Escrito por: Andre Accarini
Gás de cozinha já subiu 57% durante o governo Bolsonaro e chega a R$ 125 em alguns locais. Reajustes sucessivos, altos preços dos alimentos e das contas de luz estão acabando com as esperanças de brasileiros
No Brasil governado por Jair Bolsonaro (ex-PSL), para o trabalhador, em especial o mais pobre, não há nada ruim que não possa piorar. E assim foi o começo desta semana com o novo preço do gás de cozinha (GLP), que aumentou 5,9% nas refinarias. O preço, que deve chegar a R$ 125 em alguns locais do Brasil, torna ainda mais difícil a vida de milhões de brasileiros e brasileiras, que enfrentam também o desemprego e a alta nos preços dos alimentos e das contas de luz.
A manicure Fernanda da Silva Pires de 43 anos, moradora do Grajaú, Zona Sul de São Paulo, é uma dessas brasileiras. Com 43 anos, ela cuida sozinha do filho de seis anos de idade, mora nos fundos da casa de sua mãe, e com os cerca de R$ 500 de renda que consegue “em meses bons”, vê a condição de vida definhar a cada mês.
“Sobrar dinheiro para poder sobreviver é difícil. Aumentou o gás agora. Mas o preço do arroz, do óleo, da comida em geral, também. Tudo aumentou. Até os materiais que uso no trabalho. Uma caixinha de luvas que custava R$ 20, agora tá R$ 65”, diz Nandinha, como é conhecida na comunidade, sobre o alto custo de vida.
“Um mês eu compro comida, outro mês o gás, outro mês o material que uso no trabalho e vou me policiando para economizar em tudo. No fim, a gente fica sem esperança porque quer dar também um mínimo de agrado para o filho e não pode”, ela lamenta.
Mas essa realidade – e a de outros tantos milhões de brasileiros – poderia ser menos dura se a política praticada pelo governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, fosse voltada às reais necessidades da população brasileira.
A dupla não cumpre o que foi prometido ainda na campanha para as eleições de 2018, no caso do gás, o preço a R$ 35. A quem acreditou nessa promessa, a notícia é a de que o aumento já soma 57%. É o 14° reajuste consecutivo desde que o capitão reformado assumiu o poder em 2019.
Só este ano, a Petrobras já elevou o preço do gás de cozinha cinco vezes. Foram 6% em janeiro; 5,1% em fevereiro; 1,24% em março; e 5% em abril. O resultado é um preço final que, em muitas regiões, já ultrapassa R$ 125, caso de cidades do Centro-Oeste, de acordo com levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
O aumento é cinco vezes maior do que a inflação acumulada em 12 meses. Em um ano, o reajuste do gás acumulou 17,25% e o indicador de inflação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou em 3,5% no mesmo período.
E é justamente essa disparidade que sentem os trabalhadores mais pobres, penalizados pelo desemprego, a falta de renda ou mesmo a insuficiência do auxílio-emergencial, nos casos de quem conseguiu se manter no programa este ano - cerca de 30 milhões de brasileiros foram excluídos – e passou a receber entre R$ 150 e R$ 375. O valor do benefício aprovado no Congresso Nacional para ser pago a trabalhadores e trabalhadoras informais e desempregados durante a pandemia era de R$ 600. Em setembro, quando foi ampliar o pagamento até dezembro, Bolsonaro baixou o valor para R$ 300. Este ano, depois de três meses sem pagar, baixou mais ainda.
Fernanda precisou do auxílio e sabe como essa redução prejudica o pequeno orçamento da família. “No ano passado, os R$ 600, deu para ajudar um pouco. Esse ano, o valor é simplesmente vergonhoso. Não tenho nem palavras para descrever”, reclama.
A maioria dos beneficiários recebe os menores valores e, neste caso, levando em consideração a média de R$ 100 por botijão de gás, sobram R$ 50 por mês para comprar a comida, ou seja, para ter o que cozinhar com o gás. No caso de regiões onde a população paga preços ainda mais altos, como no Centro-Oeste, em que o gás chega aos R$ 125, sobram apenas R$ 25 – quase o preço de um pacote de arroz.
Veja aqui o preço médio dos botijões de gás de 13kg nas capitais brasileiras
O economista da subseção do Dieese na Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Cararine, explica que o impacto do aumento dos preços dos combustíveis na vida dos brasileiros está aliado a outros fatores.
“Antes da pandemia, já estávamos em uma situação de fragilidade não só por causa da economia. A reforma Trabalhista de 2017 diminuiu ainda mais a renda dos trabalhadores. Veio a pandemia e tudo piorou”, diz o economista.
O isolamento social exigiu um ajuda aos trabalhadores, como auxilio emergencial que depois de uma articulação dos movimentos populares, começou a ser pago no ano passado. Mas, conforme explica o economista, a interrupção do programa no início deste ano, colocou de volta as pessoas nas ruas atrás de trabalho e renda.
“Pessoas ficaram sem dinheiro e quando conseguiram trabalho, a renda, em geral foi menor. Ao mesmo tempo, aumentou a inflação, os preços nos supermercados, a energia elétrica, o preço do gás, tudo torna a vida mais difícil”, diz Cloviomar.
