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Artigo

Gramáticas do mercado: a financeirização nos metadiscursos na Antropologia Econômica no caso das privatização das águas

Publicado: 17 Setembro, 2024 - 00h00

Lucas Tonaco é secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Primeiro, é necessário a compreensão sobre a ocorrência da difusão do signo que se insere a respeito do que se pode chamar vulgarmente como etnografias do(s) capitalismo: o capitalismo não é sentido da mesma forma pelos seus significantes, sendo assim, portanto no meio de disputas do campo do capital político, os agentes fazem a ontologia dos significados. Cabe aqui recorrer a Clifford Geertz: “Que o etnógrafo enfrenta, de fato (...) é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender depois apresentar. (...) Fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de "construir uma leitura de") um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não como os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado. (Geertz, 1978), portanto aqui o interesse para alterar a semântica da percepção popular nos casos de políticas públicas dadas por estes mesmos agentes é também necessária, em síntese: para que se faça sentido não pensar em coletivização ou ressignificação dos “bens em comum”, ou da agência, detenção e propriedade das mercadorias, os agentes de mercado em sua forma reducionista criam o artifício retórico da privatização como signo necessário a um processo de individualização dos lucros e do prejuízo inteiro dessas populações em detrimento das privatizações seja veiculado midiaticamente é preciso ler os interesses econômicos e políticos que são intrínsecos a essa retórica, especialmente no dito período “neoliberal”, e também como numa interpretação de Appadurai (2008) em relação a cultura e mercadoria serem indissociáveis e na lógica da vida social das coisas e dos signos com interesses também contraditórios para outros significantes, interessados, inclusive.

Jornais, programas de televisão, vinculações em redes sociais, são instrumentos para evasão e capilaridade dessas discursividade, então para que a lógica mercadológica faça se permanente é preciso em sentido ‘’evolucionista” de que as privatizações são o futuro, e que o caminha para dita modernidade seja a eficiência na gestão - não é raro essas vinculações entre questões sociotécnicas e econômicas para que se faça acreditar que as agências do dito mercado são portanto uma espécie de solução inescapável tão quanto o discurso do avanço tecnológico.

Nos tempos atuais, não é raro a compreensão de determinados discursos a respeito da financeirização de setores essenciais no cotidiano humano - água, energia, gás, entre outros “artifícios” são alvos diários de formas de ataque. No caso da água por exemplo, cabe aqui ressaltar que não seja apenas um fenômeno localizado no Brasil, mas também que financeirização da água representa a transformação desse recurso natural em uma mercadoria financeira, sujeita à especulação e ao controle por parte de investidores e grandes corporações. Esse fenômeno global tem se intensificado, impulsionado pela busca de lucros no setor de saneamento básico.O capitalismo contemporâneo, especialmente em sua fase neoliberal, é marcado pela crescente financeirização, um fenômeno que transforma não apenas os recursos naturais e bens comuns em mercadorias, mas também redefine as próprias bases semânticas que sustentam o sistema econômico e político. O conceito de financeirização pode ser entendido como a conversão de ativos físicos e recursos naturais em produtos financeiros, cuja valorização e troca são mediadas pelos mercados. Nesse contexto, os significados do que é público e privado, coletivo e individual, passam a ser disputados. 

A agência de gestores políticos sobre o processo também vincula as questões vigentes e ignoram sistematicamente com a finalidade de inclusive a não observância de acadêmicos ou mesmo a vivência científica ou empírica que concluem que a ressignificação geraria “benesses” e que a modernidade nas tecnologias de gestão no caso do saneamento, por exemplo, faria inclusive a baixas nas contas principalmente. 

