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Aplicativo de Bolsonaro para alfabetização é mais uma das mentiras do governo

Presidente citou, durante o último debate, um game que seria uma revolução na alfabetização de crianças, mas até os desenvolvedores desmentem e afirmam que o aplicativo tem caráter apenas de apoio

Publicado: 19 Outubro, 2022 - 12h45 | Última modificação: 19 Outubro, 2022 - 18h47

Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz

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Após quatro anos de retrocessos na educação brasileira, com cortes de recursos para creches universidades e até da merenda escolar das crianças, que para muitas é a principal refeição do dia, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, anunciou no debate da Band no último domingo (15) um aplicativo, desconhecido pela grande maioria da população, que estaria revolucionando a alfabetização de crianças. Mentiu de novo.

“É mais uma das falácias de Bolsonaro, mais uma das mentiras que ele alimenta para ganhar voto e criar polêmicas desnecessárias para ficar em evidência”, diz o professor Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Trabalhando com alfabetização há mais de 30 anos, em Gravataí (RS), a também educadora Maria da Graça Dombroski diz que “‘nem sabe que método é esse”.

“Não olhei, não entrei, não usei essa plataforma. Como educadora uso minha maneira de alfabetizar que mistura vários métodos, porque cada aluno é um ser único e a interação entre o educador e a criança é fundamental para que ela, dentro de suas particularidades, seja alfabetizada”, diz a professora.

Ela explica que, por sua experiência, não existe um método único, ‘um método milagroso’, como disse Bolsonaro sobre o aplicativo.

“O educador vai desenvolvendo o trabalho e quando vai ver, o aluno já está lendo. Por isso, não tem nada para se falar a respeito desse método [do aplicativo], porque é [um método] impensável”, conclui Maria da Graça.

O que é o tal aplicativo mágico de Bolsonaro?

O aplicativo de celular, chamado de Graphogame, ao qual Bolsonaro se referiu no debate não é um recurso capaz de alfabetizar crianças. E quem afirma isso são os próprios desenvolvedores do sistema.

Após a fala mentirosa do presidente, representantes da Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) publicaram nota afirmando que o “jogo”, desenvolvido na Finlândia e que teve seu conteúdo adaptado ao português pelo Instituto do Cérebro (Inscer) e alertaram para o real propósito do aplicativo que, aliás, só serve para quem tem celular com acesso à internet.

"A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio, mas que sozinho não é capaz de alfabetizar", diz a nota da instituição.

O texto destaca ainda que a “alfabetização não é o objetivo da iniciativa e dos pesquisadores. A ferramenta tem o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da consciência fonológica e fonêmica das crianças, ou seja, na relação letra e som”.

Como professor com experiência em sala de aula, Heleno Araújo reforça que o aplicativo ‘não tem sentido” enquanto ferramenta de alfabetização.

“O processo de alfabetização se dá no convívio direto, na presença, na construção da relação de aprendizado da criança e do adolescente com o adulto, para poder aprender. É assim que se vai construindo o processo de formação e alfabetização”, diz Heleno.

“Essa é mais uma aberração de Bolsonaro”, pontua o dirigente, explicando que a realidade brasileira é de grande parcela da população que não tem aparelhos (os smartphones) para acessar aplicativos e, pior, não tem condições de bancar pacotes de dados de internet.

“É mais um absurdo em cima de uma tecnologia que não atende nem chega a grande parte das crianças e jovens, uma tecnóloga que nem tem o objetivo de alfabetizar. É um absurdo termos um presidente completamente despreparado como ele”, diz Heleno

Aplicativo para quem não tem internet

Nem mesmo o próprio Ministério da Educação (MEC) tem dados suficientes para atestar o funcionamento do sistema. De acordo com reportagem publicada da Folha de SP, os únicos dados disponíveis ao MEC são sobre o número de pessoas que baixaram o aplicativo (1,7 milhão), mas sem recortes sobre o perfil dos usuários – se são jovens ou adultos e a quais camadas sociais pertencem.  Na prática, a avaliação federal da educação básica em 2021 mostrou que os estudantes tiveram queda na aprendizagem na pandemia, muitos deles justamente por não terem celular ou computador nem wi-fi para assistir as aulas à distância.

Mais de 4,8 milhões de crianças e adolescentes (de 9 a 17 anos) não têm acesso à internet no Brasil. Os dados são do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) levantados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).

