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A importância da participação social na gestão do Fundo Amazônia

Este foi o tema de audiência que sindicalistas da CUT, Fetagri-PA e Contag tiveram com representantes da Noruega, no DF. Eles reafirmaram a importância do fundo para os povos locais e para o meio ambiente

Publicado: 03 Outubro, 2019 - 18h20 | Última modificação: 03 Outubro, 2019 - 18h53

Escrito por: Érica Aragão

Divulgação da CUT
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Representantes da CUT e de entidades rurais se reuniram nesta quarta-feira (3) com representantes da embaixada da Noruega, em Brasília, para reafirmar a importância das doações ao Fundo Amazônia para os povos da Região e entender melhor porque o país paralisou o envio de recursos que contribuem para manter em pé a maior floresta tropical do mundo e ajudar no combate às mudanças climáticas.

O motivo da suspensão do envio de mais de R$ 100 milhões foi a quebra do acordo entre países europeus e o governo de Jair Bolsonaro (PSL) sobre a governança do Fundo Amazônia, reafirmaram os noruegueses para os dirigentes da CUT, da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI-PA) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG).

Segundo os representantes da embaixada, a quebra do acordo aconteceu em abril deste ano, quando Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicaram um decreto acabando com os dois comitês de participação social de governança do Fundo Amazônia, fundamentais para a colaboração internacional firmada entre os países.

O governo brasileiro extinguiu via decreto o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA), que é integrado por representantes do governo federal, de governos estaduais e da sociedade civil, e determina as diretrizes e acompanha os resultados obtidos pelo fundo. E o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA), composto por especialistas independentes, que atesta as reduções de emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento.

Além disso, para colocar ainda mais em xeque o acordo, no mês seguinte, Salles anunciou a intenção de usar dinheiro deste fundo para indenizar proprietários rurais que foram desapropriados por estarem localizados dentro das unidades de conservação conforme exigido pelo Código Florestal. A Noruega não aceitou a desconfiguração do programa e anunciou a paralisação dos recursos.

No final da audiência, a vice-presidenta da CUT Nacional, Carmen Foro, que é agricultora familiar do Pará, disse que a conversa com os representantes da embaixada da Noruega sobre a exclusão da sociedade civil do Fundo Amazônia, “por uma determinação criminosa do governo de Bolsonaro”, foi também para afirmar que os movimentos sociais, a CUT, a Contag e a Fetagri “estarão juntos com o governo da Noruega no sentido de resgatar não apenas o Fundo Amazônia, mas a efetiva participação da sociedade civil na gestão do Fundo”.

A presidenta da Fetagri-PA, Ângela Conceição Lopes, disse que todos ficaram sabendo pela imprensa que o governo da Noruega não ia enviar mais recursos para a Amazônia e que os governos da região estavam se articulando em um consórcio e discutindo o Fundo Amazônico, sem se preocupar com a população local e foi isso que reforçou na conversa com os noruegueses.

“A gente não via nenhuma informação nem preocupaçãoemba com os povos locais e com a agricultura familiar e por isso resolvemos procurar a embaixada para ter mais informações e reafirmar a importância deste programa para o país e para todos nós”.

De acordo com Ângela, a audiência com a embaixada foi marcada pela Fetagri e contou com a adesão da CUT nacional, CUT Pará, a Contag e as federações da Região Norte que estão engajadas na luta do movimento que busca articular toda população ribeirinha, extrativista, agricultores familiares e indígenas da região para resistir e lutar em defesa da Amazônia, de seus trabalhos e vidas.

Para reforçar a importância dos recursos do fundo tanto para a proteção do meio ambiente quanto da população local, a secretária de Comunicação da CUT Pará, Vera Paoloni, contou aos noruegueses que a CUT Pará e as populações que vivem na Amazônia vêm denunciando a forma criminosa como o governo Bolsonaro estimula a matança das florestas, rios e toda forma de vida na Amazônia.

Além disso, falou sobre “o acirrado ataque às populações primitivas da Amazônia, o incentivo às queimadas e ao desmatamento desenfreado, exatamente o contrário do que o Fundo Amazônia determina”.

O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, considerou a audiência uma oportunidade para colocar a preocupação sobre os impactos da paralisação do envio de recursos para o meio ambiente, para a vida dos trabalhadores e trabalhadoras da Região e também debater a ampliação de parcerias.

“Queremos ampliar contatos com outros organismos internacionais para elaborar um programa e uma estratégia conjunta com os trabalhadores da Região para enfrentar não só o desmando deste governo, mas também encontrar alternativas de trabalho e sobrevivência para os trabalhadores, as trabalhadoras e toda população regional”, afirmou Lisboa.

A partir do resultado da audiência, “que foi muito esclarecedora”, disse a presidente da Fetagri-PA, Ângela Conceição Lopes, será feito um trabalho para informar o povo da região a causa da paralisação do envio dos recursos e potencializar as mobilizações em defesa do meio ambiente e da vida da população local.

