Escrito por: André Accarini
Para pesquisadora da USP, Sylvia Hartmann, o problema é que as empresas brasileiras têm a mentalidade de manter um arcaico controle sobre os trabalhadores
O trabalho remoto é preferido por grande parte dos trabalhadores, ainda que os números de vagas oferecidas em agências de emprego representem apenas 8% do total e de poucos terem acesso ou possiblidade de desempenhar suas funções em casa.
O fato é que o home office é uma tendência para um futuro próximo e é preciso debater como ampliar esse modelo de relação de trabalho, se é bom para o trabalhador e por quê, como melhorar as condições de trabalho e direitos dos trabalhadores com acesso à modalidade. Para debater esse tema de interesse do trabalhador, a reportagem do PortalCUT ouviu a professora e pesquisadora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Sylvia Hartmann.
Segundo ela, empresas que adotam esse modelo de trabalho gastam menos com estrutura, “essa economia pode ser revertida em benefícios aos trabalhadores, que mais satisfeitos e mais engajados trarão mais resultados. É um ciclo positivo”, afirma.
Por outro lado, durante a pandemia algumas empresas chegaram a cortar benefícios como vale transporte e vale alimenação dos trabalhadores. Mesmo antes da pandemia, o home office já era motivo de preocupação para o movimento sindical. Por isso, em abril do ano passado, a CUT lançou guia de negociação para rgarantir direitos neste formato de trabalho.
Leia mais: CUT lança guia de negociação para garantir direitos dos trabalhadores em home office
Se é bom para todos, por que não cresce?
De acordo com a pesquisadora, quando analisados fatores como o desenvolvimento econômico do país, o avanço tecnológico e a capacidade das empresas para oferecerem o home office, o Brasil tem cerca 25% de postos de trabalho com potencial para o formato não presencial de trabalho, mas apenas 10% estão em prática. Entre outros motivos da resistência dos empregadores em adotar o modelo, Sylvia cita a questão cultural.
“O que impede [empresas de adotar o home office] é a mentalidade de gestores e chefias que têm a necessidade de fazer uma gestão mais voltada para o controle do trabalhador, ter todos ao mesmo tempo no mesmo lugar”, afirma a professora da USP.
Nos escritórios há uma ilusão de que é um trabalho em equipe, de que existe colaboração, de que a gestão é adequada. É muito mais um controle- Sylvia Hartmann
O futuro precisa ser aceito e os gestores precisam planejar o modelo de trabalho remoto, complementa a professora da USP. “É diferente de chegar no local de trabalho e encontrar a equipe. A liderança tem que planejar bem, estar preparada para orquestrar o trabalho à distância”, ela diz.
Segundo dados levantados pela plataforma Cortex, divulgados pelo Valor Econômico, das 722 mil vagas disponíveis nas agências de emprego, apenas 55,7 mil oferecem a opção do home office. A maioria delas é da área de tecnologia da informação (TI) e do setor de serviços.
Apesar das poucas vagas oferecidas, o home office se massificou nos últimos tempos por causa da pandemia do novo coronavírus, que obrigou as empresas a mudar estratégias, colocar muita gente para trabalhar em casa para seguir os decretos de restrição de circulação que tinham como objetivo conter a disseminação da Covid-19. A mudança foi muito bem aceita por milhares de trabalhadores e muitos pretendem manter o trabalho em casa, apesar da flexibilização das medidas.
Antes da crise sanitária a modalidade já existia, mas atingia poucas empresas e trabalhadores, justamente por resistência de chefes e executivos que querem ficar de olho na equipe.
“Havia uma resistência das lideranças das empresas e os times de recursos humanos que, por não terem experiências para comprovar a eficácia, ‘não compravam a briga’”, explica Sylvia, que também atua como conselheira de carreiras em empresas.
Para ela, o home office é uma realidade que veio para ficar e as empresas que ainda relutam, deveriam repensar seus conceitos.
“Sempre recomendo que as empresas se posicionem, tenham políticas bem estruturadas, treinem as equipes a atuar nessa modalidade porque o trabalho tem que ser planejado e intencional, não somente por ser mais rentável. Deixa-se de ter despesas de estrutura que podem ser revertidas em benefícios aos trabalhadores’, ressalta Sylvia.
Trabalhadores preferem o home office
Se no início da pandemia a imposição do trabalho remoto pegou milhões de trabalhadores de surpresa, tendo que se adaptar, muitas vezes de forma precária, em casa, para despenhar suas atividades. Ao longo dos últimos meses houve uma evolução nas condições de trabalho, ainda que para muitos esteja longe do ideal. Mas foi o suficiente para que os trabalhadores passassem a preferir o home-office.
