanto o Espírito Santo ficou na última colocação.

Esses números são uma clara demonstração de que a equidade de gênero na política ainda está muito distante. É por isso que ainda se torna fundamental que as mulheres eleitas olhem para a realidade da mulher no Brasil com carinho e atenção, e que acolham a agenda feminista. Não basta ocupar esses espaços. É preciso que as mulheres eleitas estejam comprometidas com políticas que promovam a igualdade de gênero e os direitos das mulheres em toda a sua diversidade.

A persistência da violência política de gênero

As candidatas em 2024 enfrentaram, mais uma vez, ameaças e ataques, tanto físicos quanto virtuais. Esse cenário não é novo. Em 2016, 53% das prefeitas eleitas relataram ter sofrido assédio ou violência política. O machismo estrutural continua presente nas organizações políticas, muitas vezes vindo de colegas de partido, além dos adversários.

A Lei nº 14.192/2021 foi um importante avanço ao criminalizar essa violência, mas sua aplicação ainda é limitada. É inaceitável que, em 2024, mulheres continuem lutando para participar da política de forma segura.

Fake news e desinformação

O uso de fake news tem sido um dos maiores desafios para a integridade do processo eleitoral. As candidatas mulheres continuam sendo alvo de desinformação, que distorce fatos e reforça estereótipos de gênero. Essas campanhas têm um impacto devastador, não apenas sobre as candidatas atacadas, mas sobre o público em geral, que é influenciado por esses discursos.

O combate às fake news deve ser tratado com a seriedade que merece, com um esforço conjunto entre autoridades eleitorais e plataformas digitais para responsabilizar os autores de desinformação. Essas práticas não só afetam a integridade das eleições, como também afastam outras mulheres da política, dificultando a formação de um ambiente inclusivo e equitativo.

A diversidade das mulheres

As mulheres eleitas em 2024 devem reconhecer que a realidade de cada mulher no Brasil é diversa. Não podemos falar sobre a mulher de forma genérica, pois a experiência da mulher branca é distinta da mulher negra, que é distinta da mulher trans, entre outras identidades. Embora todas essas mulheres enfrentem o machismo e o patriarcado, cada uma lida com desafios específicos. As mulheres negras, por exemplo, enfrentam o racismo estrutural somado ao machismo. As mulheres trans sofrem uma exclusão ainda mais brutal, com dificuldades de acesso a direitos básicos e alta taxa de violência.

Por isso, é essencial que as políticas públicas promovidas pelas mulheres eleitas levem em consideração essas diferenças. Devemos lutar por um feminismo que seja inclusivo e interseccional, capaz de compreender e atuar sobre as diferentes opressões que as mulheres enfrentam. As mulheres eleitas têm a enorme responsabilidade de trabalhar por políticas que beneficiem a todas, independentemente de raça, classe ou identidade de gênero.

Movimentos organizados: resistência e apoio

Frente a esse cenário, os movimentos organizados continuam a ser a principal força de resistência e apoio às mulheres eleitas. Este ano, o Brasil elegeu pelo menos 26 pessoas trans para cargos de vereança, a maioria mulheres trans e travestis, conforme levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Em algumas cidades, essas mulheres trans foram as candidatas mais votadas, o que reforça a importância de sua presença na política e a crescente aceitação de suas candidaturas em algumas regiões do Brasil.

A presença de pessoas trans e de outras mulheres historicamente marginalizadas nos espaços de poder é uma conquista a ser celebrada, mas é crucial o compromisso com a defesa dos direitos de todas as mulheres. O feminismo deve ser uma bandeira para todas, e os movimentos organizados continuarão a desempenhar um papel fundamental na articulação de políticas públicas que reflitam essa diversidade.

O cenário pós-eleições

O resultado das eleições de 2024 nos mostrou que, apesar de termos conquistado mais espaço, ainda temos um longo caminho a percorrer. As mulheres eleitas precisam assumir um compromisso claro com a agenda feminista, com a construção de políticas públicas que não só ampliem os direitos das mulheres, mas que o façam com um olhar atento às especificidades de cada grupo.

A violência política de gênero e o uso de fake news continuam a ser obstáculos, mas os movimentos sociais e as organizações feministas estão aqui para garantir que essa luta continue. A responsabilidade agora recai sobre as eleitas, para que atuem de forma comprometida com a defesa dos direitos de todas as mulheres, criando um ambiente político mais inclusivo, justo e democrático.