A Justiça tenta substituir a vontade do eleitor, diz cientista político
Esta será a disputa mais judicializada da história, prevê Leonardo Avritzer, coordenador do Observatório das Eleições
Publicado: 28 Agosto, 2018 - 15h30
Escrito por: Sergio Lirio, Carta Capital
O ativismo judicial nunca foi tão decisivo em uma eleição como agora, afirma o cientista político Leonardo Avritzer, coordenador do Observatório das Eleições, projeto que reúne acadêmicos da UFMG, Unicamp e UnB.
“Esta será a disputa mais judicializada da história, muito mais do que em 2014”, avalia. “Parte do Poder Judiciário parece disposta a substituir a soberania do eleitor”.
As tentativas de interferência no processo têm se multiplicado desde o início oficial das campanhas – e não se trata aqui apenas da candidatura sub judice de Lula.
Na segunda-feira 28, o Ministério Público eleitoral denunciou Fernando Haddad, candidato a vice-presidente na chapa do ex-presidente, por suposto enriquecimento ilícito e improbidade administrativa.
Haddad, denuncia o MP, teria recebido de forma ilegal sobras de caixa 2 de sua campanha à prefeitura em 2012. O dinheiro teria sido repassada pela construtora UTC, envolvida nos escândalos da Petrobras.
“A denúncia é tão falsa, irresponsável e facciosa quanto as que foram apresentadas por outros integrantes do MPSP contra o presidente Lula – e que mesmo provocando uma onda de publicidade negativa acabaram rejeitadas pela Justiça”, rebate o PT em nota.
Desde que Haddad se fortaleceu como o “plano B” do partido caso Lula venha de fato, como tudo indica, a ser impedido de disputar as eleições, pipocam denúncias contra ele. Há poucos dias, o ex-prefeito tornou-se réu em um processo que investiga irregularidades na construção de cerca de 14 quilômetros de ciclovias em São Paulo.
O petista foi ainda alvejado, no início do mês, pela reapresentação ao público de trechos da delação premiada de Mônica Moura, mulher de João Santana, ex-marqueteiro do PT. Moura, segundo o noticiário, teria detalhado os meandros da captação de 20 milhões de reais em caixa 2 para a campanha de Haddad à prefeitura de São Paulo.
No Rio de Janeiro, o Ministério Público pediu a impugnação da candidatura do também petista Lindbergh Farias, que tenta a reeleição ao Senado e lidera as pesquisas no estado, ao lado de César Maia, do DEM, e Flávio Bolsonaro, do PSL.
As contas da prefeitura de Nova Iguaçu, que Farias administrou por um mandato e meio, entre 2005 e 2010, foram rejeitadas pelos órgãos de fiscalização, fato, acreditam os procuradores, suficiente para barrar a participação do senador na disputa.
"É impressionante a perseguição a todo mundo do PT. Ontem, no prazo final, o Ministério Público Eleitoral pediu a impugnação do registro da minha candidatura ao Senado. Agora me impressiona a fragilidade, gente. A pessoa deveria responder por isso”, retrucou o parlamentar em sua conta no Twitter.
Embora nomes do PT se destaquem na lista, a legenda não é a única na mira. O MP fluminense solicitou ainda a impugnação da candidatura ao governo do estado de Anthony Garotinho, do PRP.
Na visão dos procuradores, uma condenação no Tribunal de Justiça por improbidade administrativa e lesão ao patrimônio público impede Garotinho de concorrer.
O ex-governador tem o direito de recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral, ao TSE e ao Superior Tribunal de Justiça. É pouco provável que alguma decisão a respeito seja tomada ainda neste ano, mas certamente o pedido do Ministério Público será explorado pelos adversários durante a campanha.
Garotinho, aponta o Ibope, tem 12% das intenções de voto, ao lado de Eduardo Paes, do DEM, e dois pontos percentuais abaixo de Romário, do Podemos.
Em São Paulo, o tucano João Doria teve seus direitos políticos suspensos por quatro anos, acusado de uso indevido do programa “Cidade Linda”. A condenação em primeira instância, em meio à campanha, não impede Doria de permanecer na disputa pelo governo paulista. No máximo, mancha a sua autoimagem de “cidadão do bem”. O ex-prefeito paulistano lidera a corrida estadual ou empata em primeiro lugar com Paulo Skaf, do MDB, a depender da pesquisa.
Doria e Haddad têm, aliás, um ponto em comum: foram alvos do mesmo procurador, o ecumênico Wilson Tafner.
Líder inconteste das pesquisas no Maranhão, com grandes chances de ser reeleito no primeiro turno, Flávio Dino, do PCdoB, também terá de se defender em plena campanha.
Anelise Reginato, magistrada de Coroatá, determinou a inelegibilidade por oito anos do governador maranhense por suposto abuso de poder econômico nas eleições municipais de 2016. A juíza mantém relações próximas com a família Sarney, que tenta voltar ao poder e tem poucas possibilidades de atingir o objetivo por meio do voto popular.
O ativismo nos estados é coroado pela intervenção dos tribunais superiores na corrida presidencial. Não bastasse o atropelo das normas para impedir a candidatura de Lula, preferida por quase 40% do eleitorado, o segundo colocado, Jair Bolsonaro, do PSL, corre o risco de novamente virar réu nesta terça-feira 28.
O Supremo Tribunal Federal decidirá se aceita a denúncia por racismo contra o presidenciável. Em um evento no clube Hebraica do Rio de Janeiro, Bolsonaro tratou quilombolas como gado: “Eu fui em um quilombola (sic) em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de 1 bilhão de reais por ano gasto com eles”.
Caso acate a denúncia, o STF será obrigado a dirimir uma dúvida. Em 2016, a corte determinou que réus na linha sucessória do presidente não poderiam ocupar o posto em caso de vacância, mesmo se temporária. O julgamento à época não tratou, porém, da hipótese de candidatos à presidência da República que respondem a processo assumirem o cargo.
Bolsonaro é réu em outro processo, por incitação ao crime de estupro, cometido contra a deputada Maria do Rosário, do PT. Uma ação que questiona no TSE a sua candidatura baseia-se justamente na decisão de 2016 do Supremo.
Neste ritmo, analisa Avritzer, o eleitor será obrigado a escolher não o candidato de sua preferência, mas quem sobrar no páreo. Pior para a democracia, ressalta.
“No momento, quase 30% dos eleitores ameaçam votar em branco ou nulo”, lembra o cientista político. “Se a Justiça extrapolar, esse índice certamente vai aumentar. O risco é o Brasil eleger um presidente fraco, além de governadores sem legitimidade. Não é assim que iremos superar a crise política e econômica”.