Escrito por: Conjur
Trabalhadores foram presos pela suposta prática de crime do colarinho branco mesmo sem antecedentes criminais e colaborando com a Justiça. Prisão contrariou decisão do MPF e causou danos psicológicos aos três
Três agricultores familiares dos municípios de Irati e Inácio Martins — no interior do Paraná — ajuizaram ação contra a União em que pedem indenização por danos morais e materiais sofridos em consequência da chamada operação "agrofantasma", que investigava supostas irregularidades na gestão de recursos e distribuição de produtos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Gelson Luiz de Paula, Nelson José Macarroni e Roberto Carlos dos Santos foram presos em 2013 por decisão do então juiz Sergio Moro, atualmente candidato à Presidência da República pelo Podemos, com a justificativa de que eles estariam envolvidos em "crimes de colarinho branco", mesmo sem nenhum antecedente criminal e com os três colaborando com as investigações. Eles já haviam presidido a Associação dos Grupos de Agricultura Ecológica São Francisco de Assis e tinham rendimentos que variavam de um a dois salários mínimos.
"Esses agricultores sequer tinham entrado em uma delegacia antes e nunca tinham sofrido qualquer indiciamento. O Roberto e o Gelson passaram 48 dias presos e o Nelson ficou 64 dias. Eles tiverem pouco acesso aos seus familiares e tiveram uma série de danos psicológicos como depressão, crises de pânico e ansiedade. Os filhos dos acusados também sofreram bullying na escola", contou a advogada Naiara Bittencourt, que representa os autores.
Ela diz que, além dos danos emocionais e morais, os agricultores também sofreram danos materiais, já que foram presos na época de plantio e perderam toda a safra das culturas de verão. Os contratos da associação com o PAA foram suspensos e alimentos entregues não foram pagos. Um os agricultores, Gelson de Paula, havia sido contratado pela prefeitura de sua cidade como consultor em plantio agroecológico e foi exonerado após a prisão.
A preventiva decretada por Moro contrariou posicionamento do Ministério Público Federal, que recomendou medidas cautelares. "Assim que os policiais chegaram às casas desses agricultores, tiveram acesso a todos os documentos. Esse argumento de que eles estariam envolvidos com crimes do colarinho branco não se aplica a agricultores que ganhavam até dois salários mínimos mensais. Foram presos com base na palavra de uma única testemunha que disse que eles pediam que assinassem recibos ao receberem os alimentos. Só que é assim que funciona o programa", afirma a advogada.
Os três agricultores foram presos por policiais fortemente armados e um deles ficou algemado pela cintura, com algemas no cinto. "Os policiais perguntavam se esses agricultores tinham iates, barcos de luxo, dólares guardados", lembra ela.
Na sentença do último processo da "agrofantasma" — expedida em fevereiro de 2017 —, a juíza Gabriela Hardt afirmou que não "restou comprovada a materialidade dos crimes narrados na denúncia, sendo a absolvição dos acusados medida que se impõe". A tal operação terminou com todos os acusados absolvidos. O MPF não recorreu de nenhuma decisão e em suas alegações finais pediu absolvição com o argumento de que não restou comprovado prejuízo patrimonial à entidade pública federal.
De 2013 até 2017, contudo, os acusados arcaram com todo o ônus social nas cidades em que vivem. Um deles chegou a ser impedido de frequentar a igreja. A prisão dos acusados teve grande apelo midiático — um dos textos veiculados pela imprensa afirma que os agricultores "tiravam comida da boca de crianças".