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Artigo

Quando o voluntariado explora o trabalhador

Publicado: 14 Maio, 2019 - 00h00

Nos dois últimos sábados, 4 e 11 de maio, realizamos atos de esclarecimento na agência Oswaldo Aranha, no Bairro Bom Fim, em Porto Alegre, para provocar debate sobre a função de um banco privado. Um banco como o Santander pode prestar serviço voluntário de educação financeira a seus clientes com as taxas de juros e as tarifas que cobra?

Pode prestar serviço voluntário, convocando os trabalhadores a cumprir jornada ilegal aos sábados? Pode prestar esse serviço voluntário de educação financeira jogando no seu cliente a responsabilidade por endividamento? Entendemos que não.

A luta histórica por melhores condições de trabalho no setor financeiro, com greves nacionais, acabou com o trabalho aos sábados em 1962. Há 57 anos, a jornada de trabalho dos bancários é de seis horas diárias, de segundas a sextas-feiras. Fora disso é hora extra. O sábado é remunerado e dia para o descanso.

Os bancários sabem a importância de seu lazer e do descanso, uma vez que enfrentam rotina dura de trabalho. Precisam atingir metas abusivas, lutar por clientes com ou sem crise. Invariavelmente, costumam adoecer por causa disso.

O que o Santander fez nos dois sábados, ao tentar abrir 29 agências em todo o país, foi uma forma de propaganda institucional, usando colegas bancários que, de fato, pensavam prestar  serviço voluntário de educação financeira, o que já fazem durante a semana. A agência em Porto Alegre não abriu nas manhãs desses dois dias do fim de semana. Tivemos notícias de que apenas um cliente esteve na agência para buscar educação financeira em 04/5.

O banco espanhol não se deu por vencido. Entrou com uma ação no dia 9/5 para impedir que dirigentes sindicais ficassem na frente da agência fazendo o contraponto ao “voluntariado” do Santander. Tal medida ainda não teve decisão na Justiça do Trabalho gaúcha até esta segunda-feira, 13/5.

Será que nessas “aulas” de sábado o banco vai dizer que 29% do lucro mundial se deve ao trabalho dos bancários brasileiros? Vai dizer também que, segundo estudos do INDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), é o banco que cobra as 12 mais caras das 20 tarifas dos cinco maiores bancos do país em abril de 2019? Ou será que não vai tentar vender algum produto financeiro numa manhã de sábado?

Afora o engajamento de alguns colegas bancários, esse voluntariado do Santander está mais para negócio do que para bondade no coração. Até porque não se trata de uma ideia dos trabalhadores da ponta do sistema, mas de uma imposição da direção do banco.

Ser voluntário é viver para isso. No Brasil, não faltam exemplos. Zilda Arns morreu em terremoto no Haiti, em 2010. Ela doou a vida ao combate à desigualdade e à injustiça social.

Aqui no RS, temos o exemplo de Diza Gonzaga à frente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga. Ela conseguiu avanços na educação para um trânsito humanizado após a tragédia com seu filho. A jornalista Rosina Duarte há quase 20 anos luta para dar visibilidade aos esquecidos e estigmatizados moradores de rua na Agência Alice, que edita o jornal Boca de Rua.

Se quisesse ser voluntário na melhoria de condições de negócios para os bancários e os clientes, o Santander reduziria os juros e as tarifas que cobra. Ajudaria o Brasil a criar mais empregos e renda. Ajudaria os brasileiros a superar o endividamento. Aí poderíamos dizer que surgiu no Brasil um banco privado altruísta!