A manipulação de Bolsonaro para desmontar os serviços públicos no Brasil
Governo transforma servidores em vilões para justificar a privatização dos serviços. População só vai perceber manipulação quando não puder pagar pelos serviços privados, alerta dirigente
Publicado: 29 Outubro, 2019 - 16h00 | Última modificação: 29 Outubro, 2019 - 20h17
Escrito por: Marize Muniz
A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (PSL), liderada pelo banqueiro Paulo Guedes, iniciou há dez meses uma cruzada contra os servidores públicos federais. Usando como justificativa a crise econômica, eles dizem que precisam cortar gastos e para isso apresentam propostas como a da Reforma Administrativa do Serviço Público, que contempla o fim da estabilidade para novos concursados e novas regras de estágio probatório dos servidores.
A tática do governo é induzir a sociedade a acreditar que o problema da piora na qualidade dos serviços públicos prestados no país é da categoria profissional, e não a falta de investimentos, congelados por 20 anos desde a aprovação da PEC dos Gastos, os equipamentos velhos e danificados e a falta de condições de trabalho, analisa o Coordenador-Geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Estado de Pernambuco - Sindsep-PE, José Carlos Oliveira.
Para ele, o governo manipula a opinião pública apontando o dedo para o servidor ao mesmo tempo em que apresenta propostas de corte de gastos como a reforma administrativa. A solução mágica começa com o desmonte serviço público, o que facilita o processo de privatização, tirando a responsabilidade do estado, ou seja, eliminando as necessidades básicas do povo definitivamente do Orçamento da União.
Na lógica manipulada pelo governo a saída não é investir, é reduzir os custos da administração de pessoal e preparar o processo de privatização inclusive de áreas essenciais como saúde, educação e saneamento básico, entre outras áreas fundamentais para a melhora da qualidade de vida da população, afirma José Carlos, que aponta a contradição dos argumentos: “O governo tem instrumento de alta qualidade quando se trata da máquina de arrecadação de impostos, mas quando se trata da máquina que presta serviços, a tecnologia é das piores possíveis”.
Ele conta um caso recente que ocorreu no extinto Ministério do Trabalho em Pernambuco que reforça sua argumentação sobre a tática usada pelo governo para tornar o serviço menos eficiente e convencer a população de que é melhor mesmo privatizar tudo.
Segundo ele, o órgão ficou 15 dias sem internet e os trabalhadores e trabalhadoras que precisavam, por exemplo, dar entrada no Seguro-Desemprego ficavam horas esperando ser atendidos e quando chegava a vez, o servidor dizia que o sistema havia caído. “A pessoa está lá para receber Seguro-Desemprego, espera por horas em uma cadeira dura, e quando vai ser atendido o servidor diz para ele que não tem sistema, que o sistema caiu, está inoperante. Essa pessoa se revolta, não entende que o problema está na falta investimento. Só sabe que o serviço é ruim. Então, é melhor privatizar mesmo”.
O dirigente do Sindsep-PE diz que o governo manipula as informações e dados ao optar por cortar gastos porque é incompetente e não tem projeto para o país nem para os trabalhadores e trabalhadoras do setor público. A solução que apresenta é sempre a mesma, diminuir o estado que passaria a servir a apenas um pequeno percentual mais privilegiado da população brasileira e não a toda a classe trabalhadora.
“Eles partem do pressuposto que o estado não pode bancar nem executar políticas sociais públicas, uma visão exacerbada do ultraneoliberalismo que prega o estado mínimo, onde a sociedade não cabe no Orçamento da União e o estado, por sua vez, tem de servir a uma pequena parcela da população. O restante tem de recorrer a serviços prestados pela iniciativa privada”.
José Carlos afirma que o servidor é um empregado público, que trabalha para melhorar a condição de vida da população, ressaltando que o povo é o verdadeiro patrão da categoria, diferentemente da iniciativa privada em que o patrão só interessa por lucros e dividendos.
“A prioridade do governo não é melhorar a qualidade de vida da população, nem tampouco a dos serviços públicos prestados às pessoas. Por isso, é preciso encontrar o culpado. Aí começa a avaliação da qualidade do serviço público, muito questionado e até incompreendido pela sociedade brasileira que, às vezes, não percebe que não existem trabalhadores em número suficiente para atender a demanda de um país com dimensões continentais como é o caso do Brasil.
É disso que se trata essa perseguição desenfreada sobre os servidores públicos do Brasil”, diz lembrando que nesta quarta-feira (30), será realizado, em Brasília, o Ato em Defesa da Soberania, Direitos e Empregos, que tem também o objetivo de dialogar com a população sobre o que, de fato, está em jogo.
A equipe econômica está jogando a sociedade contra os servidores e servidoras para conseguir apoio para diminuir verbas, reduzir o número de trabalhadores, desmontar o serviço público para facilitar a privatização a preço de banana de serviços como abastecimento de água, luz, saneamento básico, educação e saúde além da joia da coroa, a Petrobras, que seria entregue a multinacionais interessadas em explorar e comercializar o petróleo brasileiro.