E a causa desse impacto tem nome e sobrenome. O governo federal, com Bolsonaro, não tem políticas efetivas para mudar essa realidade. Tornar o país mais desigual é projeto do governo, ele afirma.
As pessoas estão passando fome para sustentar os acionistas da Petrobras e quando o brasileiro mais pobre perde renda, não lhe resta mais nada. Sem políticas públicas, sem nenhum auxilio, ele perde a possiblidade de ter o que comer- Cloviomar Cararine
O economista alerta ainda que o governo não atenta para o detalhe de que a grande massa desses trabalhadores é o segmento que sustenta a maior parte da economia brasileira.
Lembra de quando o ex-presidente Lula falava em incluir o pobre no orçamento?
Era justamente essa a condução da política econômica que deu poder de compra aos trabalhadores de baixa renda, que passaram a consumir mais. Maior consumo, maior produção, o que resulta em mais empregos e mais renda. Com mais renda, mais consumo. E assim a roda girou fazendo com que o país não sofresse as consequências da crise econômica mundial de 2008.
Nos tempos dos governos Lula e Dilma Rousseff, do PT, a variação dos valores dos combustíveis seguia um cálculo baseado em vários fatores que possibilitavam um controle maior dos preços. Além disso a política voltada ao desenvolvimento com geração e emprego e renda elevou o padrão de vida e o poder de compra dos brasileiros.
O resultado prático era emprego, salário e comida na mesa e combustíveis, inclusive o gás de cozinha, com preços menores do que os praticados atualmente. Entre janeiro de 2003 e agosto de 2015 (governos petistas), o valor do botijão de 13 kg do gás residencial ficou congelado em R$ 13,51 nas refinarias da Petrobras. Hoje ultrapassa os R$ 44.
A atual gestão da Petrobras insiste em manter o Preço de Paridade de Importação (PPI), nome dado à política que faz os preços no Brasil acompanharem o mercado internacional. Quando Sérgio Gabrielli presidiu a estatal, durante o governo Lula, o método era outro. Considerava a organização do mercado, a distribuição, a demanda por importação e as particularidades do mercado interno, como oferta e procura, além da concorrência entre distribuidoras.
A variação cambial e o preço internacional também eram considerados, mas não eram determinantes como nos dias atuais.
Desta forma, os ex-presidentes Lula e Dilma não repassaram as variações do mercado internacional, naquela época, para a população. Foi uma forma de preservar a condição dos mais pobres, que dependem do botijão para cozinhar. Cerca de 98% dos domicílios do país utilizam o botijão de gás.
Em uma prova de que governos e lideranças progressistas são aqueles que, de fato, têm o olhar voltado para o social, petroleiros têm feito ações solidárias durante manifestações, subsidiando o preço do gás e vendendo botijões a R$ 50 para os mais vulneráveis.
O petroleiro Roni Barbosa, secretário de Comunicação da CUT, explica que as ações tiveram fundamentalmente dois objetivos. Um, a solidariedade com as famílias mais pobres e, portanto, mais impactadas pela pandemia. Outro, mostrar que o gás pode – novamente – ser mais barato.
“A FUP está sendo solidária com as famílias e com os trabalhadores. Só no Paraná foram distribuídas mais de duas mil cargas de gás na pandemia”, diz o dirigente.
“O Brasil produz petróleo e têm refinarias”, diz, comprovando que os preços podem ser mais baratos. “Não precisa praticar preços de acordo com o mercado internacional, até porque o GLP representa apenas 2% do faturamento da estatal. A FUP prova isso – que o Brasil tem um governo genocida que incentiva mortes e não se preocupa com o povo brasileiro”, complementa.
Em abril deste ano, a FUP fez mais uma dessas ações solidárias, vendendo o botijão mais barato – a R$ 40 – em parceria com a Central de Movimentos Populares (CMP). A ação aconteceu em 11 cidades brasileiras.
“É a esquerda brasileira, os movimentos sociais, que se realmente se preocupam com as pessoas, com a realidade delas. Se preocupam com a sobrevivência dos trabalhadores”, diz o coordenador da CMP, Raimundo Bonfim.
“A gente consegue diferenciar, inclusive, caridade de solidariedade. A burguesia, em momentos como o que passamos, de catástrofe, faz caridade. Pegam um pouquinho do lucro pra dar aos pobres. Já a classe trabalhadora tem uma visão humanitária. Ficamos indignados com tamanha miséria. Queremos condições justas para todos”, diz Raimundo, completando que as ações têm ainda o caráter de denúncia da política de Bolsonaro
No Congresso também há luta por preços mais justos. A Deputada Federal pelo Paraná e presidenta do PT, Gleisi Hoffman, afirma que o Brasil tem condições de oferecer um gás de cozinha mais barato à população e o “governo Bolsonaro não faz isso para não mexer com os interesses de quem lucra com o gás de cozinha mais caro”.
A parlamentar é autora de um projeto de lei que tramita na Câmara, que estabelece um valor máximo de R$ 49 para o botijão de 13kg e determina a fiscalização dos preços junto às distribuidoras pela Agência Nacional do Petróleo.