Escrito por: Wanderson Lobato

A vida e o Rio Tocantins pedem urgente socorro

Caravana em defesa do rio Tocantins, de 30 de janeiro a 05 de fevereiro, percorrerá 11 municípios, para denunciar os prejuízos socioambientais com a hidrovia Araguaia Tocantins

Agência Pará
Pedral do Lourenço no rio Tocantins

 

As diferentes populações que vivem ao longo do rio Tocantins, no estado do Pará, se mobilizam em defesa do rio, comprometido com o projeto da hidrovia Araguaia Tocantins. Para isso, organizam uma caravana, de 30 de janeiro até 05 de fevereiro, que percorrerá 11 municípios da região, a fim de divulgarem os problemas socioambientais que devem ocorrer com a chegada do projeto.

A embarcação com as lideranças dos povos da região sairá de Barcarena, na mesorregião Metropolitana de Belém (PA), subindo o rio em direção a Itupiranga, no sudeste do estado, percorrendo o trecho da hidrovia.

“Ela sai de Barcarena não à toa. Barcarena é um polo industrial onde temos multinacionais que muito pouco geram para a vida local. Empregos muito poucos, estragos muito grandes”, explica Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT Nacional, uma das coordenadoras da caravana.

Natural de Igarapé Miri, município às margens do Tocantins, Carmen Foro sabe bem da importância do rio para os povos da região. “Defender o rio Tocantins é defender a nossa vida. Porque ele pulsa todos os dias com nossa comida, nosso transporte, como água para nós”, complementa.

Licenciamento ambiental não cumpre regras

Em processo de licenciamento ambiental no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), a hidrovia integra o chamado corredor Arco Norte que trabalhará de forma multimodal no transporte de cargas (soja e minério, principalmente) através de ferrovia, rodovia e hidrovia, desde os estados da região Central do país até o Porto de Vila de Conde, em Barcarena (PA), de onde seguirá pelo oceano aos mercados internacionais.

Carmen Foro denuncia que no processo de licenciamento ambiental o governo não vem cumprindo a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário. A legislação determina a realização da consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais atingidas antes da realização de obras que irão afetar seu modo de vida. O que não está sendo feito no caso da hidrovia.

“Qualquer governo democrático precisa ouvir a população local sobre obras dessa natureza. A gente está vendo a tentativa de desmonte de todo arcabouço legal ambiental que nós conquistamos até hoje. Seja no Congresso Nacional, seja o desmonte internacional, como esse ataque a OIT”, afirma.

Dirigentes da CUT criticam obra que favorece o agronegócio e a mineração

Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente, da CUT Nacional, lembra que até hoje muitos trabalhadores, trabalhadoras e populações tradicionais não tiveram seus direitos reparados em grandes projetos implantados no passado e que, em face do perfil antidemocrático do governo de Jair Bolsonaro (PL), hoje a situação só piora.

“A hidrovia do rio Tocantins é uma grande obra, um projeto para atender o agronegócio e o setor da mineração. E numa situação como essa num governo genocida, e que não tem espaço para diálogo social, a situação ainda é mais preocupante”, alerta.

Gaio vê a caravana como uma atividade importante para mobilizar e organizar a resistências nos territórios e, inclusive, discutir o modelo de desenvolvimento que é imposto para a região Amazônica.

“Não queremos discutir a natureza enquanto recurso para ser explorado, mesmo que mitigado os impactos. Queremos discutir esse modelo capitalista que necessita matar, necessita de grandes obras, de grandes impactos para gerar capital que nem fica aqui”, lembra.

A secretária Nacional de Direitos Humanos, da CUT, Jandira Uehara, destaca que os grandes projetos na Amazônia afetam profundamente os direitos humanos das populações locais. “Os direitos humanos para nós são direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e, nesse sentido, essas obras afetam todas as dimensões dos direitos humanos”.

Uehara chama a atenção também para o fato de que os projetos como o da hidrovia integram um processo de avanço do agronegócio na região amazônica.

“A devastação que o agronegócio está fazendo na Amazônia e em outras regiões do país é um sem-fim. Começa com a devastação para o plantio ou para a criação de gado e depois nas obras para a logística de escoamento de uma produção que só traz riqueza para grupos e oligopólios”, ressalta.

Igreja e líderes locais também criticam projeto

Parceira na realização da Caravana em Defesa do Rio Tocantins, a Igreja Católica, por meio da Diocese de Cametá, vê com os olhos da esperança a realização da atividade.

“A Igreja sempre foi comprometida com a vida. Acho muito importante. Mais do que a caravana em si, a preparação nos locais onde vai parar. Essa mobilização do povo em seu território. Resgatando a cultura, gerando esperança a partir de coisas concretas”, afirma José Altevir da Silva, Bispo de Cametá.

A partir da realização do Sínodo da Amazônia, em 2019, no Vaticano, foi criada a Rede Eclesial Pan-Amazônica que vem atuando pelo fortalecimento das populações locais. “Enquanto as lideranças estavam respeitando a pandemia os poderosos estavam trabalhando. Cabe a nós agora preparar o povo, conscientizar. Principalmente da destruição que vai ocorrer”, destaca Dom Altevir.

