Escrito por: Luiz Carvalho

Agora, só resistência nas bases pode barrar reforma

Em seminário da CUT, especialistas apontam que implementação ou não do retrocesso dependerá de resistência dos sindicatos nas bases

Roberto Parizotti

A abertura do coletivo de secretários de Relações de Trabalho da CUT, em São Paulo, discutiu nesta quarta-feira (26) os impactos da Reforma Trabalhista e a maneira como a classe trabalhadora pode resistir à aprovação do projeto.

A lei 13.467, que implementa a reforma, foi sancionada pelo ilegítimo Michel Temer (PMDB) no último dia 13. Assessor jurídico da Central, Eymard Loguércio lembrou que a medida nasceu para estabelecer o negociado sobre o legislado, mas foi alterada para ser a mais profunda e extensa alteração nas relações de trabalho dos últimos 70 anos.

Ele destacou que reforma trabalhista coloca de cabeça para baixo o parâmetro que estabelece a lei como mínimo e as negociações coletivas como um caminho para ir além da lei. Pior, sem entregar o que promete.

“Ao contrário do que o governo vendeu, a lei não diminui, mas amplia possibilidades de conflito e aumenta a precarização por via de contratos. Não antecipa conflito, não facilita negociação e ainda desprotege trabalhador. Não há um único mecanismo de solução de conflito do ponto de vista coletivo e da organização dos trabalhadores”, disse Loguercio.

Legalização do bico

Com uma espinha dorsal baseada no negociado sobre o legislado, contratos precários, terceirização sem limites, jornadas hiperflexíveis sujeitas a acordos individuais, fragilização sindical e a lógica de diminuição do preço da mão de obra, a reforma acaba por legalizar o bico, defende o advogado.

“Na modalidade do contato intermitente – aquela em que o trabalhador ficará à disposição sem saber em quais dias ou horas vai trabalhar –, o empregado fica à disposição da empresa para quando ela necessitar por quanto tempo necessitar e recebendo por hora trabalhada. Poderá, inclusive, ganhar menos que um salário mínimo, porque a composição do vencimento será salário mínimo-hora. Se trabalhar menos do que 44 horas semanais durante o mês todo receberá menos do que o mínimo. O mesmo vale para o piso da categoria. Se nas negociações coletivas não ficar explícito que precisa receber o salário mensal, ele pode ser pago com o proporcional-hora. É a legalização do bico”, falou.

Eymard Loguercio apontou problemas ainda na modalidade teletrabalho – “está regulamento de maneira genérica, sem controle sobre horas e está fora da possibilidade de receber horas extras ou banco de horas” – e na criação de um perfil de trabalhador autônomo exclusivo e permanente – “a característica do autônomo é justamente que não seja exclusiva, mas a lei cria agora essa figura”.

A hora extra também será outro problema já que, apesar de a forma de aplicar a legislação era a modalidade de compensação, ao menos havia acordo coletivo, pelo menos. Agora, basta acordo individual, uma maneira de colocar o trabalhador direto na pressão do empregador.

“Apenas nesse conjunto de normas há uma série de possibilidades de substituir a mão de obra permanente. Além disso, há a terceirização que já havia sido ampliada e agora pode atingir a atividade preponderante ou principal da empresa. Esse pacote de contratos precários, por intermediação da empresa, a tempo parcial e intermitente não gera novos empregos, mas induz a substituição de trabalhadores permanentes pelos temporários. O que leva a uma lógica predatória, ainda que não queira, empresa terá de se adaptar a esse modelo precário para competir num cenário que exige o pior”, critica.

Nas mãos do Supremo

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano defende que a lei aprovada ofende tanto Constituição quanto compromissos internacionais.

O Brasil é signatário, por exemplo, do Pacto de San Jose, da Costa Rica, da Organização dos Estados Americanos (OEA), a carta interamericana de Direitos Humanos que veda o retrocesso social e aponta a progressividade como um princípio de regência da legislação social.

Para se ter ideia do tamanho do problema, exemplifica, um sindicato pode celebrar um acordo em que determina que todos os caixas do banco são funções de confiança. “Os tribunais estão cansados de dizer que não são, mas a partir da entrada do acordo, a jornada, que era de seis horas pode passar a seis de oito, porque assim define a lei em relação a cargos de confiança. Essa lei abre a porta para que se mexa em muitos direitos”, explicou Feliciano.

A remuneração por produtividade permitida em acordos coletivos será outro ponto que pode gerar um universo de trabalhadores sugados até a alma.

“Na 15ª região, meu tribunal de origem, temos decisão que já foi confirmada pelo próprio Tribunal Regional proibindo que usinas de açúcar remunerem cortadores de cana por produtividade. Porque é um modo desumano de remunerar quem está em atividade penosa. Especialmente porque o trabalhador ganhará cada vez menos quanto mais esticar a jornada, porque no além da jornada estará exausto e cortando menos. Hoje não é mais possível estabelecer isso por decisão judicial, mas a lei mudará isso.”

Também segundo a reforma, o enquadramento de grau de insalubridade, que exige intervenção do técnico, engenheiro ou médico do trabalho, pode ser feito por acordo, o que contraria a Constituição. “A Constituição determina que exposição à insalubridade não é matéria sujeita à negociação coletiva, mas agora será. A exposição a material infecto contagioso de hospitais é insalubridade em grau máximo e faz com que o trabalhador receba 40% do salário mínimo a mais. Porém, os hospital poderão negociar com sindicatos e determinar que é grau mínimo. E os 40% viram 10%”, falou.

O mesmo vale para prorrogação de jornada em local insalubre, algo que faz o juiz sempre recorrer ao técnico e agora caberá à negociação coletiva.

Caminho

Na visão do advogado Eymard Loguercio, não adianta atacar e resolver artigos específicos do projeto, porque o texto traz uma lógica de desconstrução dos direitos que será aplicada em todos os trabalhadores de todas as categorias. É preciso buscar alternativas para que a medida seja ignorada nas base por meio da luta dos trabalhadores unidos.

“Como a lei deixa de ser o mínimo e passa a ser o piso, aumenta a necessidade de conscientização do trabalhador para a mobilização e para a defesa de seus direitos, algo que, em período de crise, é muito mais difícil. Aumenta a responsabilidade do sindicato para formar as suas bases. Da nossa parte, a CUT vai disputar tudo, desde o sentido até a aplicação da lei do ponto de vista da constitucionalidade”, afirmou.

Para a secretária de Relações do Trabalho da Central, Maria das Graças Costa, é preciso ter audácia para enfrentar uma medida que representa o retorno a tempos vergonhosos das relações trabalhistas. “Nenhum país, mesmo os que estão em situação de crise pior do que a nossa, teve coragem de fazer um congelamento de 20 anos no orçamento público, uma reforma trabalhista como a nossa. Estamos voltando no tempo, mas não para o período anterior à aprovação da CLT e sim para o tempo em que foi aprovada a escravidão”, alerta.