• Kwai
MENU

Ações em Goiás descobrem trabalhador...

Publicado: 17 Junho, 2010 - 13h50

Escrito por: Repórter Brasil

Fome,frio e escravidão por até 14 anos. Esse foi o quadro encontrado pelaSuperintendência Regional do Trabalho e Emprego de Goiás (SRTE/GO), peloMinistério Público do Trabalho (MPT) e pela Polícia Federal (PF) em duas açõesrealizadas entre 24 de maio e 12 de junho deste ano.


Ao todo, 102 pessoas foram libertadas de condições análogas à escravidãonas atividades de retirada e coleta de grãos das espigas de milho e deextração de areia para obras de construção civil.


Uma das ações encontrou 99 pessoas submetidas ao trabalho escravo queatuavam em diversas fazendas no estado de Goiás da empresa Du Pont do BrasilS.A - Divisão de Sementes Pioneer.


As vítimas foram aliciadas "gatos" (intermediários de mãode obra) em Palmeirais (PI) e São Francisco do Maranhão (MA), de onde saíram nodia 10 de abril. Elas foram atraídas por um chefe deturma conhecido como "Mozar" e levadas em ônibus fretadoaté a Região Centro-Oeste. Os custos do transporte (R$ 18 mil)seriam posteriormente cobrados dos trabalhadores. As Carteiras de Trabalho e daPrevidência Social (CTPS) não foram assinadas no local de origem (foi feitosomente após a chegada em Goiás) e o empregador também nãoemitiu a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhador (CDTT) aindano local de origem dos empregados.

Quando chegaram nos alojamentos em Joviânia (GO), os trabalhadores foramdistribuídos em cerca de 20 pontos distintos, sem nenhuma estrutura."Os barracos não tinham móveis, nem sequer camas. Os trabalhadorestrouxeram só pertences pessoais", explica Roberto Mendes, auditor fiscalque coordena o grupo de fiscalização rural da SRTE/GO. As vítimas dormiam emcolchões velhos ou espumas dispostas no chão, sem roupas de cama ou cobertores,em espaços comerciais já utilizados no passado como bares.


"Esses trabalhadores dormiam no chão, passavam muito frio e até fome. Asmoradias não possuíam asseio e higiene. Os banheiros eram imundos, dentreoutras irregularidades", detalha o auditor fiscal.


A jornada de trabalho se iniciava às 4h da manhã, quando o serviço era em fazendasmais distantes, ou às 5h, quando a distância era menor, e se estendiaaté às 18h. "Eles não recebiam alimentação e tinham que se virar paracomprar e preparar a comida, que era escassa", completa Roberto.


Todos tinham as carteiras assinadas pela empresa Pioneer, fundada nosEUA, que mantinha cerca de 900 trabalhadores ruraistemporários em diversas fazendas em Joviânia (GO), Edéia (GO),Goiatuba (GO), Indiara (GO), Morrinhos (GO), Paraúna (GO), Acreúna (GO) e SãoJoão da Paraúna (GO).


"Não se pode afirmar, ao certo, que essa contratação teve ou não aconivência da empregadora Pioneer. Por outro lado, não se pode negar que, aoproceder assim, o chefe de turma Mozar o fazia em nome da empresa, uma vez quepossuía plena liberdade na escolha e formação de suas equipes, ou seja, eraquem de fato contratava", analisa Roberto.


Na opinião do auditor fiscal, a empregadora deveria ter observado as normaslegais vigentes em relação a contratação de empregados de outras regiões."Além disso, deveria também ter fornecido a tais trabalhadores alojamentosem condições dignas, bem como refeições fartas e sadias".


Inicialmente a empresa se recusou a aceitar as determinações do Ministério doTrabalho e Emprego (MTE). Depois, contudo, aceitou fazer ospagamentos referentes às verbas rescisórias e pagar as passagens de volta dosmesmos. O valor total pago pela Pioneer foi de R$ 300 mil.


A situação só foi descoberta graças à denúncia de um dos trabalhadores para aFederação dos Trabalhadores Agrícolas do Estado de Goiás (Fetaeg) que, por suavez, acionou a fiscalização. O denunciante conta ter passadofrio e fome por mais de um mês (de 15 de abril a 24 de maio).


Em nota enviada à Repórter Brasil, a empresa envolvida disse que"está estudando o teor dos Autos de Infração recebidos em 03/06/2010 e queoferecerá resposta dentro do devido prazo legal, comprovando que cumpre toda alegislação aplicável". "Em respeito à qualquer alegação deirregularidades, a Du Pont reitera que sempre pautou suas atividades pelorespeito às leis, ao meio ambiente e à saúde, segurança e integridade de seusfuncionários em seus mais de 200 anos de história", completa.


Areia
Quase uma década e meia num barraco improvisado com restos de madeira,folhas de palmeiras e lonas plásticas velhas, sem instalações sanitárias terespaço limpo para cozinhar. Fiscalização realizada em cinco dragas de extraçãode areia nos Rios Verde e Monte Alto, há cerca de 15 km da cidade de Mineiros(GO), na Fazenda Rio Verde do Monte Alto, flagou um trabalhador há longos 14anos nesta situação e outros dois que enfrentavam cotidiano semelhante por pelomenos sete primaveras.


A situação dos barracos às margens do rio na propriedade de José Flávio deCarvalho Primo, conhecido com Zé do Orestes, era inaceitável, classificaRoberto. "As paredes eram de pau-a-pique, os pisos de terra e areia. Ascamas eram improvisadas com madeiras roliças e pedaços de tábuas. Os colchões,velhos e sujos, tinham forte odor", descreve.


Não havia instalações sanitárias ou chuveiros no local. Os trabalhadores nãotinham acesso a cozinha para preparar alimentos. Fogões improvisados ficavamdentro dos barracos. "Os trabalhadores relataram que havia ratos,escorpiões e baratas nos alojamentos", acrescenta Roberto.


Além dos problemas trabalhistas encontrados, a questão ambiental também estavairregular, conforme constatou a fiscalização. De todas as dragas deextração de areia, apenas uma possuía autorização ambiental. Já em relação aocredenciamento junto a Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha, todasestavam irregulares. Todas as dragas foram interditadas.


Para a exploração da atividade, cada dono de draga utiliza diretamente doistrabalhadores, que se revezam nas atividades de operador de draga emergulhador. "A retirada de areia do rio é feita através de uma dragaflutuante de sucção. Esta máquina é responsável pela captação da areia no fundodo rio, através de um ´mangote´ direcionado por um mergulhador. A areia édragada e bombeada para um caixa que fica ao lado do rio, onde é depositada eretirada, posteriormente", relata o auditor fiscal do SRTE/GO.

 

Osempregados chegam a trabalhar cerca de 1h a 4h a cada mergulho, a umaprofundidade de até 5 metros ou mais. Ninguém possuía curso de mergulhador oufoi submetido a exames médicos específicos para a função, conformedetermina a Norma Regulamentadora 15 (NR 15).

 

Osempregadores Abner Jesus Moreira e Abimael Jesus Moreira, responsáveispelo empreendimento, pagaram as verbas rescisórias aos trabalhadores, queforam embora para casas de parentes no estado.