Engana-se quem acredita que o objetivo das reformas é aprimorar a avaliação do desempenho e critérios de promoção, prossegue José Carlos. Segundo ele, o que o governo quer mesmo é tornar mais lenta a progressão salarial, reduzir as carreiras do funcionalismo público a menos de dez, com a possibilidade de atuação transversal nos diferentes ministérios e departamentos federais. Ou seja, o servidor ou servidora poderia prestar serviço em qualquer ministério, independentemente da área de atuação.
Sobre o fim da estabilidade novos servidores e novas regras para estado probatório, José Carlos avalia que essas são formas do governo desestimular o ingresso do trabalhador no serviço público.
Ainda sobre a estabilidade, ele diz que a regra garante que o servidor e a servidora pública sigam o que diz legislação em vigor, serve para não se curvarem a nenhum chefe ou a nenhum propósito governamental, que podem ser até espúrios, sem risco de serem demitidos.
Primeiro, diz ele, o governo vai na linha de fazer uma isonomia por baixo. “É uma falácia dizer que o salário do servidor público é exorbitante. Existe um pequeno grupo de servidores que teve remuneração muito mais valorizada do que a imensa maioria que não ficou nas carreiras típicas de estado”, explica o dirigente.
Além disso, acrescenta que a autonomia dos poderes gera também uma discrepância de remuneração entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, sem falar na procuradoria e Ministério Público, que também têm altos salários. “Mas os trabalhadores que prestam serviços e estão na linha de frente na execução das políticas públicas e sociais estão sem aumento real desde 2015 – as perdas salariais são da ordem de 24%”, diz o Coordenador-Geral do Sindsep-PE.
“Então, tudo isso aí é uma orquestra que toca de acordo com a batuta desse péssimo maestro, que é Paulo Guedes, que tenta justificar a sua inoperância e jogar a sociedade mais uma vez contra o serviço público e contra os trabalhadores do setor público”.
Privado x público
A sociedade brasileira precisa entender a diferença entre o que é publico e o que é privado, alerta José Carlos.
“Existe uma diferença brutal e gritante na origem dos conceitos do que é público e do que é privado. Para começar, é claro que os detentores do capital não vão prestar serviço à população sem colocar a frente dos seus objetivos de lucro. Em contraposição, o interesse do serviço público é única e exclusivamente gerar bem-estar para toda a comunidade brasileira. O povo precisa entender isso antes de apoiar a privatização porque não foi bem atendido.”
Achar que o serviço privado vai resolver a questão e por isso pode privatizar é um equivoco. As pessoas vão sentir falta do serviço público quando, por exemplo, não puderem pagar pelo privado que, em geral é caro e, atentem bem, não tem qualidade melhor como muitos imaginam. Se tivesse não teríamos uma onda de reestatização de serviço público no mundo.
O dirigente chamou a atenção para o fato de que o serviço público é cada vez mais discutido de uma forma atravessada e os próprios servidores e seus representantes sindicais têm parte da culpa por isso por não dialogar com a população “que é verdadeiramente nosso patrão” o serviço público para ter o apoio da sociedade, que é tão importante em qualquer momento.
“Precisamos dialogar com a sociedade mostrando que as pessoas, mesmo sendo manipuladas pela grande mídia e pelas fake news na internet, são vítimas dessa manipulação em todos os momentos da vida e a qualidade da vida deles depende do que será feito daqui pra frente. Se o governo tirar o serviço público, a vida vai piorar bastante para a maioria”.
O cenário no futuro próximo, na opinião do dirigente, é de um Brasil onde apenas as Forças Armadas e as polícias Federal e Rodoviária seriam públicas e o restante todo privado. “Imagine os madeireiros cuidando do meio ambiente, a Nestlé cuidando da água e o nosso petróleo nas mãos das multinacionais ou transacionais e o empresariado resolvendo os conflitos trabalhistas. Sem contar os hospitais e escolas particulares”.
As pessoas precisam entender de uma vez por todas que a defesa do serviço público não é apenas a questão salarial, da estabilidade, nem do emprego, ela está relacionada ao projeto de país, justo e igualitário que defendemos, conclui José Carlos. Esse projeto, diz ele, passa necessariamente pelo Estado que intervém e é indutor da economia, executor de políticas públicas e sociais e isso tem que ser feito pelo serviço público. “Não dá para misturar com iniciativa privada cujo interesse é exploração, é a lei do mercado, é a lei do velho oeste americano, é o dinheiro ou a vida”, completa.
Os conflitos no Chile, onde há mais de uma semana a população ocupa as ruas em protesto contra a miséria, a fome, os salários baixos e dos resultados da onda de privatizações no país, foram lembrados por José Carlos. Segundo ele, essa convulsão é em protesto sobre as mesmas políticas que Paulo Guedes quer implementar no Brasil e isso deve servir de alerta para o povo brasileiro.
“Os chilenos estão sentindo agora os efeitos das políticas que foram implementadas na época do ditador Pinochet. E não custa lembrar que Paulo Guedes teve uma certa participação na tragédia, pois ajudou o ditador a implementar essas maldades contra a sociedade chilena”.
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