500 dias da farsa da prisão de Lula. 500 dias de resistência e esperança
De retrocesso em retrocesso, o povo acordará da farsa eleitoral. De resistência em resistência, a ideia de justiça e liberdade vencerá a farsa judicial
Publicado: 20 Agosto, 2019 - 17h55 | Última modificação: 20 Agosto, 2019 - 18h12
Escrito por: Editorial RBA
RICARDO STUCKERT E PAULO PINTO
Pelas “convicções” do procurador Deltan Dallganol e pelos “fatos indeterminados” expressos da sentença do ex-juiz de primeira instância Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra preso numa cela da Polícia Federal em Curitiba há 500 dias.
Nesse período, além de dramas pessoais, como a perda de um neto e um irmão, Lula viu seu nome ser excluído da eleição de 2018 e de um certeiro terceiro mandato presidencial. Foi esse o principal objetivo de sua prisão sem fato determinado. Acompanhou a ascensão da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) e sua vitória sem debate, baseada em notícias falsas e numa campanha movida a dinheiro empresarial ilegal, financiando a produção e veiculação de mentiras, sobretudo por meio de disparos em massa também ilegais pelo aplicativo WhatsApp.
Aprisionado, Lula vê um governo submisso e sem projeto de nação renunciar à soberania popular e nacional. O desemprego se agravou. Assim como o subemprego, o trabalho precário, a informalidade e o desalento. A pobreza volta com a força do final do século passado. O país também vai retornando ao século passado, mas ao seu começo, no que diz respeito às relações de trabalho.
Incapaz de pensar uma proposta de melhorar as condições da economia e de retomada da criação de empregos, o governo Bolsonaro planeja piorar ainda mais as condições de trabalho, eliminando direitos e conquista que custaram décadas de lutas.
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A negação da ciência e a destruição do meio ambiente também caminham de modo acelerado. Assim como acelerados são os ataques contra a universidade pública e à educação em geral. Às comunidades indígenas e quilombolas. Às mulheres, negros e população LGBT. As manifestações de ódio e preconceito, presentes nos discursos, piadas e intervenções do presidente da República nas redes sociais, também se proliferam na sociedade, como destacam em artigo coletivo a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, o presidente do Psol, Juliano Medeiros, a presidenta do PCdoB, Luciana Santos, o líder do MST, João Paulo Rodrigues e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – publicado hoje(20) no jornal Folha de S.Paulo.
Não podem fazer o que estão fazendo
”Eu tô há um ano e meio aqui. Tenho filhos, tenho netos… tenho muitos amigos aí fora. Já falei outro dia que eu tô apaixonado. Eu quero casar outra vez! Vou completar 74 anos em outubro, sabe… Agora, essa gente não pode fazer com o Brasil o que estão fazendo. Porque o Lula tá aqui, mas tem milhões aí fora passando fome, desempregados. ‘Ah! Mas nós devolvemos dois bilhões para Petrobras, devolvemos três bilhões…’ Eu quero saber quantos bilhões vocês tiraram da boca do povo brasileiro que perdeu o emprego? Na indústria naval, na indústria da construção civil… É isso que tem que explicar pra sociedade”, disse recentemente o ex-presidente, durante entrevista ao jornalista Bob Fernandes.
A atuação orquestrada e ilegal entre o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador e chefe de força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, fica cada vez mais evidente a cada capítulo da Vaza Jato revelado pelo The Intercept Brasil em parceria com outros veículos da imprensa comercial.
As revelações até o momento não sensibilizaram o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão independente encarregado de fiscalizar a conduta de procuradores, nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por investigar e punir crimes de juízo como os de Sergio Moro.
A cada revelação, aumentam as responsabilidades de CNMP, CNJ, além do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Ou essas instituições colocam os operadores da Lava Jato em seu devido lugar, e reconstroem o Estado democrático de direito, ou serão coniventes com o fim de uma era republicana que mal se consolidou. E cúmplices da institucionalização do fascismo.