Na comunidade Rainha da Paz, localizado no rio Anapu, um afluente do rio Tocantins, no nordeste paraense, os dias seguem tranquilos. Mas a tranquilidade da vila formada por pescadores e agricultores familiares está ameaçada com o projeto da hidrovia.

Genivaldo Castro, uma liderança da comunidade e com sua fala simples exemplifica a importância econômica que as populações da região têm com relação ao Tocantins.

“O Rio Tocantins é um rio pai. Ele é pai de todos os nossos rios. É ele que fornece peixes para os nossos rios que cortam nossas comunidades”, explica. “E esse projeto vai afetar diretamente os pescadores. Estamos muito preocupados”.

Maria José Souza é quilombola da comunidade de São José de Icatu. O território é titulado pela Fundação Palmares desde 2002 e está localizado na divisa de dois municípios, Mocajuba e Baião. Ali vivem mais de 300 famílias sustentadas pela pesca, a produção de farinha de mandioca e de polpa de frutas, como o cupuaçu e o taperebá.

Presidente da associação de pescadores, Dona Maria vê com muita preocupação o projeto da hidrovia e de como ele vai afetar a vida de sua comunidade. “Vai ser feita a escavação do rio e vivemos aqui dependendo de um braço do rio que vai secar. A água vai tudo pro canal que vai ser cavado e vamos ficar sem água. E com que vamos nos alimentar?”, questiona. “Eles dizem que vai ter compensação. Mas a compensação cai tudo na cidade, vai tudo pra cidade como asfalto e nós continuamos sofrendo”.

Quilombola da comunidade de Itabatinga, localizada no município de Mocajuba, no nordeste paraense, Euci Ana, presidente da CUT Pará, lembra que o Estado tem mapeado seu território por vários projetos de mineração, uso de energia e pelo agronegócio. E na região do Tocantins a situação não é diferente.

“Essa obra nos preocupa muito porque somos povos que já vêm sofrendo os impactos e todas as consequências dos empreendimentos como a barragem de Tucuruí. E o povo a montante (acima) da hidrelétrica pela exploração dos minérios e dos recursos naturais”, explica.

Euci Ana destaca a importância da caravana em visitar as comunidades e conhecer os problemas de perto. “O papel da caravana literalmente é de dar resistência de formação e de informação ao nosso povo que está em torno do rio e que não sabe ou que vai acontecer”, afirma.

“É muito importante ir in loco na comunidade. Tem problema que não está em lugar nenhum. Está lá na comunidade. Por isso, a caravana se propõe a fazer a escuta da sociedade”, completa.

Rogério Pantoja, coordenador da Escola de Formação Sindical Chico Mendes na Amazônia, lembra que os grandes projetos na Amazônia são um debate que está na pauta da CUT desde o seu nascimento. “Temos uma luta em relação como esses projetos acabam entrando na agenda da população amazônica sem nenhum debate com relação a socialização dos benefícios”, afirma.

Para o dirigente sindical, a caravana é um momento para se denunciar os impactos que a população vai sofrer com a chegada da hidrovia, mas também de mobilização. “É denúncia e mobilização social. Os movimentos sociais que estão se organizando na Amazônia devem fazer a denúncia ao governo do estado e cobrar das prefeituras que também vão ser afetadas. Isso é a mobilização”, conclui.

Ângela de Jesus, presidente da Fetagri-Pa, chama a atenção para o impacto que a hidrovia vai causar na segurança alimentar das populações da região e destaca a falta de diálogo na condução do projeto.

“Vai impactar diretamente na pesca e na segurança alimentar que depende muito do rio. Até a logística no transporte da comercialização e na extração do pescado que é um alimento básico dos municípios da região”, afirma. “E não está sendo debatida com a população esses impactos que vai ter, dentro do projeto do governo. Quem está fazendo o debate é a sociedade civil porque está preocupada com esses impactos”.

Marabá ainda sofre impactos da construção da hidrelétrica de Tucuruí

Em Marabá, no sudeste paraense, centenas de pessoas estão vivendo o drama da enchente do rio Tocantins. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), a cheia que provocou os alagamentos na região neste mês de janeiro foi a maior dos últimos 18 anos.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tem tido um papel fundamental em pressionar o governo estadual por medidas de reparação às famílias atingidas pelas enchentes e distribuindo cestas básicas.

Yuri Paulino, da coordenação nacional do MAB, afirma que até hoje a população da região vive os impactos com a construção da hidrelétrica de Tucuruí, há mais de 30 anos, e agora se vê envolvida em mais um grande projeto.

“Os impactos sociais e ambientais ainda não foram resolvidos. Esses grandes projetos não trazem nenhum benefício econômico e melhoria da qualidade de vida do povo. Nossa preocupação é grande porque com a hidrovia está sendo conduzido mais uma vez sem participação da população local”.

Sobre a Caravana

A Caravana em Defesa do Rio Tocantins é uma realização da CUT Brasil, CUT Pará e Fetagri.Pa, em parceria com a Diocese de Cametá, Conselho Pastoral dos Pescadores, Universidade Federal do Pará, campus Tocantins/Cametá, Levante Popular da Juventude, Sintepp/Cametá, Movimento dos Atingidos por Barragens, organizações de pescadores e de quilombolas da região, com o apoio do Solidarity Center/AFL-Cio, entidade sindical internacional.