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Aborto em caso de estupro é um direito humano

Em encontro na CUT-SP, mulheres debatem e preparam manifestação contra o PL do Cunha

Publicado: 06 Novembro, 2015 - 16h09 | Última modificação: 06 Novembro, 2015 - 17h30

Escrito por: Vanessa Ramos, da CUT-SP

Vanessa Ramos
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Grupo vai organizar e participar de manifestação no próximo dia 12

Uma mulher estuprada carregará as marcas da violência física e psicológica em seu corpo por muito tempo. Encaminhar esta vítima a um hospital e dar o atendimento médico necessário seria direito básico. Mas, imagine que, além dos cuidados necessários, fosse obrigada a passar em uma delegacia para relatar o caso, especialmente com o atendimento que temos nas delegacias do país, em que o delegado questionará a roupa utilizada pela vítima, o horário, entre outros detalhes.

Isto é o que prevê o Projeto de Lei (PL) 5069, de 2013, de autoria do presidente da Câmara federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), patrocinado pela bancada religiosa. Alguns já o denominam “PL do Estupro”. A medida aprovada há alguns dias por um conjunto de deputados, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), fez parte dos debates do Coletivo da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo nesta quinta-feira (5), no bairro do Brás.

Para a secretária municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, Denise Motta Dau, convidada pela Central para fazer análise de conjuntura às trabalhadoras, este PL representa a cultura do retrocesso. “Ele vai na contramão das conquistas das mulheres ao longo da luta pelos direitos sexuais e reprodutivos. E mais, para que o Sistema Único de Saúde (SUS) faça o atendimento das mulheres nesta área”, disse.

Estudo do Ministério da Justiça aponta que 50 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil. O acesso ao aborto legal é uma das poucas alternativas que permitem às vítimas, caso queiram, interromper a gravidez decorrente dessa forma de violência.

Segundo Denise, a sociedade tem mostrado a contrariedade com relação ao tema aprovado em Brasília. Ela também explica que o projeto abre brechas para punir profissionais de saúde que orientem as mulheres sobre métodos e medicamentos que causem o aborto. “Na cidade de São Paulo, desde a década de 1990 temos serviço de aborto legal no SUS”.

A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, Ana Lúcia Firmino, acredita que o PL é uma negação ao direito essencial da saúde. Ela também defende a saída de Cunha da Câmara. “Ele mexe em um direito humano. Não podemos pensar só nas marcas da violência física, porque sequelas psicológicas ficarão para a mulher estuprada o resto da vida”, alerta.

No país, o aborto é legal quando a gravidez decorre de estupro, apresenta risco de morte para o feto ou para a mãe ou o bebê não possui cérebro.

Gênero e violência 

Para protestar contra o projeto de Eduardo Cunha, trabalhadoras cutistas organizam com outros movimentos sociais em São Paulo, na próxima quinta-feira (12), a partir das 17h, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista, ato para chamar o 'Fora Cunha' e o "Não ao PL 5069". Outros atos ocorrerão em cidades como o Rio de Janeiro.

Na reunião do coletivo desta quinta, as mulheres avaliaram que o projeto de Cunha altera também a compreensão sobre o que se considera violência sexual. “E se tivermos uma interpretação mais exagerada, até a pílula do dia seguinte pode ser proibida por ser abortiva”, afirmou Denise, ao complementar as intervenções de trabalhadoras de diferentes ramos.

Ana Lúcia também lembrou que o PL 5069 caminha junto a propostas que beiram a “ofensa”, como é o caso dos projetos de lei que tratam do Estatuto da Família (PL 6583/13) e do Estatuto do Nascituro (PL 478/2007).

Nesse contexto, Denise trouxe à tona a formação de jovens nas escolas. "Um dos principais exemplos do que estamos vivendo é a exclusão da palavra ‘gênero’ e ‘diversidade’ nos planos de educação. Como se gênero fosse impor uma orientação sexual ou outra coisa qualquer", pontuou, ao alertar que mesmo diante desta conjuntura controversa há uma nova juventude se interessando pelo feminismo.

Durante a reunião do Coletivo, as mulheres lembraram ainda do promotor de Justiça de Sorocaba (SP), Jorge Alberto de Oliveira Marum, no episódio recente em que ele cometeu discriminações nas redes sociais ao comentar sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que tratou como tema de redação a violência contra a mulher.  

Política pública

Enquanto o Congresso regride, existem cidades que caminham para o avanço das políticas públicas. No município de São Paulo, a prefeitura tem inserido políticas para as mulheres na cidade. Denise citou o fortalecimento da autonomia econômica, com o primeiro centro de orientação ao trabalho doméstico implementado neste ano.

A secretária municipal lamentou, contudo, que o governo de São Paulo (PSDB) não apresente nenhum projeto para disputar o orçamento na área. O município recorre, então, a parcerias com o governo federal, como é o caso de um projeto que forma hoje mulheres na economia solidária.

Segundo Denise, políticas públicas para combater a violência contra mulher são cobradas permanentemente. "Temos feito a ampliação de serviços, com Centros de Autonomia da Mulher, Centro de Referência da Mulher e Casa Abrigo. São esforços da prefeitura para responder as demandas que chegam, construídas de uma forma que fortaleça a participação popular".

Para enfrentar a violência, a secretária destacou também que Casas de Passagens estão sendo construídas. "Sabemos que no estado não existem delegacias que atendem 24h. E esta é uma reivindicação história. Na cidade de São Paulo, estamos construindo esses espaços que são de permanência temporária, mas que previne. Será mais uma forma de proteção para que a mulher não volte à condição de violência”, disse.

Novembro lilás

Depois do ato que ocorrerá em 12 de novembro, as delegadas cutistas de São Paulo, eleitas para a 4ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres (4ª CEPM), irão se reunir no dia 23 de novembro para aprofundar o debate sobre esta etapa que ocorrerá em dezembro.   

Em 25 de novembro, as trabalhadoras se mobilizam para o Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres, com a campanha "16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres". E, no dia 18 de novembro, os movimentos sindical e sociais estarão em Brasília para a Marcha das Mulheres Negras.

A reunião do Coletivo da Mulher Trabalhadora desta quinta (5) contou com a participação de diferentes ramos e categorias e ainda com a presença dos secretários da CUT São Paulo de Imprensa e Comunicação, Adriana Magalhães; de Finanças, Renato Zulato e de Organização, Hélcio Marcelino.