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Alta de furtos de alimentos pode ter relação com aumento da fome

Não há comprovação, mas a fome que afeta mais de 33 milhões de pessoas no país pode estar por trás do aumento dos casos do chamado furto famélico em mercados, bares e armazéns, sugere advogado

Publicado: 23 Agosto, 2022 - 09h24

Escrito por: RBA

Rovena Rosa/Agência Brasil
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O agravamento da crise econômica e da fome, que afeta mais de 33 milhões de pessoas no país, pode estar por trás do aumento dos casos de furto de alimentos, o chamado furto famélico. O fenômeno que salta aos olhos quase que diariamente por meio das páginas policiais, no entanto, ainda não está quantificado nem qualificado em dados estatísticos no âmbito nacional. A provável relação é apontada pelo advogado especialista em políticas públicas de direitos humanos e segurança pública pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Ariel de Castro Alves, para quem é nítida a percepção sobre o aumento desse tipo de furto em mercados, bares e armazéns.

Outro aspecto grave, segundo ele, é que embora a Constituição Federal e a legislação penal já prevêem a individualização das condutas e penas, promotores e juízes pouco levam isso em consideração. Ou seja, em casos de furtos de alimentos, muitas vezes até vencidos, que iriam para o lixo, os autores são tratados pela Justiça como se fossem bandidos perigosos e armados que assaltaram um banco.

“Promotores e juízes sequer concedem, em alguns casos, a possibilidade dos acusados responderem os processos em liberdade, principalmente quando são moradores de rua. Nestes casos, muitos promotores e juízes entendem que não possuem ‘residência fixa’ e resolvem mantê-los presos por furto, o que jamais deveria ocorrer já que é crime de menor potencial ofensivo, sem violência ou grave ameaça”, disse. “Por isso a necessidade de termos equipes técnicas que elaborem relatórios individualizados, levando em conta as causas do crime, para que as decisões judiciais sejam mais justas e adequadas.

Essa “posição criminalizadora da pobreza” que a maioria dos promotores e juízes acaba tendo em casos assim, segundo Ariel, reflete a origem elitista do Direito. “O perfil dos operadores do Direito, principalmente de promotores e juízes, é de pessoas que sempre viveram numa ‘bolha’, com toda proteção familiar, econômica, social e estatal. Aí criminalizam os pobres e não possuem, na maioria dos casos, o mínimo de sensibilidade social e humana”.

Aumento da fome e das prisões por roubo de alimentos

Além disso, segundo ele, a formação acadêmica também precisa ser aprimorada. “As faculdades de Direito também são responsáveis por formarem profissionais sem visão e conhecimento da realidade social, de direitos humanos e cidadania. Esses temas não fazem parte dos currículos da maioria das faculdades”.

Levantamento da Defensoria Pública da Bahia, divulgada em março, dá uma ideia dessa “posição criminalizadora” a que ele se refere. O número de prisões por furtos famélicos praticamente dobrou no período de 2017 a 2021, em comparação ao número de furtos gerais. Subiram de 11,5% para 20,25%.

Nesse período, foram registrados 287 casos de pessoas como Patrícia, que perdeu o emprego, foi parar na rua, grávida, com três filhos, e viu na desobediência à lei penal a única saída para alimentá-los. Segundo lembra a Defensoria, coincidência outro número que quase dobrou, de 2018 para 2020, foi o de pessoas passando fome no país.

Estudo divulgado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar mostrou que a insegurança alimentar grave afetou 9% da população em 2020 – 19 milhões de brasileiros. Em 2018, eram 10,3 milhões. Dos 287 casos, 25 foram mantidas em cárcere pela Justiça, mas as demais pessoas tiveram as prisões flexibilizadas para responder em liberdade ao processo. Em 2019, a Defensoria da Bahia conseguiu na Justiça a absolvição de duas jovens que haviam furtado miojo, desodorante e pastilhas. Para isso os defensores invocaram o princípio legal da insignificância (ou princípio da bagatela), que assegura que pessoas que praticaram infrações penais leves não sejam julgadas de maneira desproporcional.