Escrito por: CUT Nacional
Nota da CUT sobre o direito à verdade, à memória e à dignidade das vítimas de violações de direitos humanos
Em 21 de dezembro de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas instituiu o dia 24 de março como o Dia Internacional do Direito à Verdade sobre graves violações aos direitos humanos e à dignidade das vítimas. A data remete a 24 de março de 1980, dia em que Dom Óscar Romero foi assassinado em El Salvador por sua luta na defesa da democracia e dos direitos humanos.
A definição do direito à verdade está diretamente vinculada a processos de transição em relação a eventos e períodos caracterizados por graves violações de direitos humanos, como o apartheid na África do Sul e as ditaduras militares em países latino-americanos. Assim, constitui tanto um mecanismo de reparação da dignidade das vítimas e familiares quanto uma prerrogativa da sociedade para que tais violações não se repitam. Portanto, é um direito ao mesmo tempo individual e coletivo.
No Brasil, este é o primeiro ano em que se incluiu a celebração no calendário oficial das datas comemorativas (Lei nº 13.605, de 09 de janeiro de 2018). Entretanto, nada temos a comemorar. Este é um dia de denúncia e protesto. Apesar dos resultados e recomendações do relatório da Comissão Nacional da Verdade, os avanços obtidos no acesso à verdade das generalizadas e sistemáticas violações aos direitos humanos durante a ditadura militar contrastam de modo gritante com a impunidade dos responsáveis e a permanência das práticas e do arcabouço institucional herdados daquele período sombrio de nossa história, como a Lei de Segurança Nacional, as polícias estaduais militarizadas, o conteúdo curricular das academias militares e policiais, as torturas, os desaparecimentos forçados e as execuções sumárias.
Nesse quadro, consequências diretas do processo de escalada golpista, da militarização do país e do estímulo à impunidade das forças policiais e militares adquirem materialidade, por exemplo, mediante a convocação do Exército para reprimir as manifestações de 24 de maio de 2017, em Brasília, contra as antirreformas trabalhista e da previdência; a sanção da lei que transfere para a Justiça Militar o julgamento de integrantes das Forças Armadas que cometerem crimes dolosos contra civis durante ações de Estado (Lei nº 13.491, de 31 de outubro de 2017); a intervenção militar no Rio de Janeiro; a proposta de expedição de mandados coletivos de busca e apreensão; o pronunciamento do Alto Comando do Exército de que militares “precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”, configurando um pedido de anistia antecipada às previsíveis violações dos direitos humanos durante a intervenção. Assim, torna-se vexatório que o Dia Internacional do Direito à Verdade seja inaugurado no Brasil cercado por afrontas oriundas do próprio Estado, que deveria promover e fortalecer esse direito.
Portanto, manifestamos nossa defesa não apenas à verdade, justiça, reparação, memória e dignidade das vítimas do passado, mas também do presente. Como se não bastasse o agravamento das violações de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, trabalhistas, ambientais e culturais em decorrências das medidas e ações do governo golpista e ilegítimo, observa-se, com as arbitrariedades e ilegalidades do judiciário – tendo à frente a “Operação Lava Jato” e a condenação sem provas de Lula – a deliberada extensão e aprofundamento de um Estado de exceção que sempre imperou para a grande maioria do povo no meio rural e nas periferias urbanas. O aumento da violência contra povos indígenas, comunidades tradicionais, trabalhadores rurais, a juventude negra, a população LGBT e as mulheres expõe de modo dramático a situação alarmante em que se encontra o Brasil quando se trata do direito elementar à vida. Além disso, quem luta contra este estado de coisas vem se tornando, cada vez mais, alvo preferencial da barbárie: atualmente, o Brasil é o país onde mais ocorrem assassinatos de defensores e defensoras de direitos humanos nas Américas, que é considerada a região mais perigosa para estes ativistas em todo o mundo.
Abrigada por esse ambiente que cultiva o terrorismo de Estado encontra-se a execução de Marielle Franco, mulher negra e periférica, ativista dos direitos humanos e vereadora do Rio de Janeiro, no último dia 14 de março, com cada vez mais indícios de envolvimento de agentes policiais militares conforme avançam as investigações.
Neste dia 24 de março, a Central Única dos Trabalhadores (CUT-Brasil) vem a público exigir o direito à verdade, à memória, à justiça e à reparação, reiterar seus esforços na luta ao lado das entidades e organizações parceiras para este fim e reafirmar seu compromisso com a luta em defesa da soberania nacional, das liberdades democráticas e dos direitos humanos em toda a sua extensão.
Executiva da CUT