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TST julga dissídio dos Correios afinado com a destruição de direitos e centrais sindicais protestam

Publicado: 25 Setembro, 2020 - 00h00

No julgamento do dissídio coletivo dos trabalhadores dos Correios, no dia 21 de setembro, o Tribunal Superior do Trabalho, na composição majoritária da Sessão de Dissídios Coletivos, cavou mais um pouco do profundo poço dos retrocessos que se aceleraram com a “Reforma Trabalhista” no Brasil.

Desde a sua criação, a Justiça do Trabalho exerce papel dúbio nas relações de trabalho. De um lado, julgando os processos individuais, produziu uma jurisprudência criativa, progressivamente incorporando elementos protetivos, em especial depois da Constituição de 1988, com inspiração na proteção do trabalho decente, da limitação das fraudes trabalhistas, da dignidade da pessoa trabalhadora, reconhecendo o dano moral, a necessidade da proteção da vida e da saúde e as discriminações no local de trabalho.

De outro, no campo das relações coletivas, além do uso do dissídio coletivo como forma de limitar a atuação sindical, em especial nas greves, tem exercido excessivo controle de seu exercício, quase impedindo que se realize, com imposição de multas pesadas, percentuais altíssimos de trabalhadores para a manutenção de serviços, até mesmo de serviços não essenciais e, depois, nos julgamentos de cláusulas e determinação de descontos.

Aos poucos, foi-se produzindo no ambiente da Justiça do Trabalho uma antissindicalidade escancarada, como se viu em decisões proibitivas do exercício da greve, ou com imposição de 90/100% de manutenção de atividades. Aquilo que deveria ser uma exceção, a análise individual de conduta abusiva, passou a ser uma regra coletiva abstrata.

Até a recente decisão dos Correios, no entanto, o TST vinha preservando as cláusulas históricas nos julgamentos dos dissídios coletivos de natureza econômica. A exclusão somente se justificaria por comprovada impossibilidade de seguir cumprindo-as.   

Essa ambiguidade mostrou-se ainda mais evidenciada por ocasião da “Reforma Trabalhista”. Parte dos juízes do trabalho e até mesmo alguns ministros do Tribunal Superior do Trabalho foram não apenas apoiadores, mas atuaram como agentes e dos mais entusiasmados das mudanças legislativas.

Assim, também progressivamente se viu ruir a aura de uma Justiça do Trabalho protetiva e foi se escancarando uma Justiça do Trabalho que não protege nem individual e nem coletivamente. E, portanto, de uma Justiça do Trabalho que corre o risco, cada vez mais crescente, de perder apoio para manter-se estruturalmente como um ramo necessário. O passo dado pelo Tribunal, nesse julgamento, pode empurrá-la ladeira abaixo ao perder o sentido histórico de proteção dos direitos sociais e humanos do trabalho. Ainda que ao longo da história essa função tenha tido enorme influência do ambiente político, era possível dizer que a ambiguidade favorecia a luta por direitos. Ou seja, muitos direitos, primeiro reconhecidos por decisões judiciais, chegaram a se transformar em lei. Lembramos do caso, por exemplo, do pagamento das horas in itinere.  

A decisão tomada nesse dissídio é inaceitável e merece veementes protestos. Diante de uma greve provocada pela empresa, que se recusou a cumprir um acordo realizado com os trabalhadores sob seu próprio patrocínio, o TST avaliza a postura antinegocial dos Correios. Uma empresa que tem se posicionado contrária à qualquer negociação e desrespeitado acordo em vigor, mediado pelo próprio TST. Trata-se de julgamento catastrófico, que avança rumo à consolidação de retrocessos iniciados com a “Reforma Trabalhista”, seguida de todas as medidas de desmonte de direitos promovidas na sequência.

A declaração de não abusividade da greve é positiva, mas não poderia ter sido outra a posição. Como poderia ser considerada abusiva uma greve fomentada pela intransigência patronal? Abusiva foi e continua a ser a posição da empresa. Essa decisão acertada, no entanto, não justifica o essencial da decisão, qual seja, a retirada do Acordo Coletivo de mais de 70% dos direitos ali consolidados em anos de negociação.

Com este julgamento, o TST desconheceu e promoveu mudança substancial na jurisprudência consolidada, que preservava as conquistas das categorias estabelecidas em acordos e convenções coletivas, quando do julgamento de dissídios coletivos. Não se trata, portanto, de uma decisão qualquer, mas de ruptura em uma barragem de contenção, que evitava a imposição de acordos reduzidos nas negociações coletivas. Uma rachadura que, se não for imediatamente contida, resultará em avalanche de retrocessos, que destruirá direitos e benefícios conquistados em décadas por batalhas sindicais mediadas por negociações coletivas.

No julgamento, o Ministério Público do Trabalho adotou uma posição condizente com os avanços obtidos pelo processo civilizatório construído nas batalhas sindicais, consolidados na Constituição federal e na jurisprudência. Este julgamento se equipara às rachaduras identificadas na barragem da Vale do Rio Doce, cuja ruptura resultou em uma catástrofe humana e ambiental. Razão pela qual o movimento sindical conclama a todos que atuam no mundo do trabalho, que reajam imediatamente, exigindo explicações e medidas imediatas dos magistrados do TST para que a ruptura seja consertada e sejam feitas as reparações necessárias. É preciso agir para que a ruptura promovida por este julgamento não se transforme em uma avalanche destruidora e carregue consigo conquistas duramente conquistadas pelos trabalhadores brasileiros.

Essa rachadura precisa ser contida, para que não seja utilizada para uma destruição ainda maior do que aquela já realizada pelas contrarreformas trabalhistas. As vítimas imediatas e mais visíveis são os trabalhadores de estatais, que combatem praticamente sem armas a sanha privatista do governo federal. Na sequência, a lama se espalhará para todas as negociações coletivas.

Vejam que todas as cláusulas econômicas foram expurgadas da sentença normativa, com exceção do reajuste salarial, que foi fixado em 2,6%; do plano de saúde e do vale-refeição, que contaram com a concordância da ECT. Foram preservadas apenas cláusulas sem ônus financeiro para a empresa. A gravidade da ruptura promovida pelo TST torna-se ainda mais evidente com a supressão de cláusulas que estabeleciam as garantias sindicais.

Os magistrados do TST não podem alegar que a empresa passava por dificuldades, pois é conhecida sua lucratividade. Não podem desconhecer a relevância dos trabalhos realizados pelos trabalhadores, que atuavam sob forte risco entregando correspondências e mercadorias em plena pandemia. Evidente está que não há qualquer justificativa, o que torna inaceitável esta decisão do TST, que anuncia movimento em direção à destruição promovida pelo governo e por grande parte da classe patronal.

Os trabalhadores do mundo do direito, sejam magistrados, advogados, procuradores, promotores, dirigentes e militantes sindicais não podem ficar alheios a esta afronta cometida pela instância maior da Justiça do Trabalho do Brasil. É hora de reagir.