Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA

Ambiente, cultura e juventude também são pautas sindicais

“No último período a gente foi pautado. Qual a nossa bandeira?”, questiona Moisés Selerges. Um desafio, lembra, é discutir o “novo mundo do trabalho”

Adonis Guerra/SMABC

Períodos históricos são bem mais extensos, mas Moisés Selerges foi admitido na Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo, em outubro de 1985, aos 19 anos, entre dois momentos marcantes – por razões diversas – para os metalúrgicos do ABC. Dez anos antes, em abril de 1975, tomava posse no então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema o presidente Luiz Inácio da Silva, ferramenteiro da Villares conhecido como Lula. Dez anos depois, em meados da década de 1990, o sindicato passou a enfrentar um fenômeno menos palpável que a repressão política e policial: a chamada reestruturação produtiva nas fábricas.

Moisés lembra da origem desse debate na Mercedes. “A gente vai entrar (na discussão com a empresa) ou meter o pé?”, se perguntavam os trabalhadores. “Era melhor entrar e influenciar no processo de mudança”, diz o novo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, que tomou posse há 15 dias.

E as horas extras?

Antes disso e antes da Mercedes, o adolescente Moisés começou a conviver com a exploração no mundo do trabalho na Tratec, metalúrgica no Bosque da Saúde, zona sul de São Paulo. O dono, seu Milton, sempre pedia que eles ficassem até mais tarde, mas não pagava hora extra, inclusive em fim de semana. Um dia, resolveram bater o pé:

– Seu Milton, a gente não vai trabalhar não.

– Vocês estão dizendo que ‘tão’ de greve?

Se era greve ou não, Moisés não sabia, só queria receber suas horas extras. O patrão pressionou, a maioria voltou ao trabalho. Ele, o irmão e mais um funcionário foram demitidos. Depois, ele chegou na Mercedes, pintando quadro de chassis na linha de montagem. Chegou à comissão de fábrica – de início, meio empurrado – e assim começou a militância sindical. Lembra de alguns companheiros de Mercedes, como Bezerrinha, que hoje mora no Ceará, Silvio Santos e Zé do Mato, atualmente em São Vicente (SP). “Nessa trajetória tem algumas pessoas que foram fundamentais. As gerações que me antecederam foram importantes na minha formação, assim como eu vou ser importante nas gerações que vão me suceder lá na frente. Escola nós temos.” Ele também lembra que isso independe do local: “Não preciso estar no sindicato, na CUT, em Brasília, para fazer política”.

Ex futuro jogador

A história também poderia ser diferente. Em junho de 1977, o garoto se preparou para um teste na Portuguesa, time da capital. Ele lembra de uma música do grupo Skank: “Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. Mas um grave acidente automobilístico, naquele mesmo dia, terminou com uma fratura no fêmur e o fim do sonho. Continuou gostando de futebol, mas como torcedor: Moisés é o primeiro presidente metalúrgico são-paulino no ABC, pelo menos desde Lula (1975-1981). Já até colocou uma faixa tricolor na cadeira. Consta que, no dia da posse, o corintiano Lula, amigo do novo presidente, olhou meio de lado.

A expectativa de eleição de Lula em outubro faz com que o movimento sindical acredite em novo espaço de diálogo para um pauta de desenvolvimento. “Não existe uma política para a indústria neste país. O Brasil não pode ser só um país que planta soja”, diz Moisés. “Queremos uma indústria que respeite o meio ambiente, que tenha conteúdo local, faça investimento em tecnologia, pesquisa. É urgente. Pega o caso da pandemia: não tinha um respirador.”

Da mesma forma, é preciso discutir as transformações no mundo do trabalho. Aquilo que, por exemplo, Moisés chama de capitalismo de plataforma, o trabalho por meio de aplicativos. “A gente tem que discutir como regulamentar isso. Tem que ter uma legislação. Não é CLT? Então, o que é?”