O futuro do trabalho diante do desmantelamento do Estado
Publicado: 21 Novembro, 2019 - 00h00 | Última modificação: 26 Novembro, 2019 - 17h18
As inovações tecnológicas são apresentadas inicialmente como processos que vão melhorar as condições de vida, reduzir o tempo de trabalho e otimizar o desenvolvimento. No entanto, as transformações que foram produzidas desde a revolução industrial em suas diferentes etapas trouxeram, além de avanços, mudanças radicais na estruturação do trabalho e nas formas de organização. Ao mesmo tempo que certas profissões deixarão de existir, apareceram muitas outras produzindo um salto nas condições de vida de uma parte importante da população.
Hoje estamos experimentando uma nova transformação no modelo produtivo e econômico que apresentam novos desafios para as formas de trabalho. Apresentado de várias maneiras, tal como 4ª revolução industrial ou a indústria 4.0, o atual modelo é caracterizado por um processo acelerado de automação e digitalização, a utilização da robótica avançada e uso intensivo da bio e nanotecnologia. Tais caacteristicas fornecem, diferentemente de outras "revoluções" produtivas, um novo aspecto: a extrema velocidade com que se desenvolve. Tais fatos, diante da falta de regulamentação por parte do Estado, contribui decisivamente para aumentar da desigualdade em níveis nunca antes vistos. Desta forma , as tecnologias, por si só, não são o problema, mas sim a lógica impulsionadas a partir da sua introdução.
O Produto Interno Bruto (PIB) mundial triplicou nos últimos 40 anos, mas não trouxe benefícios para a população como um todo. Os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que em 2018, 172 milhões de pessoas em todo o mundo estavam desempregadas e, mesmo que este numero signifique um melhora em relação ao ano anterior, as condições de trabalho não melhoraram.
A mesma pesquisa indica que mais de 3 bilhões e 300 milhões de pessoas empregadas não tinham níveis adequados de segurança econômica, bem-estar material ou oportunidades de progresso. Este estudo afirma que os empregos criados pela digitalização são precários, temporários e com poucas margem para a negociação coletiva de direitos.
Em relação à desigualdade, a Organização Não Governamental Oxfam destaca que apenas 26 bilionários detem a mesma riqueza que metade do mundo. Afirma também que a desigualdade está condicionada a fatores como região, sexo, idade e raça.
Enquanto os trabalhadores europeus transitam com menos perdas a um novo mercado de trabalho, os países do Sul Global sofrem pela falta de acesso a novas tecnologias, gerando provocando muitas dificuldades de adaptação, principalmente no que se refere a tipo de benefícios e de capacidades desenvolvidas para esta nova economia. Aprofunda, ao fim e ao cabo, a desigualdade na divisão internacional do trabalho.
Uma questão determinante no processo de acumulação de capital e diretamente ligada a essa nova configuração do mercado de trabalho são as cadeias produtivas globais, onde há uma divisão clara entre países que concentram tecnologia de ponta, desenvolvimento de produtos com alto valor agregado e concentração de “propriedade intelectual” e outros países que irão prover produtos com baixo valor agregado e baixa capacidade de inovação tecnológica, destinados a apenas reproduzir ou montar produtos e equipamentos.
Esse modelo é caracterizado pela produção de mercadorias e produtos de forma fragmentada em vários países, realizada por uma empresa-mãe (geralmente transnacional), que tem sua sede Norte Global, longe de onde os produtos são produzidos e/ou comercializados.
A publicação Cadeias Globais de Produção e Ação Sindical, da Confederação dos Trabalhadores das Américas (CSA) mostra que 20,6% do trabalho global faz parte das longas cadeias produtivas, onde a maioria da força de trabalho não é reconhecida pelas empresas-mãe, ignorando os direitos de milhões de trabalhadores em todo o mundo.
Nesse mapa da divisão internacional de produção, 95% da força de trabalho de 25 multinacionais que operam na América Latina (El Salvador, Panamá, Costa Rica, Brasil, Argentina) é composta por trabalhadores ocultos. Existem 17 trabalhadores ocultos nessas cadeias para cada trabalho direto.
De fato, nossa região em particular continua a aprofundar sua especialização como fornecedora de matérias-primas de origem mineral ou agrícola, localizadas na base da pirâmide das cadeias produtivas, enquanto perde força nas etapas de maior elaboração, localizadas nas fases superiores.
Ao estruturar grandes cadeias produtivas, as empresas transnacionais podem transferir o ônus e ameaças sociais, ambientais e trabalhistas à empresas localizadas nos últimos elos da cadeia, localizadas nos países do Sul, enquanto os principais benefícios estão concentrados nas mãos das controladoras, geralmente no norte, mas também em países como Brasil e México, que são a sede dessas controladoras.
A precarização dos direitos como tendência
Um recente estudo elaborado pela OIT mostra que entre 2008 e 2014 110 países passaram por reformas legais que enfraqueceram a legislação trabalhista, aumentando o horário de trabalho, promovendo contratos temporários, demissões coletivas e interferindo nos métodos de negociação e contratação coletiva.
As reformas em andamento no Brasil ficaram de fora do referido estudo, mas afirmamos que fazem parte do mesmo padrão de corte de direitos adquiridos historicamente, favorecendo maior insegurança no emprego, terceirização e ataques a organizações sindicais.
