Estudos demonstram aumento da violência contra a mulher durante pandemia e retrocesso nas políticas de gênero com Bolsonaro
Publicado: 17 Junho, 2021 - 00h00
Nova pesquisa divulgada pelo FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública, encomenda ao Instituto Datafolha, demonstra um quadro gravíssimo da violência contra a mulher em nosso país. O estudo se ateve ao último ano, ou seja, compreende o período da pandemia do Covid-19. A investigação apontou que 17 milhões de mulheres brasileiras foram vítimas de algum tipo de violência e agressão neste curto espaço de tempo. A violência sexual também foi outro triste destaque: cerca de 3,7 milhões foram vítimas ou sofreram tentativas de manter relações sexuais forçadas. No cômputo geral, a pesquisa alerta para o fato de que, em 2020, oito mulheres foram agredidas no Brasil a cada minuto.
As organizações de defesa das mulheres, entre elas as do campo sindical, já haviam alertado para o fato de que o isolamento social acarretaria em mais violência contra a mulher em virtude do aumento do contato com o agressor presente em sua própria casa. Dados apresentados no documento do Fórum sobre o tema “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” corroboram com este pressuposto ao provar que houve um aumento de 6,6% da violência na própria casa em comparação ao levantamento de 2019, o que fez atingir agora 48,8% dos casos. São, evidentemente, agressores conhecidos das vítimas, como pais, irmãos, maridos, namorados, parentes próximos, o que torna ainda mais difícil as ações e medidas preventivas e punitivas contra estas condutas abjetas e criminosas.
A pesquisa foi muito precisa em diagnosticar que uma a cada quatro mulheres acima de 16 anos de idade foi vítima de algum tipo de ataque, seja físico, psicológico ou sexual neste primeiro ano da pandemia. São números que demonstram que a violência contras as mulheres é um fenômeno presente de forma aguda em todo o país, que percorre todas as classes sociais, idades e raças, dilacerando cotidianamente suas vítimas e mantendo aberta uma ferida no tecido social que precisa ser curada. No recorte de raça, o estudo diz que 25,4% das agressões atingem as mulheres negras. Pode-se observar, ainda, que as mulheres perderam mais renda e emprego neste período analisado. O que faz compreender que a desigualdade entre homens e mulheres também contribui com estes indicadores.
A pesquisa, que está em sua terceira edição, reitera, infelizmente, a manutenção de uma condição de violência de gênero que vem sendo detectada de forma mais intensa nestes últimos anos. Para esta edição, que teve a coleta de dados entre 10 a 14 de maio e se pautou em casos ocorridos nos doze meses anteriores a pesquisa, foram escolhidos 130 municípios para que 2.079 mulheres com idade superior a 16 anos pudessem ser ouvidas. Deste total, 25,4% confirmaram agressões do companheiro ou namorado, 18,1% pelo ex-companheiro ou ex-namorado e 11,2% por pai ou mãe. Números que levam o país a ser o quinto no mundo com maior índice de violência de gênero.
A pesquisa identificou também que o assédio sexual não diminuiu com o isolamento e continua sendo outra gravíssima ocorrência que vitima as mulheres. Do total de entrevistadas, 37,9% delas sofreram algum tipo de assédio sexual. Diz o estudo que deste total, “31,9% ouviram comentários desrespeitosos quando estavam andando na rua, 12,8% receberam cantadas ou comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho, 7,9% foram assediadas fisicamente no transporte público, 5,4% foram agarradas/beijadas sem consentimento, e 5,6% sofreram assédio físico em festa ou balada”.
Desmonte e displicência do governo
No meio desta realidade tão dolorosa contra a mulher há outro fenômeno que precisa ser combatido: o da subnotificação dos casos. Os dados apresentados pelo Fórum também detectaram isto, pois apenas 12% das mulheres vítimas de violência recorreram a uma Delegacia da Mulher. É preciso se debruçar sobre este diagnóstico e procurar entender as variantes que levam a esta situação. É evidente ser preciso ter mecanismos ainda mais capacitados e qualificados de aproximação com estas mulheres e que apresentem estratégias eficazes de atendimento. Devemos garantir a existência de políticas públicas e de redes de proteção cada vez mais amplas e proativas para qualificar o atendimento a partir de uma equipe multidisciplinar de profissionais capazes de atender todas as necessidades de atenção, cuidados e proteção a estas mulheres. É preciso fazer cumprir as leis que punam eficazmente os agressores e que preservem a vida das vítimas e de seus familiares.
Infelizmente, vemos que todo este caminho que vinha sendo percorrido com avanços significativos vem sendo desmontando desde 2016 com a adoção de políticas liberais que dilapidaram recursos para investimento destinados às áreas sociais e às políticas públicas. Situação que se tornou ainda mais grave com a chegada ao poder, em 2019, de Bolsonaro e sua posição ultraconservadora e ultraliberal, que, no caso da luta feminina, ainda incorpora um caráter extremamente misógino na sua postura pessoal e que encontra eco nas políticas de desmonte de direitos estabelecidas principalmente no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no Itamaraty e no Ministério da Educação, fato sobejamente confirmado pelas medidas tomadas e mencionado por estudiosos do assunto.
