Escrito por: Rafael Tatemoto, Brasil de Fato
Em entrevista, defensora na capital do país aponta resistência do Judiciário em aplicar prisão domiciliar
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em fevereiro deste ano, no julgamento de um habeas corpus coletivo, que a prisão domiciliar fosse concedida a grávidas e mães de menores de 12 anos encarceradas em situação provisória. Caberia aos juízes responsáveis por cada processo analisar espontaneamente, dentro de um prazo determinado, casos enquadrados na decisão para conceder o regime mais benéfico.
O prazo está chegando ao fim e nem todas mulheres que se enquadram na posição do Supremo conseguiram deixar o cárcere. Ainda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não tenha dados atualizados sobre essa questão, o Brasil de Fato entrevistou a defensora Karoline Leal, integrante do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Distrito Federal, que apontou a existência de grávidas ainda presas na capital do país.
Para ela, há um “conservadorismo muito grande” por parte dos juízes e “um viés para o encarceramento” que são obstáculos para que a decisão do STF seja cumprida. Confira a entrevista abaixo.
Brasil de Fato - A Defensoria tem notícia sobre grávidas ou mães de menores de 12 anos que ainda estão presas provisoriamente após a decisão do STF sobre o habeas corpus coletivo?
Karoline Leal - Eu recebi um relatório com dados do dia 8 [de maio]. São 11 mulheres grávidas. As que têm filhos menores de 12 anos são 95. Todas provisórias.
O que impede a aplicação da posição do Supremo nesses casos?
Eu acredito que existe um conservadorismo muito grande por parte do Judiciário. A decisão do Supremo determinou que em 60 dias os tribunais analisassem de ofício. Ou seja, que espontaneamente revissem os casos e verificassem a possibilidade de prisão domiciliar. Nós temos visto uma movimentação pequena por parte dos juízes. Um número de liberações muito baixo. Há uma dificuldade muito grande dos juízes em compreender a gravidade da situação e o grau da violação de direitos que está acontecendo. O Núcleo de Direitos Humanos está desapontado com o baixo número de deferimentos de prisão domiciliar.
Mesmo que não haja espontaneidade dos juízes, que argumento utilizam quando são questionados pela defesa?
Os juízes fazem, ou dizem que fazem, uma reanálise. O problema é que não adentram na questão do direito da mulher, não incursionam nos direitos da criança. Verificam só o fato [pelo qual são acusadas] em si, não fazendo a análise conjuntural. É possível perceber um viés nos juízes para o encarceramento. Para eles, é difícil mudar a questão de ofício e liberar a mulher.
Os casos em que a mulher acabou conseguindo prisão domiciliar, eram casos, por exemplo, de rés primárias, sendo que a decisão [do STF] não condiciona à primariedade. As decisões citavam também residência fixa –e o Supremo também não criou esse condicionante. Não conhecemos nenhuma de ofício, todas que tivemos notícia foram a pedido da parte. O que os juízes estão fazendo, aqueles que estão reexaminando, é utilizar os mesmos requisitos para prender, normalmente a "garantia da ordem pública", para mantê-las presas.
Você tem alguma ideia de como está essa situação nos outros estados?
Tudo que já conversei foi de forma informal. Não tive acesso a dados. Mas a troca de informações foi nesse sentido: da dificuldades dos juízes em reverem de ofício e em concederem prisão domiciliar.
Em termos de infraestrutura, como é a condição das mulheres encarceradas no DF?
As condições não são aberrantes, mas não estão completamente adequadas. Nós recentemente fizemos uma nova inspeção no presídio feminino. De forma geral, as condições não são tão ruins, porque acabamos comparando com o masculino, que vive um caos completo. Mas está longe de ser o adequado: na área das gestantes, onde ficam também os bebês, há grades. Há uma série de violações de direitos.
Após o prazo do STF, a Defensoria pretende tomar alguma medida caso não sejam concedidas as prisões domiciliares?
A decisão do Supremo, contado 60 dias da publicação, o prazo findaria em 19 de maio. Até essa data, os juízes têm essa possibilidade. O que a Defensoria Pública do DF pretende fazer é oficiar o Tribunal de Justiça para saber o que tem sido feito. Se depois dessa data não for realizada, se houver um número grande de mulheres em que não houve essa reanálise, nós iremos estudar a viabilidade de um habeas corpus coletivo aqui no próprio Tribunal de Justiça.