As mudanças cada vez mais rápidas nos modos de produção e o aumento da taxa de desemprego apontam para um futuro nada promissor para a classe trabalhadora, principalmente se essas normas não forem reformuladas e se a legislação não se adaptar a preservação do meio ambiente, a garantia dos direitos e a proteção dos trabalhadores.
Brasil neste contexto
A realidade brasileira é agravada o golpe diferido contra a presidente Dilma Rousseff em 2016. Com os governos do ex-presidente Michel Temer e de Jair Bolsonaro acelera-se o desmantelamento das políticas sociais e trabalhistas, bem como pelo enfraquecimento dos investimentos em novas tecnologias e a priorização das economias primárias, o que apresenta uma perspectiva bastante desafiadora para o futuro do trabalho no país.
Na economia mundial, o Brasil aprofunda seu papel como um dos principais exportadores de commodities minerais e agrícolas, que tendem a ser cada vez mais caracterizados por um alto grau de automação e robotização, com baixa geração de empregos e aumento de gastos em energia e recursos naturais.
Essa realidade transfere não apenas mais empregos precários para o sul global, como também aprofunda modelos econômicos baseados na primarização e exportação de produtos de baixo valor agregado e, frequentemente, com altos custos ambientais e sociais.
Diante de uma Política de Estado que não prioriza investimentos em pesquisa e tecnologia e a diversificação da economia, os trabalhadores ficam ainda mais vulneráveis a uma dinâmica de mercado cada vez mais cruel e agressiva.
Em tempos de disputa global pelo controle dos lucros obtidos com a alta especialização da economia, o projeto do governo bolsonaro, vinculado ao ultra-liberalismo internacional, renuncia subordinadamente às possibilidades de obter benefícios através da inovação tecnologica para o desenvolvimento do país.
O papel do Estado e a democracia
Estados fortes e democráticos são fundamentais para equilibrar uma dinâmica econômica cada vez mais veloz que radicaliza as desigualdades. Afirmamos que é necessário incorporar no atual processo de transformação políticas sociais e econômicas que garantam direitos amplos e possibilidades de competitividade, como formas de compensação diante das rápidas mudanças no mundo do trabalho. O tema das novas tecnologias - e seu papel na economia - não é uma questão de determinismo tecnológico, mas refere-se ao controle e aplicação em benefício da maioria da população. O Sul Global, em geral, tem pouca participação neste debate, monopolizado pelas economias desenvolvidas e principalmente pelas grandes corporações transnacionais.
A tendência de acelerado desmantelamento das capacidades regulatórias e de controle pelas instituições estatais no Brasil, espolia a classe trabalhadora dos mecanismos de proteção e defesa. O setor privado brasileiro, que foi o maior beneficiário do golpe judiciário, legislativo e midiático de 2016, recebeu inúmeros benefícios desde, tais como perdão de dividas e impostos, facilitação e incentivos à privatização de empresas públicas, entre outros), além de ser o principal promotor de reformas trabalhistas implementadas pelos governos de Temer e Bolsonaro.
Nesse contexto, há também uma tendência crescente de ignorar os mecanismos de intermediação social construídos a partir da redemocratização, bem como a criminalização das diversas formas de organização social no campo e na cidade.
Transição justa como estratégia sindical diante das mudanças no mundo do trabalho
Diante deste contexto de ataques, e compreendendo a urgência de agir para enfrentá-los, atualmente, o movimento sindical levanta unitariamente a bandeira por uma transição justa. Este conceito é entendido como uma maneira possível e necessário para responder a já mencionada tendência de diminuição e precarização do trabalho.
Em uma perspectiva de mudança radical de sistema de produção e das formas de emprego, um debate que apresenta certas semelhanças em relação aos impactos sobre a classe trabalhadora é o das mudanças climáticas e transformações em direção a uma economia de baixo carbono.
Tanto a indústria 4.0 quanto a economia de baixo carbono trazem mudanças fundamentais que implicam o alto uso de tecnologias com a substituição de modelos que afetam um grande número de trabalhadores, o que coloca desafios em termos de respostas necessárias e urgentes para os trabalhadores envolvido
Para uma transição justa, defendemos uma política que envolva os Estados, empresas, trabalhadores e comunidades afetadas, onde deve ser garantido que a classe trabalhadora não seja a única a suportar os ônus das transformações para uma nova economia, assim como as dívidas sociais de empresas que não estão dispostas a fazer uma transição socialmente justa.
Essa política deve envolver a requalificação, treinamento e inserção de trabalhadores para novas tecnologias, garantindo a participação plena dos sindicatos e comunidades na formulação de políticas desenvolvidas, incluindo a centralidade da perspectivas de gênero, raça e geração. Implica também a geração de novos e melhores empregos com base no trabalho decente e no respeito à organização sindical.
Se essa realidade não for observada, estamos seguros que as novas tecnologias ampliarão ainda mais o fosso social aprofundando a precariedade e a miséria sistêmica da classe trabalhadora e as condições mínimas para o desenvolvimento sustentável e a dignidade humana. Se conseguirmos ter controle social na implementação dessas novas tecnologias, seremos capazes de criar um trabalho de qualidade, com redução do horário de trabalho e melhoria nos parâmetros de saúde e segurança ocupacional