Escrito por: Andre Accarini
Em um momento crítico da economia por causa dos impactos da pandemia, medidas beneficiam mais o agronegócio do que a agricultura familiar. Entre elas está a redução de juros, maior para grandes produtores
O Plano Safra 2020/2021, lançado nesta quarta-feira (17) pelo Governo Federal, frustrou as expectativas dos trabalhadores na Agricultura Familiar por interromper um processo histórico de elaborar uma política específica para o setor.
O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), desde o ano passado, passou a considerar o setor agrícola brasileiro como uma coisa só, sem observar as diferenças e as necessidades específicas de cada um. O resultado é uma maior proteção ao agronegócio, em prejuízo da agricultura familiar.
Dois pontos destacam-se no Plano para exemplificar a forma diferenciada de lidar com os setores. Um deles é a destinação de recursos. O ideal, de acordo com o setor, era que o governo destinasse ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), R$ 40 bilhões para custeio e investimento, ao invés dos R$ 33 bilhões anunciados. Desse total apenas R$ 13,6 bilhões serão destinados a créditos e investimentos. Outros R$ 19 bi continuam destinados ao custeio.
Outro ponto criticado é a política de juros, que trouxe uma redução de 6% na taxa, mas ainda ficou maior do que a taxa Selic anunciada pelo Banco Central, também nesta quarta-feira, que ficou em 2,25% ao ano. A taxa para a agricultura familiar, de acordo com o plano é de 2,75%.
Já para o agronegócio, as taxas caíram de 8% para 6% ao ano - uma queda de 20% nos juros para os grandes produtores.
Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT, também agricultora familiar, considerou o Plano Safra 2020/2021 “perverso porque protege os ricos”, como todas as políticas deste governo. Ela observa que a taxa de juros para o Pronaf é maior até do que a inflação e o ideal, neste momento de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), seria juro zero para o setor poder se manter e se reestabelecer após a pandemia.
“Quem tem mais [o agronegócio] vai ter mais, recebendo incentivos maiores para continuar produzindo e exportar durante a pandemia. Aqueles que produzem para garantir a soberania alimentar são tratados de forma diferenciada”, critica.
Aristides dos Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), afirma que as diferenças entre os setores devem ser levadas em consideração.
A agricultura familiar é responsável por aproximadamente 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros todos os dias. Já agronegócio tem cerca de 67% de sua produção destinada ao cultivo de soja para exportação.
“A Agricultura Familiar é estratégica porque cuida da soberania alimentar do Brasil, enquanto o agronegócio tem foco na exportação do que produz”, diz Aristides.
O dirigente resalta ainda que “pela valorização do dólar e pela própria exportação, o agronegócio continua rentável”, apesar da pandemia. Já a agricultura familiar, foi o setor da agricultura que mais sofreu impactos econômicos desde março. “Muitas feiras e mercados não estão funcionando e mesmo aquelas que funcionam, têm muito menos consumidores”.
E, justamente nesse período, são necessários mais investimentos no setor para que milhões de agricultores familiares continuem produzindo, garantindo assim, não somente trabalho e renda, mas assegurando a distribuição de alimentos no país.
Carmen Foro complementa dizendo que se não houver investimento nesse momento, a produção ficará comprometida, o que pode causar alta de preços em um futuro próximo.
“A gente que é da roça sabe como funciona a vida. Se não planta agora, não come depois. E se não tiver investimento para plantarmos, vai faltar produto e por isso, os preços vão aumentar”.
Além de prejudicar o abastecimento, elevar preços, Carmen ainda destaca a situação difícil pela qual passarão os trabalhadores da agricultura familiar, que dependem desses investimentos. “Terão piores condições de vida se não tiverem trabalho”, ela diz.
O presidente da Contag concorda e acrescenta que “o agricultor precisa do crédito também para recuperar a produção que perdeu por causa da pandemia, além de fazer manutenção da sua propriedade, da lavoura”.
“Em tempos normais, ele conseguiria crédito para aumentar sua produção. Agora precisa de mais dinheiro porque precisou se desfazer do que tinha produzido, por causa da pandemia, ou seja, por não ter conseguido vender. Ele precisa se manter para poder voltar a produzir”.
Plano Safra 2020/2021 não agrada a CONTAG: serão somente R$ 33 bilhões para o Pronaf
Contraf Brasil avalia que em meio a pandemia é preciso ir além do Plano Safra
Marcos Rochinhski, Coordenador Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Contraf-Brasil), afirma que o Plano Safra 2020/2021 é “um processo de requentar planos anteriores, sem considerar que estamos vivendo um momento atípico”.
Ele diz que o Pronaf não atende a uma parcela da agricultura familiar que não consegue acessar crédito e precisa de política pública nessa área. “É uma parcela de trabalhadores mais pobres que não conseguem acessar crédito. Eles precisam de políticas que possibilitem acesso mais desburocratizado”, diz o dirigente.
Rochinski também critica a falta políticas para renegociação de dívidas no Plano Safra. “Considerando o histórico de endividamento, seria fundamental dialogar políticas para isso. O anuncio do plano é insuficiente”.
O dirigente ainda afirma que a entidade pressionará o Congresso Nacional para que sejam votados os mais de 20 projetos de lei em tramitação, que beneficiam o setor. Um deles é o PL 2853/2020, proposto pela própria Contraf-Brasil, que trata do crédito emergencial para agricultores familiares.