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Artigo

Liberdade econômica é assegurar descanso nos domingos e feriados

Publicado: 13 Agosto, 2019 - 00h00

Em nome da liberdade econômica para as empresas, a Medida Provisória (MP) nº  881/19, relatada pelo deputado Jerônimo Goergen (PP/RS), assíduo defensor do agronegócio, que também recebeu contribuições eleitorais de Shopping Center, pode ser votada esta semana no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (13).

Como assinalou o Ministério Público do Trabalho (MPT), o anteprojeto desta MP nasceu de um estudo realizado pelo Grupo Público da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV Direito SP) e pela Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP.

A iniciativa que tem mérito por facilitar a abertura de empresas, sofreu uma metamorfose cruel para reduzir a capacidade de fiscalização pública e retirar direitos da classe trabalhadora. Em desmedido oportunismo, o relator incluiu na MP uma nova reforma trabalhista, com destaque para a liberalização geral do trabalho aos domingos e feriados,
excluindo a necessidade de negociação sindical e remuneração adicional.

No comércio, por exemplo, muitos sindicatos que negociaram o trabalho aos domingos asseguraram que além de ter folga durante a semana o empregado não pode trabalhar mais que três domingos seguidos.

A proposição que será submetida a voto no plenário da Câmara prevê que o empregado poderá trabalhar até sete semanas, vários domingos seguidos, compensando apenas em dia de semana. Ou seja, o comerciário poderá ser obrigado a trabalhar quase dois meses sem que seu descanso coincida com um domingo.

Só com este absurdo, a MP enterra o principal argumento da nefasta reforma trabalhista, o propalado predomínio do negociado sobre o legislado. O negociado, tão alardeado pelo governo, está sendo enterrado, e o que tem prevalecido são as Medidas Provisórias.

O argumento do governo e do relator é que as empresas estariam em situação de inferioridade perante o Estado. Por suposto, ao Estado cabe garantir o interesse comum e o que reza a Constituição da República e as
leis elaboradas pelos representantes da sociedade. O estranho é querer que a empresa seja superior ao Estado, o que acaba ocorrendo devido ao poder econômico e a prática de atos de corrupção por parte de empresários.

Mas, se as empresas se sentem inferiores ao Estado, imaginem como se sentem os trabalhadores e as trabalhadoras frente às empresas em que trabalham. Em um país onde o patrão pode admitir e demitir quando e como quiser há um enorme desequilíbrio de forças entre o entre o empregado e o patrão.

Este reconhecido desequilíbrio está na origem da legislação trabalhista e na organização de uma rede protetora da parte mais fraca, que tanto incomoda o empresariado brasileiro. Desconsiderando os casos exemplares de humanismo por parte do empresário, a classe patronal brasileira, ungida do regime de trabalho escravo, tem sido de uma crueldade implacável com seus trabalhadores.

Quando falo em crueldade estou me referindo aos restos de trabalho similar ao escravo ainda existente no Brasil, os casos de assédio moral, sexual e de todo tipo que ocorrem nos locais de trabalho. Os trabalhadores são vítimas contumazes de posturas autoritárias, ou seja, o desequilíbrio de forças só se altera quando o sindicato conta com a unidade e mobilização dos trabalhadores para reagir.

Outro argumento apresentado é o de que deve prevalecer a boa-fé nas atividades empresariais. De fato, esta é uma pretensão desejada. Entretanto, o que temos presenciado é a morte ou mutilação de milhares de trabalhadores anualmente em acidentes de trabalho, mesmo com a fiscalização.

Casos tipo o rompimento das barragens da Vale em Sobradinho e Mariana; incêndios como a da boate em Santa Maria (RS), dentre tantos outros casos, tendem a se intensificar com esta MP. Trabalhos em locais insalubres e perigosos; casos de cárcere privado de trabalhadores, que trabalham em situação similar a de escravo no campo, mas também nas cidades, como nas pequenas oficinas de costura, onde imigrantes são espoliados.

Todas estas situações serão naturalizadas com a aprovação da MP 881/19, conforme relatório aprovado da Comissão Mista. O que tem predominado na vida das pessoas que são obrigadas a vender sua força de trabalho para
ter acesso a alguma renda é a má-fé de gatos e gaiatos, que vivem da exploração desumana do trabalho alheio. E isto só se agravará caso seja aprovado o relatório da MP 881/19, uma proposta desequilibrada e desumana, que prega a liberdade do lucro apenas.