“Muitas populações locais não entendem o porquê o fundo parou e eles precisam saber tudo, inclusive sobre a posição do governo e as medidas que foram tomadas para chegar nesta situação. Depois disso, iremos nos organizar e juntos iremos lutar por nossas vidas e pelo planeta”, finalizou Angela.

Os próximos a serem procurados pelos sindicalistas serão os representantes da Alemanha, que também paralisou o envio dos recursos para o Fundo.

Sobre o Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia foi criado em 2008, no governo Lula, como instrumento nacional para custeio de ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. 

Em 11 anos do programa, o Fundo já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões em doações, sendo que 94% da quantia veio da Noruega, e os recursos totais apoiaram 103 projetos dos governos estaduais e da sociedade civil para proteger a floresta brasileira.

A ideia do Fundo foi proposta pelo governo brasileiro em 2007, durante a 13ª Conferência da ONU sobre as Mudanças no Clima (COP-13).

Posicionamento político dos trabalhadores

Durante a audiência, os representantes dos trabalhadores entregaram uma carta das organizações e povos que vivem e lutam na Amazônia para os noruegueses com o título “Por trás da cortina de fumaça na Amazônia, o povo em luta resiste”.

No documento, os sindicalistas explicam o que tem acontecido na Região e denunciam que, em nome de um dito “desenvolvimento”, a ganância de grandes empreendimentos ameaça os territórios comunitários com a expansão da fronteira agropecuária e de grandes projetos de infraestrutura como portos, ferrovias, calagem de rios para dar condições de transitar grandes embarcações, ação de grandes mineradoras, dentre outras.

 “Fica evidente a ausência de vontade política em ações na Amazônia que sejam, de fato, sustentáveis economicamente, socialmente e ambientalmente”, diz trecho da carta.

O documento também cita o fim do Programa Terra Legal, a ausência de documentação que impede o acesso dos agricultores a diversas outras políticas que possam garantir aumento de renda, produção e o acesso à tecnologia. Além de convocar o povo brasileiro e a comunidade internacional a se somarem as mulheres e homens que lá resistem.

“Conclamamos ao povo brasileiro e também a comunidade internacional que se solidarizem com a atual situação vivida na Amazônia para que possamos juntos fortalecer um levante popular na Amazônia, capaz de garantir a efetivação de um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável e solidário. Que possa estar fundado em bases estruturantes como a terra, água, e agroecologia, bem como na defesa do bem viver e respeito as populações amazônicas e que, acima de tudo, considere a autonomia e soberania dos povos que aqui vivem”, conclui a carta.

Leia a carta completa

Por trás da cortina de fumaça na Amazônia, o povo em luta resiste!

Carta das organizações que vivem e lutam na Amazônia!

 

Nós dirigentes sindicais, representantes dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares, organizados por meio dos 369 Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e 07 federações da região Norte, filiados ao Sistema Confederativo CONTAG e à CUT, vimos a público denunciar o que realmente tem causado as grandes queimadas na Amazônia e os impactos gerados na vida das populações que aqui vivem.

A Amazônia têm vivido um processo de ocupação desenfreada ao longo dos anos, impulsionada pela ganância de grandes empreendimentos que, em nome de um dito “desenvolvimento”, ameaça os territórios comunitários face à flexibilização das ações de comando-controle, pressão sob áreas protegidas, expansão da fronteira agropecuária e de grandes projetos de infraestrutura como portos, ferrovias, calagem de rios para dar condições de transitar grandes embarcações, ação de grandes mineradoras, dentre outras. Estas sim são as verdadeiras causas da cortina de fumaça que cobre a Amazônia, resultando em um aumento considerável do desmatamento na região.

Nós, agricultores e agricultoras familiares, cuja face amazônida é representada por camponeses, extratitivistas, pescadores, indígenas e quilombolas, temos ao longo dos anos buscado estabelecer uma relação de convivência entre a necessidade de produzir e garantir geração de renda e vida digna a quem vive neste tão cobiçado bioma, e a necessidade de respeito e preservação das riquezas naturais, como um bem nosso e patrimônio das futuras gerações. No entanto, historicamente, as vozes dos povos que ecoam da Amazônia, têm dificuldade de ser ouvidas, ganhando força o apoio apenas a projetos que contribuem na pressão sobre as áreas preservadas como unidades de conservação, terras indígenas, destruindo o direito soberano de nossos povos de efetivamente decidirem sob o desenvolvimento em seus territórios, arcando apenas com o ônus que tem sido deixado, com a expulsão das populações de suas terras.

