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Aos 90 anos, morre símbolo da luta contra o apartheid, Desmond Tutu

Religioso na África do Sul lutava contra um câncer de próstata desde o final dos anos 1990 e teve seu estado de saúde agravado nos últimos tempos

Publicado: 27 Dezembro, 2021 - 09h13

Escrito por: Redação Opera Mundi

Llywodraeth Cymru/Flickr
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Símbolo contra o apartheid e prêmio Nobel da Paz, o arcebispo sul-africano Desmond Tutu morreu neste domingo (26), aos 90 anos. O religioso lutava contra um câncer de próstata desde o final dos anos 90 e, nos últimos tempos, seu estado de saúde se agravou.

Em comunicado, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, expressou tristeza e saudou a “inteligência extraordinária” de Desmond Tutu, “uma figura essencial da história do país”, que fez parte de uma geração de cidadãos que libertaram a África do Sul do apartheid”. O chefe de Estado também lembrou a luta do religioso “pelos oprimidos do mundo inteiro”.

“The Arch“, como era carinhosamente chamado pela população, foi o primeiro arcebispo negro da igreja anglicana na África do Sul. Ele ficou célebre no país na época em que era padre e liderou a resistência durante os piores momentos do apartheid. Corajoso e incansável, ele organizou marchas pacíficas contra a segregação e denunciou o regime racista de Pretória, exigindo sanções internacionais.

Seu combate não-violento lhe valeu o prêmio Nobel da Paz, em 1984. Após a instituição da democracia na África do Sul, em 1994, e a eleição de Nelson Mandela, de quem era amigo, Tutu liderou a Comissão da Verdade de Reconciliação, com o objetivo de virar a página do ódio racial no país.

Na instituição, ele coordenou as investigações sobre as violações dos direitos humanos cometidas entre março de 1960 e dezembro de 1993. A comissão conseguiu realizar um minucioso trabalho de recolhimento de depoimentos e dados sobre os massacres cometidos pelo regime racista. No entanto, um comitê especial encarregado de anistias permitiu a troca de informações pelo perdão a alguns autores das atrocidades, o que gerou uma enxurrada de críticas da comunidade negra contra Tutu.

O arcebispo estava enfraquecido há vários meses, após décadas de luta contra o câncer. Ele não se pronunciava mais publicamente, mas sempre saudava as mídias durante seus deslocamentos, como no evento religioso que celebrou seus 90 anos na Cidade do Cabo, em outubro, ou quando foi a um hospital recentemente se vacinar contra a covid-19.

Crítico à corrupção e defensor da morte assistida

Fiel a seus compromissos, Desmond Tutu foi um duro crítico dos sucessivos governos do Congresso Nacional Africano (ANC na sigla em inglês), movimento e partido que lutou contra o apartheid antes de chegar ao poder. Também criticou o ex-presidente Thabo Mbeki, assim como a corrupção e as falhas na luta contra a Aids.

Em todas as áreas criticou o “status quo” sobre a questão racial, direitos dos homossexuais e injustiças. Tutu também foi um grande apoiador do movimento a favor da morte assistida e nunca escondeu que, quando decidisse, encararia o momento de frente.

“Eu me preparei para minha morte e deixei claro que não desejo ser mantido vivo a qualquer custo”, afirmou em um artigo publicado no jornal The Washington Post em 2016. “Espero ser tratado com compaixão e ter permissão para passar à próxima fase da jornada da vida da maneira que escolhi”, completou.

Onda de comoção

A morte de Tutu gerou uma onda de comoção no país. A Fundação Mandela classificou o falecimento do religioso como “imensurável”. “Ele era maior do que a natureza (…), um ser humano extraordinário. Um pensador. Um líder. Um pastor”.

Em sinal de luto, os jogadores sul-africanos de cricket utilizaram uma braçadeira preta no primeiro dia do campeonato da modalidade. “Choramos sua morte”, reagiu o arcebispo angliano do Cabo, Thabo Makgoba. “Como cristãos e fiéis, devemos celebrar a vida de um homem profundamente espiritual”, reiterou.

Após o presidente sul-africano, o primeiro líder a reagir sobre a morte de Tutu foi o premiê britânico Boris Johnson. No Twitter, ele se disse “profundamente entristecido”. “Vamos lembrar dele por sua liderança espiritual e seu bom humor inabalável”, escreveu.

Quase meio século de opressão

A história do apartheid na África do Sul foi escrita progressivamente a partir de 1948 após a chegada ao poder do Partido Nacional. Com um aparato de novas leis, um Estado racista e segregacionista foi construído, reagrupando as populações não-brancas (negros, indígenas e mestiços) em função da raça. Locais de residência, circulação de pessoas, casamentos: tudo passou a ser regido por textos escritos especialmente para priorizar a dominação de brancos.

As leis que permitiram a segregação racial durante mais de quatro décadas na África do Sul foram revogadas em 30 de junho de 1991. Essa foi a primeira etapa para o fim definitivo do apartheid, consolidado nas urnas em abril de 1994, com a vitória de Nelson Mandela.