Escrito por: André Accarini
CUT se soma a entidades representativas de pessoas trans na luta contra o preonceito, a violência e por inserção na sociedade e no mercado de trabalho
No dia 29 de janeiro é celebrado o dia da visibilidade trans. A data teve origem em 2004 quando representantes desse segmento levantaram suas vozes, pautas e demandas no Congresso Nacional. Falaram sobre a realidade da população trans no Brasil e reivindicaram direitos. Contudo, apesar das lutas das pessoas trans terem se intensificado e avançado durante os governos progressistas, o quadro em relação ao respeito na sociedade, à inserção no mercado de trabalho e, em especial à violência sofrida por essa população ainda é grave. O direito fundamental à vida é sistematicamente violado.
Desde sua fundação, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se soma às organizações parceiras para defender trabalhadores e hoje lembrar o Dia Nacional da Visibilidade Trans, e lutar pelos direitos à vida, à educação e ao trabalho decente para travestis e transexuais.
Contexto
Dados recentes levantados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), com base em pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), retratam uma realidade cruel para essas pessoas. Destacam-se os fatores abaixo:
Expectativa de vida é de 35 anos apenas, menor do que metade da média do restante da população;
Ocupação profissional e renda são caracterizadas por uma imensa maioria (90%), de mulheres trans e travestis trabalhando com prostituição como única fonte de sobrevivência;
Formação insipiente, já que 72% das pessoas trans não possuem ensino médio completo.
Ação
“Não é somente sobreviver. É preciso garantir o direito à uma vida digna, livre do preconceito, com trabalho decente”, diz o secretário nacional LGBTQIA+ da CUT, Walmir Siqueira, o professor Wal.
Ele explica que as consequências da transfobia causam cicatrizes severas nas pessoas. “O preconceito faz com que famílias rejeitem pessoas trans, faz com que essas pessoas sofram violências nos ambientes sociais e na escola e, principalmente, exclui a maior parte das pessoas trans do mercado de trabalho”.
Sem acolhimento, assistência, amor e respeito, o resultado, ele diz, é a pessoa trans ficar à margem da sociedade e, na maior parte das vezes, tendo que se submeter à prostituição para poder sobreviver.
“Nesse estado de vulnerabilidade, é maior a propensão e exposição à violência”, diz Wal, reforçando que, para além desses fatores há ainda o agravante em relação à saúde dessas pessoas.
“O Sistema Único de Saúde (SUS), tem políticas afirmativas de cuidados com essa população, mas é preciso acesso integral à saúde, bem como melhor preparação dos profissionais no atendimento a essa população”, pontua o dirigente.
Mercado de Trabalho – projeto Pride
Pesquisa realizada pela ONG Transvida, publicada em 31 de dezembro de 2022, mostra que apenas 15% das pessoas trans entrevistadas relataram ter um trabalho formal, com carteira assinada. Outros 15,6% tinham trabalho autônomo formal e 27% eram informais.
No entanto, a subnotificação e falta de dados absolutos remetem a um contingente maior, como o apontado pelo IBGE e pela Antra, de cerca de 90% dessas pessoas tendo que se submeter à prostituição para ter renda.
Com base nessa realidade, a atuação da CUT, para além da reivindicação e articulação política em esferas nacional, estadual e municipal para compor e apoiar iniciativas e políticas públicas de defesa dessa população, também se dá por meio de projetos como o Pride, de acolhimento e encaminhamento de pessoas trans em situação e vulnerabilidade.
O projeto, que tem parceria da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com expectativa de promover a inclusão e o trabalho decente, inicialmente, para ao menos 300 pessoas. A estratégia adotada foi ampliar o alcance de um outro projeto realizado com sucesso no ABC Paulista, o Cozinha&Voz para todo o país.
A CUT, como parceira, atua por meio de suas entidades no sentido de sindicalizar e auxiliar na formação da população trans.