Temos acompanhando com crescente preocupação a forma como o Fundo Amazônia vem sendo tratado junto ao Ministério de Meio Ambiente. Sem uma política clara de reforço e ampliação das ações exitosas e impactos positivos dos projetos apoiados pelo fundo, aliada a questionamentos recorrentes sobre a eficiência e seriedade no uso dos recursos destinados aos projetos financiados pelo Fundo Amazônia, fica evidente a ausência de vontade política em ações na Amazônia que sejam, de fato, sustentáveis econômica, social e ambientalmente. Defendemos a continuidade do Fundo Amazônia, uma vez que seus recursos são essenciais para o combate ao desmatamento e à conservação ambiental na Amazônia, incidem no combate a práticas ilegais de exploração dos recursos naturais e, fundamentalmente, colabora para a garantia de um desenvolvimento sustentável para a Amazônia e suas populações.

Por trás da cortina de fumaça é possível visualizar a desgovernança causada pela fragilidade da regularização fundiária na Amazônia. Voltamos à estaca zero com o fim do Programa Terra Legal, cujo esforço vinha sendo de reconhecer a ocupação, em especial de agricultores e agricultoras familiares, que há vários anos vivem em áreas que, em sua grande maioria, são terras públicas da união, passíveis de regularização por programas de reforma agrária. A ausência de documentação impede o acesso dos agricultores a diversas outras políticas que possam garantir aumento de renda e produção, como acesso a tecnologias, o que poderia contribuir para diminuir a pressão sob novas áreas.

A expansão do agronegócio que atenda a demanda de grandes comodities, além de contribuírem para o desmatamento de grandes áreas, tem arrendado terras para ampliação do processo produtivo demandado pelo mercado mundial, levando a um grande desalojamento das comunidades locais, a partir da impossibilidade de convivência, em seus territórios, com a pulverização aérea, além do crescente e indiscriminado uso de agrotóxicos, deixando um rastro visível de contaminação no ar que respiramos, em nossas águas, na destruição de nossa biodiversidade e, mais seriamente, na saúde dos que aqui vivem. Nos assusta imaginar que futuro nos reserva os impactos gerados pela liberação de mais de 290 novos tipos de agrotóxicos,  apenas no primeiro semestre no Brasil? Que desenvolvimento é este que está sendo impulsionado? A quem interessa? As conseqüências são apenas na vida das populações que vivem no meio rural? Ou a todos que dependem dos alimentos aqui produzidos?

Por trás desta cortina de fumaça, fica ainda a marca do sangue dos que têm perdido suas vidas em defesa de seus territórios. Segundo dados do Caderno de conflitos no campo, publicado pela Comissão pastoral da Terra, só em 2018 foram registrados 1.489 conflitos, envolvendo mais de 1 milhão de pessoas, dado que registra um aumento de 36% em relação a 2017, sendo que 86% dos assassinatos por conflitos no campo, ocorreram na Amazônia. Tememos ainda pelos resultados que podem trazer o cumprimento das inúmeras decisões de ordens de despejo que vêm sendo decretadas, em terras públicas da união, que estão sendo desobstruídas, desocupadas, em detrimento do interesse de alguns, e em contraponto do desalojamento de inúmeras famílias.

Nós organizações de luta da Amazônia, queremos também nos solidarizar com o difícil momento enfrentado pelos imigrantes venezuelanos e nos somarmos à tarefa de acolhida a todos. Além disso, manifestar nossa indignação contra processos de exploração, ora crescentes, onde pessoas sem nenhum senso de humanidade, tem se aproveitado da situação para ampliar o processo de precarização do trabalho a que tem sido submetido estas famílias.

Conclamamos ao povo brasileiro e também a comunidade internacional que se solidarizem com a atual situação vivida na Amazônia a se somarem as mulheres e homens, que através das diversas lutas, como a marcha das margaridas, os gritos da terra, os chamados da floresta e tantas outras manifestações, a exemplo da mobilização ora realizada pelo Sínodo da Amazônia, fortalecendo as vozes dos que aqui resistem, para que possamos juntos fortalecer um “levante popular na Amazônia”, capaz de garantir a efetivação de um projeto de alternativo desenvolvimento rural sustentável e solidário, que possa estar fundado em bases estruturantes como a terra, água, e agroecologia, bem como na defesa do bem viver e respeito as populações amazônidas e que, acima de tudo, considere a autonomia e soberania dos povos que aqui vivem.

Assinam:
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado do Amapá- FETAGRAP  
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Amazonas-FETAGRI-AM
Federação dos Trabalhadores na Agricultura  do estado do Acre- FETACRE
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado do Pará- FETAGRI-PA  
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de Roraima-FETRAFER
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de Rondonia -FETAGRO
Federação dos Trabalhadores na Agricultura  do Estado de Tocantins- FETAET 
CNS-Conselho Nacional das populações extrativistas
FASE
Rede Agroecologica do Maranhao
Comite Chico Mendes
APA-TO- Articulação Tocantinense de Agroecologia
Associação Agroecologica Tijupá
ANA Amazônia- Articulação Nacional De agroecologia da Amazonia
Associação Comunitária de educação em saude e agricultura- ACESA
Coordenação Estadual das comunidades quilombolas do Tocantins -COEQTO
Instituto Padre Ezequiel Ramim