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A Turquia sob ataque especulativo

A subseção DIEESE/CUT-Nacional, analisa a crise turca, mostrando como mercado financeiro internacional pressiona para desvalorizar a Lira e alerta sobre os riscos de contágio nos emergentes, como o Brasil

Publicado: 16 Agosto, 2018 - 12h59

Escrito por: Redação CUT

Agência Brasil
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A relação entre o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e a crise da moeda da Turquia; a ação dos especuladores financeiros sempre atrás de lucros rápidos e acima da média de mercado; e como esse conjunto de fatores pode contaminar países emergentes, como o Brasil.

Confira abaixo a íntegra do artigo feito pela subseção DIEESE/CUT-Nacional sobre mais essa crise financeira:

A turbulência atual da moeda turca, a Lira, é mais um capítulo de uma longa novela que tem como tema principal a política de aumento de juros nos Estados Unidos, que busca valorizar o dólar após longo período de redução das taxas feitas pelo governo americano, depois da crise econômica que teve início em 2008, para estimular a economia.

Esse cenário é propício para a especulação financeira seguir o roteiro de sempre e apostar na valorização do dólar para conseguir lucros muito acima da média de mercado em um curto espaço de tempo. O sistema financeiro internacional, desregulado e cada vez mais concentrado, é o principal agente dessa dinâmica.

Quando os Estados Unidos aumentam a taxa de juros de seus títulos, a tendência dos investidores globais é de ou colocar seus recursos em títulos americanos e/ou exigir maior “prêmio de risco” dos países emergentes para manter seus recursos nesses países, em outras palavras, que estes elevem suas taxas de juros, o que acaba gerando queda da produção, encarecimento do crédito e redução dos investimentos nessas economias.

O sistema financeiro internacional passa, nesse cenário, a influenciar cada vez mais a condução das políticas econômicas locais, por meio do discurso da “defesa dos fundamentos econômicos”, mas na verdade o que fazem é priorizar seus interesses em detrimento da autonomia decisória dos governos nacionais. 

A Turquia, um país grande, populoso, com queda acelerada de reservas internacionais nos últimos meses, com déficit comercial crônico (importa mais que exporta), com aceleração da inflação a partir de 2017, sem estrutura industrial de alto valor agregado e com muitos empréstimos internacionais, se tornou um alvo fácil para especulação em moedas por parte do sistema financeiro internacional. 

O boom econômico da Turquia a partir de 2003 foi muito vinculado a dinamização a partir de empréstimos e investimentos externos, em uma economia com muita importação de produtos e sem exportação suficientes para que não haja déficit.

Apesar do crescimento econômico, pouco foi realizado para superação destes constrangimentos produtivos, que voltaram rapidamente a tona com o aumento da incerteza sobre a economia mundial a partir da política americana, assim como a especulação contra moeda dos países emergentes derivada dessa dinâmica. 

Com o aumento da especulação e a desvalorização da Lira, a dívida de empresas e governo (que foi feita em moeda estrangeira) teve aumento de custo, o que aumenta o temor de que haja problemas para honrar compromissos financeiros e/ou manter o cenário econômico interno atual, desconfiança em relação ao país que se alimenta da própria avaliação pessimista dos investidores externos.

Há atualmente um tipo de “chantagem” do mercado financeiro internacional contra o país que exige um aumento considerável nas suas taxas de juros, fato que o presidente Recep Tayyip Ergodan já afirmou que não acontecerá “enquanto estiver vivo” e que na visão do mercado é prova da interferência “maléfica” do governo na economia. 

Além do cenário de fundo da política de aumento de juros dos EUA, há um componente diplomático muito acentuado: a Turquia esteve envolta nos últimos anos em questões diplomáticas complexas, devido a sua posição em relação aos conflitos na Síria, passando pelo apoio dos EUA aos curdos, uma “capitulação” em relação aos russos visando superar os problemas entre os países na Síria e a posterior tentativa de derrubada de Ergodan em 2016, atribuída por ele a aliados americanos. 

A escalada de tensão diplomática entre os EUA e a Turquia teve novo componente nas últimas semanas: uma possível troca de presos entre a Turquia e Israel, no qual os turcos mantinham um pastor americano preso desde 2016 acusado de ter participado da tentativa de golpe contra Ergodan.

Houve um conflito sobre a libertação de outro preso turco, este nos EUA, que levou a Turquia a frear a troca. A resposta americana foi impor sanções diplomáticas a membros do governo turco e uma declaração do presidente americano Donald Trump ameaçando impor uma sobretaxa de 20% no alumínio e 50% no aço de origem turca, os dois principais exportados produtos pela Turquia para o mercado americano. E já há uma sinalização de resposta do governo de Ergodan a este possível encarecimento das exportações turcas para os EUA.

Esses elementos, econômicos e diplomáticos, auxiliam a compreender o atual estágio da crise da economia turca. Ao mesmo tempo em que, dada sua fragilidade econômica, a Turquia já seria candidata natural a sofrer um ataque especulativo contra sua moeda, a questão diplomática fecha a porta do país para soluções mais amenas, quer seja um aumento de exportações, a obtenção de novos empréstimos ou ainda acesso ao FMI em condições menos prejudiciais que permita à Turquia promover um desaquecimento controlado de sua economia, com isso não colocando o apoio popular dos turcos a Ergodan em risco.

A crise da moeda turca, além de suas razões ligadas a questões internas, também ilustra de forma clara toda discussão que envolve a questão do dólar como referência internacional, assim como a dificuldade de outras moedas de lhe fazer frente, já que sua influência é produto direto tanto de um sistema financeiro internacional, desregulado e cada vez mais concentrado, como do poder político e diplomático dos EUA em jogar o xadrez da política externa de forma a utilizá-la (o dólar) como um dos instrumentos de pressão em caso de reversão de seus interesses.

O cenário serve de alerta aos demais países emergentes, dentre os quais o Brasil, de que são crescentes as possibilidades de novos ataques especulativos aos países emergentes, assim como o “contágio” do ocorrido em outros locais, diante do quadro mais amplo de valorização do dólar e aumento dos juros dos EUA, ainda que de intensidade variadas, a depender do país.

Com o discurso de incerteza e dos “fundamentos”, e aproveitando-se de um mercado financeiro concentrado e desregulado (com a anuência dos países ricos), cada vez mais há interferência dos mercados nas políticas econômicas nacionais, fonte de especulação e ganhos para uns e, mais do que tudo, de submissão das políticas nacionais ao sistema financeiro internacional e, por consequência, de vastas camadas da população desses países, que sempre são os que sofrem os efeitos das políticas de “ajuste recessivo”.

Subseção DIEESE/CUT-Nacional