Escrito por: Redação RBA

Acampamento Marielle Vive sofre dois atentados em um dia e pede ação de autoridades

Novo ataque contra a ocupação de trabalhadores pode estar relacionado a ódio de raça por grupos neonazistas ou a disputas pela terra com fins de especulação imobiliária

Reprodução

O Acampamento Marielle Vive sofreu dois atentados neste domingo (10). Depois de ter sido alvo de tiros disparados por um homem às 3h20 da madrugada, a ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Valinhos (SP) voltou a ser atacada por volta de 22h30. Mais uma vez, disparos com arma de fogo foram desferidos na direção das famílias acampadas.

Não há registros de feridos, mas a situação é de terror e o movimento voltou a registrar boletim de ocorrência e a cobrar providências da Secretaria de Segurança Pública do estado. “Exigimos que providências sejam tomadas imediatamente e que as autoridades responsáveis garantam a segurança das famílias acampadas!”, diz em nota a coordenação do movimento.

Os ataques ocorrem menos de duas semanas depois que a ocupação – que reúne 450 famílias sob o risco de despejo – comemorou a decisão Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender as remoções forçadas no país até 30 de junho. 

E têm as mesmas características. Na madrugada, pessoas que estavam na portaria do local identificaram um carro preto com a placa coberta passando algumas vezes em frente à entrada do acampamento em velocidade reduzida. Até que um homem branco, careca, com barba e aparentemente sozinho apontou a arma e fez os disparos. Em seguida, o carro acelerou no sentido da cidade de Valinhos. Os moradores recolheram cápsulas da arma no chão, que seriam de uma pistola 9 milímetros.

Integrantes do movimento levantam hipóteses de os atentados estarem relacionados à ódio de raça e classe vindo de grupos neonazistas da região. Outra possibilidade é partirem de pessoas que têm interesses econômicos em reaver a área ocupada para fins de especulação. “A gente sabe que tem uma relação direta com o ‘incômodo’ que os trabalhadores sem terra provocam em setores bolsonaristas de Valinhos e do entorno”, avalia Gerson Oliveira, do MST.

“Também pode ser uma reação à recente prorrogação da suspensão dos despejos por parte do STF, sabendo que vamos permanecer por mais um tempo no local e que estamos conseguindo resistir ao despejo. E, no nosso caso, muitas vezes essa reação é armada”, completa. 

Reação 

Para Gerson Oliveira, o ataque a tiros acende para a comunidade, mais uma vez, “um sinal de alerta vermelho”: “Vamos reforçar nossos cuidados”.  

Os acampados registraram um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Valinhos. O Brasil de Fato entrou em contato com Secretaria de Segurança Pública de Valinhos, que informou não ter tomado nenhuma providência pois não está oficialmente sabendo do ocorrido ainda. 

“Já recebemos outros ataques e ameaças desse tipo. Queremos que dessa vez a Secretaria de Segurança Pública e a investigação da Polícia Civil cheguem até os responsáveis. É uma ameaça concreta contra a integridade das famílias. Poderia ter atingido alguém. Nada nos autoriza a dizer que não podem acontecer fatos piores. As autoridades competentes estão avisadas e, portanto, são corresponsáveis caso não tomem providências”, salienta Gerson.

O MST afirma que “a prefeitura de Valinhos está assistindo a estas violências cometidas ao longo dos quatro anos de existência do Acampamento”. O município está sob gestão de Lucimara Godoy Vilas Boas (PSD). Eleita sob a alcunha de “Capitã”, Lucimara é policial militar.  

Para o MST, em vez de observar de forma inerte os ataques direcionados ao Acampamento Marielle Vive, o governo municipal “tem nas mãos o poder de resolver este conflito com o reconhecimento da cidadania e assentamento definitivo das famílias no local, implantando políticas públicas através do Estado e favorecendo a acesso à moradia e ao trabalho digno”.

Ataque anterior 

“O que leva uma pessoa a sair de sua casa numa madrugada de domingo e ir ameaçar famílias que lutam por terra e por direitos sociais?”, questionou o MST em nota. “Só pode ser o ódio contra pobres, contra trabalhadores e trabalhadoras sem terra”, afirma o Movimento, reforçando que “esse fato é mais uma tentativa de homicídio cometida contra as famílias do Acampamento”. 

De fato, não foi a primeira. Luís Ferreira, um pedreiro de 72 anos e morador da comunidade, participava de uma manifestação pelo direito à água, em 18 de julho de 2019 quando uma caminhonete que ostentava uma bandeira do Brasil avançou em direção ao ato.

Atropelado, Luís foi morto no mesmo lugar em que ocorreu o ataque da madrugada de hoje. O condutor da caminhonete, identificado como Leo Ribeiro, foi preso e responde em liberdade. Em homenagem ao trabalhador, em novembro de 2019 o Acampamento Marielle Vive inaugurou a Escola Popular Luís Ferreira. 

O Acampamento Marielle Vive 

Quem mora ali integra a extensa estatística das 132.290 famílias no Brasil que, de acordo com a Campanha Despejo Zero, sofrem o risco de serem removidas assim que acabar o prazo definido pelo STF, em 20 de junho.  

Ocupando uma área de 130 hectares em um dos municípios do interior paulista conhecidos por seus condomínios de luxo, o MST transformou um terreno, antes abandonado, em terra de produção agroecológica. A propriedade, ocupada desde 14 de abril de 2018, é reivindicada pela Fazenda Eldorado Empreendimentos Imobiliários. 

Tendo surgido um mês após a execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, os sem terra resolveram homenageá-la com o nome da comunidade.