Cozinha e Voz (C&V)
Embrião do projeto, o C&V atua há quase oito anos com a população LGBTQIA+, mais diretamente com pessoas trans – homens e mulheres – e, sobretudo, com os segmentos mais excluídos, compostos por pessoas negras e com mais de 40 anos.
“São sobreviventes e têm menos chances ainda de ingressar no mercado de trabalho”, disse Thaís Dumêt Faria, Oficial Técnica da OIT em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para América Latina e Caribe, em visita à CUT, em 2021.
“A proposta sempre foi compreender que não se trata apenas de não ter capacitação profissional, mas também uma questão clara de exclusão por preconceito e também falta de crença das pessoas trans de que podem fazer parte do mercado de trabalho. Infelizmente as pessoas trans são tão excluídas que acabam achando que não têm o direito de entrar, fazer parte do mercado de trabalho formal e nem chegam na porta das empresas”, ela diz.
Marchas
No último fim de semana foram realizadas marchas e atividades em várias cidades do país, em alusão ao Dia da Visibilidade Trans. Destacam-se entre elas a marcha realizada em Brasília e em São Paulo, com participação da CUT.
'Marsha' Trans em Brasília / reprodução
'Pelo Direito de Sobreviver, Existir e Resistir' / Paulo Pinto (Agência Brasil)
Violência: o Brasil no topo de uma lista vergonhosa
Dados do Grupo Gay da Bahia apontaram que, em 2023, o Brasil se manteve na liderança de países que mais matam LGBTQIA+ em geral. É também o país mais transfóbico do mundo. De acordo com o GGB, em 2023 foram 257 assassinatos. Desse total, 127 foram pessoas trans (travestis e transgêneros), 118 homens gays, nove lésbicas e três pessoas bissexuais.
No recorte específico de pessoas trans, um dossiê publicado pela Antra , confirma essa tendência. Desde 2017, quando a entidade passou a fazer levantamentos da violência, foram 1.057 assassinatos de pessoas trans, travestis e pessoas não binárias brasileiras.
Outro dado que chama a atenção é que do total mortes desde 2017, a grande maioria (78,7%) das vítimas eram negras. Outros 2,1% eram pessoas brancas e 0,2%, indígenas
Não são apenas números
De acordo com levantamento, em 2023 houve um aumento de 10% nos casos de mortes de pessoas trans no Brasil. Do total de 155 mortes, 145 foram assassinatos em 2023. Em 2022, haviam sido 131. O ano mais violento aferido pela entidade foi 2017, quando a pesquisa começou a ser realizada. Foram 179 casos naquele ano. A mais jovem trans assassinada em 2023 tinha apenas 13 anos de idade.
Os outros dez casos de mortes em 2023 se referem a suicídios.
O dossiê da Antra traz ainda como citações para ilustrar o ambiente de transfobia vivido no país, exemplos de ‘pessoas públicas’, como parlamentares que discursam o ódio no plenário do Congresso, ou que vão a público em suas redes sociais para alimentá-lo. Há ainda essa forma de violência expondo pessoas e classificando-as de forma pejorativa, caso de um parlamentar que acusou uma menina trans de 16 anos de ser “um potencial estuprador”, apenas por usar o banheiro feminino.
Paralelamente, parlamentares trans enfrentam diariamente ataques no exercício de seus mandatos, sofrendo, conforme cita o dossiê, ameaças de morte a si e às suas famílias.
Entre as ações governamentais destacadas pelo movimento, estão a recriação do Conselho Nacional pelos Direitos da População LGBTQIA+; a iniciativa do Ministério da Saúde em criar um Grupo de Trabalho para atuar na política de saúde das pessoas trans; a participação de pessoas trans em conselho municipais, estaduais e federais e a criação da estratégia nacional de enfrentamento à violência LGBQIA+, entre outras.
“O Brasil precisa sair dessa estatística de violência. Não podemos achar que é normal assassinar as pessoas trans. São pessoas que morrem apenas por serem LGBTQIA+. Ninguém morreu apenas por ser heterossexual”, disse o Wal, em entrevista ao portal da CUT sobre a violência contra a população trans.