A mobilidade está entre as questões que explicam essa preferência. Sylvia Hartmann cita as dificuldades e, na maioria dos casos, o desconforto de se deslocar de casa ao trabalho, um tempo que pode ser mais bem aproveitado de outras maneiras – até mesmo para a própria atividade laboral.
Pesa ainda a questão dos custos de se manter no trabalho presencial que vão desde o transporte até a alimentação e outros gastos que são suprimidos quando o trabalho é em casa. Quase tudo fica mais barato, com exceção a pontos como gastos com internet e energia elétrica, o que tem sido pauta de negociações do movimento sindical com setores patronais para que esses custos sejam bancados pelas empresas.
“Até a pandemia, as famílias dispendiam de seus recursos para pagar creches, transporte para os filhos, compras em supermercados em lugares mais caros, gastavam com transporte, alimentação, ou seja, dispendiam de recursos financeiros para comprar o recurso tempo”, ela diz.
Com a pandemia, a pessoas acabaram se reorganizando ao se depararem com possiblidades de cortar gastos e rever suas rotinas, adaptá-las de forma a serem mais funcionais e mais econômicas.
Como consequência, aumentou o número de trabalhadores que dão prioridade ao home office, que procuram vagas neste formato e, às vezes, mesmo sem encontrar nova colocação para continuar trabalhando em casa, pedem demissão de seus empregos se as empresas determinarem a volta ao trabalho presencial sem negociação, todos os dias da semana.
A pesquisadora afirma ainda a volta ao trabalho presencial não tem sido o objetivo daqueles trabalhadores “que podem escolher”.
“Houve uma mudança drástica no mercado que muitas empresas ainda não se deram conta. E elas vão ter que se adequar para o médio e longo prazo”, afirma a pesquisadora da USP sobre trabalhadores passarem a ter preferência pelas empresas onde há mais flexibilidade no modelo de trabalho.
Outro lado
Diante deste cenário todo, Sylvia Hartmann destaca que o trabalho remoto está longe de ser um processo democratizado, não somente pela resistência de empregadores em deixar seus trabalhadores livres, o que ela reforça, aumenta a produtividade.
Uma realidade que deve ser levada em consideração, ela diz, é de que se trata de um nicho muito pequeno ainda no mercado de trabalho. “Falamos sobre uma parcela muito pequena da população cujo trabalho depende de tecnologia. Mas falta acesso à internet para muita gente. Temos centros desenvolvidos como regiões de São Paulo e temos lugares no Brasil em que pessoas sequer conseguiram assistir aulas durante a pandemia”, ela afirma.
A pesquisa “O Abismo Digital no Brasil”, realizada pela Consultoria PwC e pelo Instituto Locomotiva e publicada em março deste ano, mostra que pelo menos 20% da população brasileira não tem nenhum acesso à internet.
Estudo da USP
Já a pesquisa “Satisfação e desempenho: avanços e desafios após um ano da migração para o home office”,realizada pela USP com o objetivo de levantar dados sobre a percepção dos trabalhadores em home office em uma comparação entre os anos de 2020, primeiro ano da pandemia, quando houve uma migração em massa para o trabalho remoto, e 2021, quando já havia uma certa flexibilidade e relaxamento dos protocolos de segurança, que permitiram a volta ao trabalho presencial.
Os dados mostraram que o nível de satisfação e adaptação ao home office subiu de um ano para o outro. A jornada de trabalho em casa manteve sua intensidade, porém, em 2021 os profissionais já contavam com um ambiente mais adequado e afirmaram gerenciar melhor seu tempo, diz a apresentação do estudo.
Veja alguns dados:
Equipamentos
Em 2020, 47% dos trabalhadores não tinha nenhum equipamento para poder exercer suas atividades em casa. Em 2021 o número caiu para 29%
Local adequado
Em 2020, 39% dos trabalhadores em home-office possuíam um cômodo da casa específico para o trabalho. Em 20219 o número aumentou para 45%
Verbas
O custeio de serviços como internet e energia elétrica pela empresa ainda é um gargalo no home-office. A pesquisa mostra que aumentou o número de empregadores que passaram a ‘bancar’ esses serviços, mas ainda assim representam uma pequena parcela dos pesquisados.
Os custos de internet, em 2020 eram bancados por 7% das empresas. Em 2021 aumentou para 29%, menos de um terço do total.
Já os custos com enérgica elétrica, que recentemente teve mais um aumento nas tarifas, de até 64%, eram bancados por somente 3 em cada 100 empresas. Em 2021, o número aumentou para 13 em cada 100 empresas.
A proporção de profissionais satisfeitos com o home office aumentou de 64% em 2020 para 73% em 2021
Além da satisfação geral, 81% se consideraram na mesma medida ou mais produtivos em 2021. Em 2020 eram 73%.
E a intenção de continuar em home-office após a pandemia aumentou de 70% para 78% de um ano para o outro.
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