Esta situação de precarização e desmonte das políticas de gênero vêm sendo denunciada e combatida fortemente pelas organizações femininas e pela CUT – Central Única dos Trabalhadores, assim como pela CNTSS/CUT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social. As comemorações do 08 de março desta ano foram focadas na resistência pela manutenção da vida, dos direitos, da renda das famílias, da saúde e contra toda forma de violência contra as mulheres. Foi também um momento em que denunciamos intensamente os casos de feminicídio no país, que também houve um crescimento em 2020. A partir de dados divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, somente no primeiro semestre daquele ano foram 648 casos deste crime hediondo.
Tanto horror e iniquidade que vem sendo tratados com grande displicência por este governo como ação política previamente planejada e premeditada. Em entrevista concedida ainda em 2020, a pesquisadora Sonia Corrêa, co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política (Sexuality Policy Watch), que conduziu um projeto de pesquisa sobre políticas antigênero na América Latina, expôs que “o debate sobre gênero numa perspectiva de igualdade, da democracia e da plasticidade, vem sofrendo fortes ataques de setores políticos e religiosos desde 2020 na America Latina e Brasil”, ampliado no país ainda mais agora com o governo Bolsonaro por meio de legislações e diretrizes de política pública.
Aumento das políticas antigênero
Destes ataques sistemáticos dos setores conservadores vem surgindo axiomas pejorativos e extremamente ideologizados como “ideologia de gênero”, que ataca fortemente as lutas presentes no feminismo por direitos, igualdade e combate à violência, ou até mesmo “escola sem partido”, como forma de tirar a perspectiva de gênero do campo educacional. No Brasil, segundo a pesquisadora, esses ataques vinham acontecendo desde meados dos anos 2000 e, recentemente, com o processo eleitoral e a vitória de Bolsonaro, em 2018, ganhou forte impulso. Hoje, sem dúvida alguma, a ideologia antigênero se vê traduzida em legislações e diretrizes de política pública espalhadas pelo país nas três esferas de governos. Para a pesquisadora, “essa figura (da ideologia de gênero) evoca a fantasia e o temor das mulheres que supostamente têm como objetivo a destruição da ordem, da natureza e da família”. É uma forma de também colaborar com o avanço da misoginia na sociedade.
O resultado de todo este retrocesso gigantesco nas políticas públicas protagonizado pelo governo Bolsonaro foi divulgado em janeiro último pela “Coalização Solidariedade Brasil”, rede formada por 18 entidades internacionais, com sede na França, que fez um relatório sobre direitos humanos e ambientais no país focando em três temas: justiça social, ambiental e espaços democráticos. Foram analisadas situações como racismo e violência policial, violência contra a mulheres, população LGBTQ+, direitos trabalhistas e emprego, segurança alimentar, acesso à terra, povos tradicionais, meio ambiente, educação, violência política e liberdade de expressão com dados obtidos em órgãos do próprio governo.
Destacando deste material as informações referentes a gênero fica claro o aumento da violência contra a mulher nestes últimos anos. Os dados de 2019 apontaram que “três em cada dez mulheres sofreram algum tipo de violência, 1.326 feminicídios foram registrado no Brasil (aumento de 7,1% em comparação com 2018), além da ocorrência de um estupro a cada oito minutos, 66,6% das vítimas do feminicídio são negras e a análise de um período mais longo variando de 2008 a 2018 mostra que a taxa de homicídios de mulheres negras cresceram 12,4%, enquanto que diminuiu em 11,7% para as mulheres 'não negras'".
Este quadro complexo requer ações incisivas indicadas a partir de estratégias que sejam capazes de atacar os mecanismos que levam à violência contra a mulher. A unidade na luta de todos os segmentos sociais de defesa da mulher e do campo sindical tem se apresentado como uma importante arma de resistência e aglutinação de forças progressistas. Vamos avançar neste sentido. A CNTSS/CUT, entidade representativa da Seguridade Social, cuja maioria de seus profissionais representados é composta por mulheres, está atenta a este desafio e levará para seu 8º Congresso Nacional, que acontece de 25 a 27 de agosto deste ano, as propostas e ações elaboradas no Encontro Nacional de Mulheres da CNTSS/CUT, realizado e março último, além de ampliar este debate no Encontro de Mulheres, evento que acontece na manhã de 25 de agosto e precede a agenda de discussões do 8º Congresso.
Maria de Fátima Veloso é secretária nacional adjunta de Saúde do Trabalhador da CUT – Central Única dos Trabalhadores e secretária de Mulheres da CNTSS/CUT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social