Os desafios da educação brasileira diante da pandemia e do (des)governo Bolsonaro
Publicado: 08 Julho, 2020 - 00h00
No último dia 24 de junho, comemoramos 6 anos da Lei 13.005/2014, que estabeleceu o Plano Nacional de Educação (PNE). A comemoração ficou por conta da elaboração de um plano decenal para a educação pelo conjunto da sociedade brasileira, que em um debate acumulado desde a Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010 e de 2014, pactuou metas para todos os níveis educacionais, a serem cumpridas pelos governos até o ano de 2024. O desapontamento geral fica na constatação de que, passados 6 anos de sua aprovação, quase 85% das metas ali firmadas ainda não foram cumpridas.
Se a universalização do acesso foi em parte atingida, a dimensão da qualidade da educação que o Brasil precisa está sofrendo ataques constantes dos governos que, por atribuição legal, deveriam promovê-la. Desde a promulgação da Lei 13.005, muito foi feito para comprometer o cumprimento das metas inscritas no PNE: a Emenda Constitucional (EC) n° 95/2016, proposta ainda sob o governo Temer, já indicava que um serviço público que pretende prestar um direito tão fundamental como a educação pública em nosso país não consta entre as prioridades governamentais. O asfixiamento financeiro proposto pela imposição de o país não aumentar por 20 anos o investimento em educação pública, e em outras áreas sociais como a saúde, por exemplo, compromete fundamentalmente a qualidade na prestação desse serviço. E os desdobramentos dessa medida, hoje, ficam escancarados diante de nossos olhos, em especial nesse período de enfrentamento a uma pandemia sem precedentes como o que estamos atravessando.
Essa ação contrária dos recentes governos à promoção de uma educação pública universal e de boa qualidade apresenta sua conta agora: o Sistema Nacional de Educação (SNE), importante instrumento de coordenação da política pública educacional brasileira, foi revogado por portaria ainda na gestão de Mendonça Filho no MEC; a inação do atual governo Bolsonaro em propor o novo FUNDEB, que se extingue no final desse ano de 2020, deu protagonismo ao Congresso Nacional na proposição de um novo FUNDEB permanente e com maior participação da União no financiamento da educação no país, pauta central no debate legislativo e que deve ser votado ainda nesta última semana de junho e começo de julho; a instituição e coordenação do regime colaborativo, papel do governo federal como gestor central da educação brasileira, estão renegadas a um segundo plano; o fomento à inclusão de todos/as os/as estudantes nas redes de ensino do país também parece não ocupar lugar prioritário no rol de preocupação de nossos gestores estaduais, distrital e municipais, especialmente nesses tempos de Educação a Distância (EaD); a formação continuada dos/as profissionais da educação também não ocorre, em especial nesses tempos em que todos/as estão sendo exigidos de saberem manusear os instrumentos tecnológicos para aulas remotas; a gestão democrática, tão cara a todos/as os/as educadores/as brasileiros/as, parece ter desaparecido quando verificamos que os protocolos e planos de retorno às aulas simplesmente descartam a existência das representações sindicais de trabalhadores/as, de estudantes e de pais e mães. Feitos a portas fechadas, os planos de retorno às aulas apresentados pelas secretarias de educação nos Estados, Municípios e Distrito Federal, não escutam os protagonistas da educação brasileira. O Brasil parece ter perdido a dimensão fundamental da função social da escola em nossas vidas!
A meta 7 do PNE, que trata justamente da qualidade da educação e de sua aferição nos sistemas de ensino, está sendo hoje usada para promover a entrada avassaladora do setor privado na educação brasileira. Em nome da urgência do momento, estão colocando nas costas dos/as educadores/as a responsabilidade pelo uso de ferramentas tecnológicas que, justamente uma política de formação continuada, prevista no PNE e atacada por sucessivas políticas mercantilistas dos últimos governos, não conseguiu oferecer essa formação a nossos/as profissionais. Os indicadores de qualidade previstos no PNE sempre foram acusados de não refletir a heterogênea e diversa realidade da educação brasileira. O IDEB e o PISA – esse último uma avaliação internacional – são agora usados como argumentos pelos setores privatistas, que nunca se preocuparam com uma boa qualidade educacional na oferta de uma educação para todos/as, avançarem em um processo de mercantilização do setor e canalização dos recursos públicos a empresas privadas. A aferição de qualidade educacional pela meta 7.36 (enxertada no texto da Lei pelo Congresso Nacional, certamente em atendimento aos interesses privatistas) coloca no desempenho do/as estudante um dos critérios para repasse de recursos aos entes federados.
O debate atual sobre a oferta de uma boa educação pública no país deve se voltar, agora, para formas de garantir e assegurar o acesso público a Internet de banda larga para todos/as, bem como ao acesso de equipamentos computacionais para trabalhadores/as e estudantes. Junto com uma política dessa magnitude, e a aprovação de um novo FUNDEB permanente e com mais recursos, essa deve ser a pauta para o debate nacional da educação em tempos de pandemia. A EaD ofertada pela maior parte de nossos Estados e Municípios, e também do Distrito Federal, não pode prescindir de uma política de inclusão e de boa qualidade da educação brasileira. A educação não presencial deve ser somente um instrumento a ser utilizado de forma esporádica e emergencial, sob risco de promovermos uma EaD excludente e que não dê conta de todas as dimensões da educação, que só o contato físico entre estudantes e professores/as pode proporcionar, bem como com os os/as outros/as profissionais da educação e toda a comunidade escolar, tão esquecidos nos tempos que correm.
Mais do que nunca, os/as educadores/as brasileiros estão imbuídos na construção de uma rede de apoio, solidariedade e resistência a todo esse conjunto de ataques que a educação pública brasileira sofre e que, agora, apresenta seus impactos. Se a reabertura das escolas em um momento como o atual pode significar comprometer a vida de todos/as, qualquer proposição de EaD deve ser feita de forma inclusiva e universal, garantido a destinação pública de nossos recursos orçamentários e o dialogo social com todos os segmentos da comunidade escolar.