Percebe-se um desejo incontrolável de prejudicar os que vivem de seu próprio trabalho. Esta caminhada de destruição de direitos está gerando insegurança, instabilidade e irritabilidade junto aos trabalhadores. Já se constata entre nós sinais de que a Síndrome de Burnout, ou do esgotamento, poderá se transformar em uma epidemia.

O relatório revoga a lei que proíbe o trabalho dos bancários aos sábados e  acaba com o descanso aos domingos e feriados em todos os setores. Vivenciamos profundas mudanças no mundo do trabalho e estresse resultante de situações de trabalho que já não se encerram na empresa, em face da intensa pressão por metas e pelo atendimento dos clientes a qualquer hora e dia, via celular.

O estrangulamento dos nervos, verificado quando a humanidade se acostumava à vida urbana e as formas de trabalho industrial acompanharam as novas tecnologias e a vida moderna. No início do século XXI a sobrecarga de trabalho é acompanhada de equipamentos que mantêm os trabalhadores conectados com o seu trabalho o tempo todo, ao
mesmo tempo em que se conectam em redes sociais e familiares.

Neste ritmo, recebem milhares de informações, contrainformações, expectativas desastrosas ao lado de experiências de plena felicidade. Sentindo-se em meio a um turbilhão de informações, convites, desafios, metas, sonhos, esperanças e medos, o intenso estresse termina por gerar Síndromes, como a do pânico e de Burnout, ou esgotamento, que se
generalizam no mundo e no Brasil.

Em face desta desafiadora realizada no mundo do trabalho e na vida, como aceitar uma legislação que concede ainda mais poder para a classe patronal e retira os instrumentos de defesa do lado mais fraco na relação. Já não se trata da defesa de um direito trabalhista, mas de uma defesa humanitária de seres que se encontram em meio a uma competição desenfreada, cruel e desumana.

Esta proposta é desequilibrada porque não considera os argumentos da razão, não contempla situações psicológicas e sociais que têm afetado trabalhadores em todo mundo. Ao invés de buscar medidas que enfrentem este grave problema, o relator e o governo, com o beneplácito de parlamentares comprovadamente comprometidos e financiados pela classe patronal promovem desregulações que desprotegem o lado mais fraco, submetendo-o aos desejos e necessidades de uma classe proprietária egoísta, sem qualquer compromisso com sustentabilidade social e
ambiental.

E o faz em completo desrespeito ao que está estabelecido na Constituição  de 1988. Para eles importa apenas a liberdade econômica, mas, a liberdade do trabalhador e da trabalhadora de poder conviver com seus filhos e
família aos domingos. Agora só uma vez a cada sete semanas.

São muitas as alterações malignas. Dentre as quais estão mecanismos que  dificultam a fiscalização e autuação fiscal para proteger o proprietário que frauda a lei. Mais que isto desobriga o empregador autuado de realizar o depósito das multas para ter direito a interpor recursos nos órgãos governamentais. E ainda facilita o não repasse para a Previdência Social, ao dispensar o encaminhamento da guia de recolhimento previdenciário aos sindicatos para fiscalização.

A livre iniciativa deve ser estimulada, mas ela não pode se colocar acima das leis e da própria Constituição. Nada a opor que se desburocratizem os processos, mas sem extirpar normas fundamentais ao desenvolvimento econômico, social e ambiental.

É preciso assegurar direitos constitucionais tais como a valorização social do trabalho (art. 5º, caput, da CF/88); a dignidade humana é um valor inarredável (art. 1º, III, da CF/88); a sociedade brasileira deve ser construída de forma livre, justa e solidária, caminhando para a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III, da CF/88); deve haver a valorização social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88).

Estes são apenas alguns dos malefícios da MP, piorada pelo relator. Para concluir, a medida vai fomentar uma nova guerra entre municípios ou entre Estados para atrair negócios. Agora já não serão isenções ou reduções de impostos. Será a definição de quais atividades econômicas podem contar com a dispensa total de atos como licenças, autorizações, inscrições, registros ou alvarás; será a definição de quais ações têm risco baixo, médio ou alto para incidentes.

A proposição transforma algo técnico em algo a ser negociado nestes órgãos e que poderão também se transformar em meios na guerra entre entes federados. Enfim, será a criação dos chamados sandboxes — áreas sujeitas a regimes jurídicos diferenciados, como zonas francas não tributárias definidas por estados e Distrito Federal. Algo me diz que estas caixas são de areias movediças, na qual se atolarão os trabalhadores e os empregadores honestos deste país.