Escrito por: Jonas Carvalho, Catraca Livre
O racismo está em todo o lugar e o esporte é prova disso.
Há quem diga que um grande exemplo de que o racismo não existe é olhar para o campo esportivo. Entre profissionais de atletismo, lutas e futebol, por exemplo, essas pessoas enumeram nomes de sucesso como Usain Bolt, Muhammad Ali, Pelé e outros como se eles fossem a prova de que negros também estão em posição de destaque.
Entretanto, este olhar "ingênuo" – e cheio de má-fé – é descolado da realidade. E ainda tenta mascarar um fato: o racismo está em todo lugar. Para ficar em dois exemplos: a proporção de pessoas negras de sucesso no esporte não é, nem de perto, igual a de empresários negros. O número de pessoas negras em universidades, na política e em outros espaços de comando, ainda é ínfimo, apesar de pequenos avanços.
E mesmo com a possibilidade de relacionar vários atletas negros que tiveram o seu talento reconhecido, isso não quer dizer que o racismo não tenha atingido essas pessoas. Não raro, elas são grandes exceções que explicam a regra.
Várias dessas personalidades tiveram a questão racial como mais um obstáculo a ultrapassar. Um clássico exemplo é o do pugilista Muhammad Ali, que contou uma situação bem ilustrativa do problema:
Ali foi um dos grandes nomes do esporte que lutou por mais igualdade racial, sempre fazendo questão de exaltar o orgulho de ser negro e de apontar todos os problemas causados pelo racismo.
O Catraca Livre pediu a ajuda de Eliana Alves Cruz, escritora e criadora do site Black Sport Club, para trazer mais atletas, brasileiros e estrangeiros, que são exemplos da luta racial travada dentro e fora do esporte.
Ela destacou seis nomes além de medalhões como Ali, Jesse Owens, Tomie Smith e John Carlos (abaixo), já conhecidos por quem se interessa pelo tema.
Se você não conhece, busque informações e, também, saiba mais sobre estes que mostraremos a seguir:
Ele foi o precursor de um movimento na NFL, a principal liga de futebol americano, que é muito simbólico: ajoelhar-se durante a execução do hino dos Estados Unidos em protesto contra a violência sofrida pela população negra. Outros times e atletas começaram a repetir o gesto, especialmente depois de o presidente Donald Trump se posicionar contra a atitude de Kaepernick.
"Em 2016, os jogadores repetiram o gesto de Colin Kaepernick, então quarterback do San Francisco 49ers, que na pré-temporada do ano passado se recusou a levantar durante o hino em repúdio ao 'tratamento que os negros recebiam nos EUA', inspirando outros atletas da liga", afirma Eliana.
"Primeiro medalhista de ouro para o Brasil nos Jogos Pan-Americanos Rio 2007, já havia chamado a atenção nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, quando conseguiu um excelente e inédito quarto lugar e na semifinal ergueu o punho fechado com a luva negra, remetendo ao gesto dos atletas Panteras Negras dos Jogos de 1968 [na Cidade do México]", diz Eliana.
Para a revista Fórum, Diogo já havia falado sobre raça e sobre a atitude no Pan:
“Sempre fui ligado a grupos de consciência negra e era bem politizado. Pensei que o que eles fizeram foi demonstrar o que sentiam: desprezo. E era isso que sentia naquele momento. Desprezo (...) Logo depois do meu protesto, o ministro do Esporte ligou pra gente conversar (...) Depois ninguém falava mais disso. Se você não foi campeão, não medalhou, ninguém se lembra de você.”
Eliana destaca que o começo da carreira da atleta, no Rio Grande do Sul, foi cheio de preconceito.
Em uma entrevista para o Black Sport Club, Daiane deu sua opinião sobre o racismo e o machismo no esporte e compartilhou a sua própria experiência:
“Acho que o mundo do esporte é difícil para as mulheres em geral e mais difícil ainda para a mulher negra, pois enfrentamos o preconceito explícito e o mascarado. Mesmo depois de adulta, muita gente ainda não falava comigo e sei que o motivo era este".
"Isso te revolta, mas sempre tive em mente que não era eu quem tinha que me envergonhar de nada e sim eles. Hoje faço parte da Comissão da Mulher no Esporte, do Comitê Olímpico Brasileiro, e estamos estudando algumas questões particulares femininas na área médica e social. Não queremos privilégio algum, apenas igualdade de tratamento e atenção com as nossas particularidades”, afirmou.
Ela foi a primeira medalhista de ouro dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e, como afirma Eliana, enfrentou o racismo e o ódio nas redes sociais ao perder uma luta na edição anterior, em Londres 2012. Em depressão, a atleta cogitou abandonar o esporte.
A judoca falou da situação naquele momento ao Globo Esporte ao comentar a sua vitória no Brasil: “Lembrando do sofrimento que passei em Londres, que me criticaram, que eu era uma vergonha para minha família, e hoje eu pude fazer todos os brasileiros com essa medalha aqui dentro da minha casa. O macaco que tinha que estar na jaula em Londres hoje é campeão olímpico dentro de casa e hoje eu não fui uma vergonha para a minha família".
Eliana Cruz cita alguns episódios sofridos pelo goleiro Aranha que mostram o racismo dentro e fora das quatro linhas.
Em 2005, após deixar um amigo no hospital, o jogador foi abordado e agredido por policiais militares em Campinas, que teriam confundido o jogador com um assaltante.
Aranha foi detido e conduzido a um distrito policial, mesmo após se identificar como atleta da Ponte Preta. Ele foi solto após a ação de advogados do clube e fez uma queixa por agressão contra os PMs, que pediram desculpas. O atleta não prosseguiu com a reclamação.
Mas o caso mais emblemático envolvendo o arqueiro foi em 2014, durante a Copa do Brasil. O então goleiro do Santos foi alvo de diversos xingamentos racistas durante uma partida contra o Grêmio.
O Grêmio soltou um comunicado na época dizendo que "atos como esse são fruto de atitudes individuais e isoladas, que em nada representam a grandiosidade e o respeito da torcida gremista". O time foi expulso daquela competição por causa do episódio.
Em um texto no El País Brasil, o colunista Breiller Pires chamou a atenção para o fato de que o clube "jamais se assumiu, de fato, como culpado":
"Muitos torcedores e, sobretudo, dirigentes não conseguem enxergar Aranha como vítima. Para eles, o goleiro provocou o imbróglio que resultou na eliminação do clube de uma competição, quando, na verdade, ele apenas denunciou a prática abominável de injúria racial no estádio – com a qual, por décadas, o Grêmio, assim como a maioria dos clubes do Brasil, foi condescendente".
Em julho deste ano, Aranha voltou ao estádio do Grêmio em uma partida pela Ponte Preta."Quando eu volto aqui, procuro não estar olhando para arquibancada, mas uma hora não dá. A cada vez que eu olho, só vejo ódio na cara das pessoas. Eles têm certeza de que eu sou o errado. É uma tristeza pelo clube que é o Grêmio", declarou.
"Neste ano, ao ter sua casa em Los Angeles pichada por vândalos, LeBron James não se calou", disse Eliana. Na véspera dos jogos finais da NBA, a principal liga norte-americana de basquete, o jogador teve a sua casa pichada com declarações racistas.
"Este caso mostra que o racismo sempre será parte do mundo, parte da América. O ódio na América, especialmente contra afroamericanos, acontece todo dia", declarou o astro do Cleveland Cavaliers.
"Nós temos um longo caminho para percorrer, para nós como sociedade e para nós como afroamericanos, até nos sentirmos iguais", finalizou.
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