Reconhecimento e resistência
Por que depois do primeiro golpe, o de 2016 – com mídia, Lava Jato, PSDB, Cunha, Temer, com STF com tudo –, seguida da farsa eleitoral de 2018, os golpistas “aceleram” o quanto podem? Por que mal celebram uma onda de destruição e retrocessos e já se apressam com uma reforma da previdência agora e, mais adiante, com uma “reforma” (mais uma reforma com aspas) tributária que não reduzirá o imposto do pobre nem aumentará o do rico? Por que tanta sanha em privatizar as empresas públicas, a energia, a água, a edução – como se não houvesse amanhã?
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A resposta é porque Lula, como ele mesmo disse reiteradas vezes, representa um outro projeto de país. Em torno desse projeto se reúnem vários partidos que sonham formar uma frente ampla; vários movimentos sociais, de quem trabalha, de quem estuda, de quem pesquisa, de quem planta e colhe, de quem constrói e mora; e uma rede incontável e anônima de cidadãos comuns, que mesmo mal informados pela mídia comercial e pelas redes de fake news, mantêm ligadas a empatia, o senso de coletividade e a esperança de que o pesadelo passará.
Se da prisão Lula vê o Brasil retroceder a passos largos, também a partir de pouco metros de sua cela tem tido a oportunidade de vivenciar o carinho que o povo brasileiro tem por ele. O que dizer da Vigília Lula Livre, que há 500 dias, sob pressão, sol, chuva ou frio, não arreda o pé da frente da sede da Polícia Federal?
Ou das mais de 30 mil cartas recebidas por Lula desde que foi preso? Cartas de todas as regiões do Brasil, depoimentos que revelam carinho e gratidão pelas vidas transformadas para melhor durante os governos do ex-presidente.
Uma ideia
Mensagens como a de uma brasileira de Pé de Serra, na Bahia: “Obrigada por matar a fome de muitas pessoas da minha cidade, obrigada por trazer luz para a roça da minha vó e de tantas outras vós, obrigada por tornar possível o sonho da universidade de meus amigos e ex-alunos, obrigada por lembrar que convivemos com a seca e precisamos de reservatórios… Se eu fosse te agradecer por tudo, com certeza não caberia em uma carta. Eu te agradeço principalmente por ver os invisíveis, cada Luiz Inácio aqui do Nordeste.”
“Presidente, você não é apenas um homem ou mesmo uma ideia… Você agora é um IDEAL! É um patrimônio da História do Brasil. Curitiba não lhe cabe.”
Ou de um brasileiro de Manaus: “Eu nunca tive carne na mesa do almoço, nem podia viajar de avião para o Rio de Janeiro (era maluco pra conhecer a Gávea, estádio do meu Mengão), nem comprar uma chuteira (sou lateral esquerdo, meu ídolo é o Sócrates), muito menos conseguia entrar na faculdade. Mas graças a seu governo, eu entrei na universidade pública, me formei em medicina, almoço todo dia um bom bife, conheci o Rio de Janeiro, comprei uma chuteira da Nike.”
Ou ainda a carta de uma brasileira de Aracati, no Ceará: “Sou nordestina, filha de analfabetos, da roça. Sempre fui estudiosa mas não pude cursar uma faculdade, sempre fui trabalhadora mas não pude ter uma casa própria até você se tornar presidente. Hoje sou formada em Letras pela Universidade Federal do Ceará e tenho duas casas próprias. Agradeço ao nordestino, operário, sonhador que transformou este país em uma República (coisa do povo) verdadeiramente. Presidente, você não é apenas um homem ou mesmo uma ideia… Você agora é um IDEAL! É um patrimônio da História do Brasil. Curitiba não lhe cabe.”
No dia 7 de abril de 2018, instantes antes de decidir cumprir a decisão judicial que determinou que fosse levado a Curitiba, cercado por milhares de apoiadores em torno do prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, Lula disse que ele não era mais uma pessoa. “Lula” seria uma ideia, uma vontade incontrolável de soberania e dignidade do povo trabalhador brasileiro. E ideias não se prendem.
Todavia, ninguém pode permanecer preso sob a alegação de “fatos indeterminados”. Depois de 500 dias de prisão, Lula volta a dizer que ainda acredita no Poder Judiciário brasileiro. “Espero que, depois de tudo o que aconteceu, a Suprema Corte faça justiça neste país. Não peço nenhum favor. Que o país volte a ser um Estado de direito e as pessoas acreditem na justiça.”