Empirismos que explicitam as contradições da construção do signo 

Indícios sintetizados sobre a abordagem empírica das privatizações e o aumento de contas, um artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, pela cientista política, graduada pela Hunter College, em NY e Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), “a população pagava uma taxa de água de aproximadamente R$ 27 por mês. Após a privatização, 10m³ de água, para a tarifa residencial, passaram a corresponder a R$ 79,88: um reajuste perto de 200%” e ainda versa sobre a qualidade da empresa privada, “Após a privatização, um estudo constatou a violação do padrão de potabilidade da água (qualidade microbiológica), o que poderia causar doenças relacionadas à contaminação hídrica. Devido ao fato, a concessionária foi multada em mais de 2 milhões de reais”. Ainda sobre Ouro Preto, segundo artigo¹¹ publicado pelo grupo Manuelzão, da UFMG, “após crise marcada por contas estratosféricas e uma enxurrada de reclamações a respeito do serviço prestado, negociação para conter o caos instaurado avança”, o caos literalmente é comprovado também em vários outros artigos, tais como “Privatização do saneamento em Ouro Preto causa revolta em moradores” publicado pelo Brasil de Fato, e “Ouro Preto enfrenta multinacional por direito à água”, publicado pelo UOL.O clamor pelo tema em Ouro Preto, pós privatização da água é tanto que a “remunicipalização do saneamento em Ouro Preto é defendida diante de tarifas abusivas e serviço ruim”, conforme artigo publicado na própria Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O absoluto descalabro de transformar a água em mercadoria – que é o objetivo de qualquer privatização – chega a tanto que em 2024, a prefeitura de Ouro Preto subsidia tarifa residencial de água após revisão da estrutura tarifária, sendo assim quem acabou pagando a conta de um processo caótico, que diminui a qualidade e aumentou as tarifas de água foi objetivamente o próprio povo e isso ocorre pelo óbvio: a intenção de qualquer iniciativa privada empresarial sempre será o lucro como máxima e premissa.Um outro exemplo evidenciado em vários artigos do fracasso das privatizações, é Manaus, “Águas de Manaus’ produz cidadãos de segunda classe”, “Para os cidadãos de 1ª classe, a concessionária dispõe todos os serviços. É uma classe pouco numerosa, que vive nos melhores bairros da cidade. Esse grupo tem rendimento suficiente para arcar com o pagamento das tarifas, por mais espoliativas que elas sejam. Essa classe tem o privilégio de usufruir até dos serviços de esgotamento sanitário.

De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS 2021), somente 25% de Manaus ostenta essa regalia”. Outrora, o artigo publicado no ONDAS, “As contradições da privatização do saneamento em Manaus”, com autoria de Sandoval Alves Rocha, constata que a precarização absurda do saneamento de Manaus produzida pela privatização chegam a descumprir várias premissas. 

Já no Rio de Janeiro, a privatização da CEDAE, “Privatização do saneamento no RJ elevou tarifa e não cumpriu promessa de universalização’, gerando um choque de realidade, que promoveu demissões, fez um caos social e novamente aumentou as tarifas, conforme em artigo da Rede Brasil Atual. No Rio de Janeiro, uma reportagem da CBN, também apurou que donos de bares e restaurantes denunciam aumento de até 800% na conta de água. 

No Mato Grosso, a privatização foi analisada em um artigo publicado no ONDAS por Lázaro de Godoy Neto, “Águas Guariroba: lucro bilionário, tarifa mais cara do País e executivos com salários milionários”, o resultado mais uma vez foi: aumento das tarifas, gerando a tarifa mais cara do país, lucros altíssimos e salários de executivos com valores milionários. 

Em Alagoas, a privatização teve resultados tão ruins, que foi um grave equivoco, em artigo publicado pela Agência Senado, o “senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) agradeceu a diligência externa promovida pela Comissão de Fiscalização e Controle (CTFC) em Alagoas e a presença de membros do colegiado.

Para o senador, “o governo do estado recebeu os recursos, na conta do estado, e se apropriou desses recursos, fazendo a destinação de uma forma equivocada. Também ouvimos os populares. Alagoas escolheu um modelo de outorga completamente inadequado à nossa realidade, pois se preferiu o maior preço e se ignorou a menor tarifa. 

Ocorre que logo em seguida houve aumento da tarifa, seguido da piora da prestação do serviço”.De acordo pesquisadores e com o think tank PSIRU — que é financiado pela Public Services International, as privatizações representam regressos, onde por exemplo, os usuários pobres de água em Paraná, voltaram a beber água da chuva e outras fontes contaminadas como resultado dos aumentos tarifários da subsidiária da Vivendi. 

