Alunos ocupam PUC-SP pela efetivação de docente negra e denunciam racismo
Desrespeito a cotas na contratação de professores é recorrente na graduação e pós graduação das universidades
Publicado: 24 Maio, 2018 - 09h46 | Última modificação: 24 Maio, 2018 - 10h01
Escrito por: Camila Salmazio Brasil de Fato |
Divulgação
Desde terça-feira (22), alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) ocupam dois prédios no campus Perdizes, na zona oeste da capital paulista, para garantir a contratação efetiva da professora Márcia Eurico e pelo cumprimento das cotas raciais entre os docentes da graduação e da pós-graduação na universidade.
No curso de serviço social PUC-SP, Márcia é a única negra entre 11 docentes, e hoje ocupa o cargo de forma provisória, em substituição a outra professora que está afastada por questões médicas.
“Não posso pensar num curso de serviço social, onde a maioria das pessoas que são atendidas são negras, e não se discute raça”, expressa Naomi Quirino, estudante do curso de Relações Internacionais e a única negra da sala que tem cerca de 60 alunos. Ela é uma das estudantes que permanece mobilizada em defesa de uma universidade antirracista.
A efetivação de negros e negras no corpo docente é uma ação afirmativa que traria mais pluralidade para a universidade que tem, historicamente, a presença apenas de brancos. Essa é a avaliação de Maria Gabriela, estudante do serviço social e uma das representantes da ocupação.
“A representatividade e a permanência de docentes negros é muito importante porque eles precisam desse espaço e a gente sabe que eles são tão capacitados quanto os docentes brancos, que são predominantes em todas as universidades.”
Problema recorrente
O caso da PUC-SP não é um episódio isolado na comunidade acadêmica. O professor Denis Oliveira, chefe do Departamento do Jornalismo da USP, é um dos únicos negros a ocupar esse cargo entre as universidades brasileiras. Ele ressalta que a maioria dos processos seletivos de docentes na graduação e pós-graduação é feito pelos próprios professores, o que evidencia as raízes do racismo na estrutura acadêmica.
“Há uma dificuldade muito grande até agora de implantar as cotas raciais na pós-graduação, porque a seleção para ingresso é feita pelo próprio corpo docente do programa de pós. Ele que elabora a prova, o corpo docente que faz as entrevistas, a seleção. O mesmo acontece em concursos públicos para docentes, tanto que as bancas de seleção são formadas por professores da universidade ou externos. Aí você já está evidenciando justamento o preconceito e o racismo no corpo docente”, conta.
Em 2014, o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei 12.990, que estabelece 20% das vagas em concursos públicos para profissionais negros. No último concurso para docentes da UFRJ, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizado em maio desse ano, a lei de cotas foi burlada através de uma resolução interna da própria universidade.
O concurso era destinado a preencher três vagas no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, mas nenhuma delas foi ocupada por negros ou negras, mesmo com a presença desses profissionais no processo seletivo.
“O caso do Rio de Janeiro é ilustrativo. Mesmo tendo uma norma, uma lei, a banca se sentiu tranquila para poder desobedecer. Como há uma resistência muito forte no campo acadêmico e intelectual em admitir que há preconceito e racismo, e admitir, inclusive, ter que abrir mão dos privilégios”, destaca Oliveira.
Outro lado
Em nota a PUC-SP afirmou que “reconhece a necessidade de diversificação e mudança do perfil do quadro docente da Universidade” e que está em fase de elaboração de uma política étnico-racial para a contratação de professores.
Em relação à contratação efetiva da professora Márcia Eurico, a Reitoria da PUC-SP informou que a decisão cabe aos Departamentos de Fundamentos do Serviço Social e de Política Social e Gestão Social, de acordo com o que está previsto no Estatuto da Universidade, e que espera que o caso chegue à melhor conclusão.