Escrito por: Revista Fórum, com informações do G1
Para presidente da OAB-SP, é uma conquista dos direitos em período de retrocessos
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) São Paulo entregou nesta segunda-feira (09) a primeira certidão com nome social à advogada trans Márcia Rocha. O Conselho Federal da entidade ratificou a decisão. Para o presidente da OAB São Paulo, Marcos da Costa, a entrega do documento é uma conquista dos direitos humanos em período marcado por retrocessos.
“Em um momento em que o mundo parece apresentar passos para trás na trajetória da civilização, com direitos civis sendo contestados, direitos humanos vilipendiados e discursos de ódio proclamados nas redes sociais, esse espaço traz uma nova luz. Respeita aquele que talvez seja o principal direito, que por incrível que pareça não é direito explícito na Constituição, mas está lá, que é o direito à felicidade. Que todos tenham a possibilidade de exercer esse direito de ser feliz. É isso que se faz hoje com a Márcia Rocha”, completou o presidente.
Na cerimônia, Márcia Rocha, falou sobre a importância do certificado . “Morrem pessoas todos os dias por conta unicamente do preconceito. Portanto, a possibilidade de fazer com que as pessoas pensem sobre esse assunto e nos vejam enquanto seres humanos, capazes de trabalhar e de exercer uma profissão com seriedade, como é a advocacia, eu acho extremamente importante”, disse.
Em 2013, a advogada Márcia Rocha palestrava no interior de São Paulo sobre direitos humanos e diversidade sexual, como representante da OAB do Brasil. Ao final da conferência, foi questionada por uma das pessoas da plateia, por qual razão seu nome não constava nos quadros da OAB.
Membro da Comissão de Diversidade e Combate à Homofobia da Ordem desde 2011, ela sempre se apresentou ao público respeitando sua identidade de gênero. No sistema da entidade, porém, constava apenas seu nome de registro.
“Foi até uma coisa meio humorística. Realmente não tem Márcia Rocha mesmo. Poxa vida, parece que sou uma fraude, porque a pessoa procura e não me acha. Isso aconteceu duas vezes. Era uma contradição muito grande. Dava a impressão que a OAB estava sendo conivente com uma falsidade ideológica”, recorda.
O fato vivido, ao ser narrado para outro colega da entidade, gerou o pedido para que advogados travestis e transexuais de São Paulo tivessem o direito ao uso do nome social. Feita em 2013, a demanda acabou sendo aprovada nacionalmente em maio de 2016 e a OAB teve 180 dias para adaptar o sistema, o que ocorreu agora em janeiro.
Formada em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Márcia diz ter consciência de sua identidade feminina desde criança. Aos 14 anos começou a tomar hormônios, mas foi convencida pelo pai, que notou a alteração física, a interromper o processo.
“Eu sou trans desde pequena, mas fiquei escondida no armário a vida inteira. Aos 14 anos meu pai percebeu, eu comecei a tomar hormônio, ele viu, me levou no médico, e eu tive que contar. Eles me convenceram a ficar no armário muito tempo.”
Tal permanência, entretanto, não era absoluta. Márcia atendeu à determinação dos pais, mas nunca escondeu de suas parceiras a transexualidade. Aos 45 anos, com a carreira estabelecida, após dois casamentos e com uma filha, diz que abandonou o “terno e gravata” que lhe foram impostos, e decidiu assumir publicamente sua identidade de gênero.
“Coloquei próteses, já tinha os seios desenvolvidos, mas fiz mais umas mudanças, e aí não tinha mais como esconder. A OAB me convidou para fazer uma palestra, eles gostaram e me chamaram para fazer parte da Comissão de Diversidade e Combate à Homofobia.”
Garantias
Embora não se recorde de ter vivido situações de preconceito no meio profissional, ela defende o nome social como uma segurança.
“Eu tenho tido uma experiência muito boa em cartórios, delegacias, um respeito muito grande. Não tive problema em nenhum desses ambientes. Eu posso dizer, olha, me chame de Marcia, mas é uma coisa informal. Você ter um amparo legal do uso desse nome é bastante importante.“
Márcia acredita que a regulamentação da Ordem é um marco no cenário nacional e tende a ser um caminho na garantia de direitos à população transgênero.
“Pela OAB ser uma entidade extremamente técnica do direito, o fato de ter aceito o uso do nome social, torna-se impossível para qualquer outra entidade de classe argumentar contra. Acho que foi extremamente importante. Cada passo que se dá na direção da igualdade, liberdade, do direito, da saúde, são passos importantes para uma população que sempre foi tão discriminada, tão marginalizada. E ainda é”, pondera.