Além dos problemas sociais e da ampla desigualdade gerada pelos processos de privatização há o problema da concentração de renda que este processo gera, afinal ele concentra na mão de poucos executivos os lucros, conforme Marcos Montenegro menciona no artigo “Como operam os barões do saneamento básico?”:“No mesmo diapasão a diretora geral da Oxfam França, Cécile Duflot, ex-ministra da Habitação afirmou: “Limitar os salários dos patrões é agora um imperativo social e democrático”. Segundo a Oxfam, o salário médio dos CEOs das 100 maiores multinacionais france”. O diretor executivo interino da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, declarou na mesma data:“Enquanto os dirigentes das empresas estão nos dizendo que precisamos manter os salários baixos, eles estão fazendo a si mesmos e a seus acionistas pagamentos vultosos. A maioria das pessoas está trabalhando mais por menos e não consegue acompanhar o custo de vida. Anos de austeridade e ataques aos sindicatos aumentaram o fosso entre os mais ricos e o resto de nós. Em um dia destinado a celebrar a classe trabalhadora, essa desigualdade gritante é chocante e infelizmente não surpreende” 

O caso da privatização da água é particularmente emblemático. A água, um recurso natural fundamental para a vida, é progressivamente tratada como uma mercadoria financeira, sujeita à especulação e ao controle por grandes corporações e investidores. Essa transformação é parte de uma estratégia mais ampla de financeirização, que busca lucrar com bens essenciais, utilizando-se da justificativa de que a privatização traria maior eficiência e qualidade no fornecimento de serviços.

Como supracitado, a retórica que dá sustentação às privatizações para influenciar as populações na mudança do signo e consequentemente do significado do que é privatização é elevar a gramática de que o setor privado é inerentemente essa semântica ignora as consequências sociais e econômicas das privatizações e se sustenta em uma lógica de maximização do lucro, que muitas vezes entra em conflito com o bem-estar coletivo, e assim a contradição até mesmo o discurso neoliberal que promove a privatização se apoia na noção de que o mercado é a solução natural e inevitável para os problemas de gestão de recursos públicos. Esse discurso é amplamente difundido pela mídia e por think tanks financiados por grandes corporações, que têm interesse direto na mercantilização de bens comuns. A privatização é apresentada como sinônimo de modernidade e progresso, e aqueles que se opõem a essa lógica são frequentemente retratados como retrógrados ou contra o desenvolvimento. 

O que se conclui, portanto, é que o uso da gramática relacionada às privatizações encontra no ethos uma lógica da perversão: através de vinculações interpretativas dos agentes de mercado, a população passa a interpretar “benefícios” onde há puro interesse de concentração de lucros nos agentes que promovem tais privatizações.

 

Bibliografia

 

 

GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In:

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  1. O Diabo e o fetichismo da mercadoria na América do Sul. São Paulo.

APPADURAI, Arjun. 2008. A Vida Social das Coisas. As mercadorias de uma perspectiva cultural.

 

ALVES ROCHA, Sandoval. As contradições da privatização do saneamento em Manaus. ONDAS. Disponível em:. Acesso em: 11 ago. 2024.

 

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS (ALMG). Remunicipalização do saneamento em Ouro Preto é defendida diante de tarifas abusivas e serviço ruim. Disponível em:. Acesso em: 12 ago. 2024.

 

BRASIL DE FATO. Privatização do saneamento em Ouro Preto causa revolta em moradores. Disponível em:. Acesso em: 13 ago. 2024.

 

CBN. Donos de bares e restaurantes denunciam aumento de até 800% na conta de água no RJ. Disponível em:. Acesso em: 14 ago. 2024.

 

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1978.

 

GODOY NETO, Lázaro de. Águas Guariroba: lucro bilionário, tarifa mais cara do

País e executivos com salários milionários. ONDAS. Disponível em:. Acesso em: 14 ago. 2024.

 

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL. Privatização da água e os impactos nas tarifas e qualidade do serviço em Ouro Preto. Disponível em:. Acesso em: 14 ago. 2024.

 

MONTENEGRO, Marcos. Como operam os barões do saneamento básico?. Disponível em:. Acesso em: 14 ago. 2024.

 

PSIRU. Privatizações e os impactos sociais no setor de água no Brasil. Disponível em:. Acesso em: 14 ago. 2024.