Escrito por: Nara Lacerda, BdF (SP)

Ajuste fiscal de Bolsonaro aumentou as desigualdades e injustiça social, diz Inesc

Relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos mostra que a condução política e econômica do país ao longo do governo Bolsonaro deixou marcas negativas profundas, que levarão tempo para ser superadas

Roberto Parizotti (Sapão)
Moradora em situação de rua pede doações na capital de São Paulo

O Balanço do Orçamento Geral da União (BGU) 2022 explicita que o ajuste fiscal imposto nos últimos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), não trouxe a recuperação da economia e, para piorar, aumentou as desigualdades e injustiça social.

Com o estado subfinanciado, os juros altos e a austeridade, a gestão conservadora deixou de herança “um quadro devastador para a população brasileira”. O documento confirma o cenário de desmonte, que já vinha sendo denunciado por movimentos populares e pela sociedade civil durante toda a gestão de extrema direita.

De acordo com o levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), foram identificados quatro movimentos articulados para que a tragédia fosse colocada em prática. O primeiro deles, foi a desestruturação do Executivo Federal, “entregue a forças privatizantes ou fundamentalistas”.

A lista segue com apontamentos graves, como a percepção de que a gestão bolsonarista atuou para "eliminação física daquelas pessoas, das comunidades e dos povos que não interessam ao projeto fascista e à sua base política”.

Por fim, a relação cita a drenagem de recursos orçamentários para alimentar as eleições dos aliados e a incompetência e presença de equipes totalmente despreparadas para os cargos que ocuparam.

Na análise do Inesc, o superávit primário de R$ 54 bilhões registrado em 2022, último ano do governo de Bolsonaro, foi alcançado “à custa das mortes por covid-19, da fome, da pobreza e do desemprego.” A conclusão é de que o índice expressa a “perversidade” colocada em prática.

A economista Nathalie Beghin, Integrante do Colegiado de Gestão do Inesc, afirma que a austeridade, aliada a ações explícitas de desprezo aos direitos humanos e ao meio ambiente, diferencia a gestão bolsonarista de outros momentos políticos da redemocratização também marcados pela austeridade.

“O desmonte operado expressa um profundo desprezo pela vida. Entendemos que Bolsonaro e sua equipe praticaram uma verdadeira política de morte. Não é por acaso que mais de 700 mil morreram em decorrência da covid-19. Talvez uma das expressões mais perversas disso tudo é que a gestão Bolsonaro não gastou R$ 159 bilhões autorizados pelo Congresso para enfrentar a covid. É uma expressão numérica da irresponsabilidade do descaso e da política de morte praticada pelo governo Bolsonaro."

Os números da perversidade

O balanço traz outros dados e comparações que expressam numericamente onde estavam as prioridades da gestão conservadora e o tamanho dos prejuízos causados ao Brasil nos últimos quatro anos.

Um exemplo, o orçamento secreto destinado a parlamentares que apoiavam Bolsonaro foi de R$ 11,2 bilhões entre 2020 e 2022 em média. O valor é três vezes maior do que tudo o que o governo gastou em alimentação escolar.

Mesmo durante a pior crise sanitária da nossa História, Bolsonaro diminuiu o orçamento da saúde em 8%, tirando R$ 12 bilhões da área. Quase R$ 160 bilhões, autorizados pelo Congresso Nacional para políticas ao longo da pandemia não foram usados pela gestão, enquanto o Brasil via aumentar a falta de emprego, renda e alimentação para uma parcela considerável da população.

Na educação, os recursos caíram de R$ 131 bilhões em 2019 para R$ 127 bilhões em 2022. As creches tiveram 60% menos verba. No ensino superior o investimento caiu 18% em termos reais e houve um esforço explícito de desfinanciamento das pesquisas. Somente na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a execução financeira despencou quase 40%.

A austeridade e a falta de compromisso com os direitos humanos agravaram a déficit de moradia, setor que perdeu 37% da execução financeira nos quatro anos do governo de Bolsonaro. Ao longo da gestão, os recursos para o transporte coletivo público também foram ladeira abaixo, com uma queda de 65%.

Fome

Os prejuízos se acumulam em todas as áreas. No combate à fome, que cresceu significativamente no governo de Bolsonaro, a falta de investimentos explica muito da situação. Ao fim da gestão, o Brasil contabilizava mais de 30 milhões de pessoas em insegurança alimentar, o que não acontecia desde a década de 1990. Jair Bolsonaro não implementou medidas específicas para o tema.

Além disso, políticas voltadas às populações que mais sofrem com a fome foram esvaziadas. O desmonte nas ações voltadas a mães e gestantes, crianças a adolescentes, povos tradicionais, comunidades periféricas e famílias agricultoras teve impacto direto no aumento da fome.

Nathalie Beghin, pontua que o enfrentamento do problema exige uma abordagem ampla, com envolvimento de diversas áreas. Além do comprometimento com recursos, é preciso garantir acesso à renda, fortalecer a agricultura familiar, e recriar redes de apoio, com restaurantes e cozinhas populares .

“Se queremos enfrentar os enormes problemas sociais que o Brasil já tinha e que foram agravados pela gestão Bolsonaro, precisamos de recursos e não é pouca coisa. Precisamos de muito recurso”, alerta ela.

Futuro

Para se recuperar do prejuízo, as áreas desmontadas vão precisar de mais investimentos. O BGU aponta a Emenda Constitucional (EC) nº 126/2022 como uma sinalização positiva de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pensa assim.

O texto, que ficou conhecido como PEC da Transição durante a tramitação no Congresso, aumentou o orçamento de 2023 em R$ 145 bilhões e retirou programas como o Bolsa Família do teto de gastos. “Não é muito, diante do enorme déficit social que caracteriza o País, mas é um começo para retomar as políticas públicas”, avalia o relatório do Inesc.

Mas esse não é o único desafio. O balanço afirma ainda que o país precisa superar a visão econômica predominante focada em corte de gastos públicos, juros altos, regras fiscais restritivas e tributação injusta, que reforça as desigualdades. Segundo Beghin a velocidade de recuperação vai depender da quantidade de recursos alocados no orçamento.

“Em relação aos retrocessos ocorridos no governo Bolsonaro, eles são profundos e certamente suas consequências irão muito além de um mandato presidencial. Para que os serviços possam ser prestados adequadamente, é preciso recursos para realizá-los, mas também equipes competentes para executá-los. Se as medidas de austeridade continuarem, a velocidade de recuperação será muito mais lenta do que o desejado.”

O BGU traz um conjunto de medidas para cada uma das áreas analisadas e que são consideradas prioritárias na superação do desmonte. Elas envolvem recomposição orçamentária, planejamento, participação social e popular e o fim do teto de gastos.

 

* manchete do BdF modificada pelo PortalCUT