“Além de ter esse sistema que não funciona para alfabetizar, você tem o segundo problema que é como fazer chegar às crianças e adolescentes. O próprio Bolsonaro, em mais uma de suas maldades, negou em 2020 a ajuda, a escolas públicas, valores que seriam repassados para estados e municípios de para equipamentos e acesso à internet”, afirma Heleno

projeto de lei 3.477/2020 previa o repasse de R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para estados, municípios e o Distrito Federal para garantir serviços de internet para estudantes e professores da rede pública de ensino. O veto de Bolsonaro foi derrubado posteriormente pela Câmara dos Deputados, mas Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Estamos diante de um monstro que não quer fazer política nenhuma para o país, só quer destruir o que foi montado em benefício próprio. Bolsonaro joga conversa fora, sem dados, porque não sabe e não se interessa em saber o que se passa”, diz Heleno Araújo sobre o presidente da República.

“Ele só quer ganhar voto e atua em cima de fatos assim, criando mais mentiras para faturar votos e continuar no comando do país”, reforça o presidente da CNTE.

Posição da CNTE

Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) afirma que “a proposta de disseminar aplicativos para a alfabetização não só é um desrespeito com estudantes e profissionais da educação como denuncia a intenção do atual governo em dar sequência ao desmonte da educação pública, intensificado durante a pandemia da Covid-19”.

“É preciso investimento nas escolas, o que, lamentavelmente, tem sido negligenciado em boa parte do país, inclusive pelos sucessivos cortes orçamentários que o governo federal efetua no Ministério da Educação e que comprometem o transporte, a merenda escolar, a aquisição de livros didáticos, entre outros materiais imprescindíveis para a qualidade da alfabetização e da educação pública em geral”, diz trecho da nota.

A fala no debate da Band

Enquanto Lula afirmou que se eleito entrará em articulação com governadores para reverter os prejuízos na educação ocasionados pelo necessário isolamento social durante a pandemia, Bolsonaro tentou enaltecer feitos sem nenhuma relevância efetiva para a educação, como o aplicativo citado.

“Vamos fazer um verdadeiro mutirão, convidar professores, quem sabe trabalhar de domingo, quem sabe trabalhar de sábado para que a gente possa fazer com que essa meninada consiga aprender aquilo que deixaram de aprender durante a pandemia”, afirmou Lula.

Já Bolsonaro em sua fala disse que “o Ministro da Educação tem um aplicativo que foi aperfeiçoado e já está há um ano em vigor. (...) num telefone celular se baixa o programa e a garotada fica ali. No passado, a garotada levava três anos para ser alfabetizada. Agora, em nosso governo, leva seis meses.”

Para Heleno Araújo, Bolsonaro, com sua fala, demonstrou que sua tática é de mentir e iludir a população brasileira para conseguir votos. O Portal da CUT enumerou alguns dos retrocessos na educação durante os últimos quatro anos, incluindo a desastrosa passagem de quatro ministros (até agora) pelo Ministério da Educação.

Os “desfeitos” de Bolsonaro na educação ao longo de quatro anos

  • Vetou integralmente o projeto de lei da Câmara dos Deputados que previa ajuda financeira de R$ 3,5 bilhões da União para estados, Distrito Federal e municípios garantirem acesso à internet para alunos e professores das redes públicas de ensino em decorrência da pandemia. O veto foi derrubado pela Câmara dos Deputados.
  • Prometeu quatro mil creches. Fez apenas sete. Entregou 793 que foram feitas no governo Dilma.
  • Congresso previu 100 milhões para escolas de educação infantil. Cortou 97% desses recursos, reduzindo o investimento a R$ 2,5 milhões, que dá para construir somente cinco creches.
  • Cortou recursos da merenda escolar reduzindo a R$ 36 centavos por criança. A nutrição infantil sendo fundamental para o desenvolvimento cognitivo e intelectual, mas a realidade foi de crianças dividindo um único ovo na merenda ou comendo bolacha com suco.
  • Cortou a compra de material didático. Mais de 70 milhões de livros não foram comprados e isso afetará 12 milhões de alunos já no começo de 2023.
  • Além de perseguir reitores, cientistas e professores universitários, o governo cortou recursos das instituições. Até agora a Educação já perde R$ 2,9 bilhões.
  • Ao longo de seu governo, o MEC teve quatro ministros. Um deles, Milton Ribeiro, chegou a ser preso por envolvimento em esquemas de corrupção. Ele entregou verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação para pastores, segundo o próprio ministro, a mando de Bolsonaro.
  • Não teve nenhuma política de proteção aos professores e aluno durante a pandemia, o que provocou um atraso na alfabetização de crianças. Mais de 40% das crianças em idade de serem alfabetizadas não aprenderam a ler e escrever.
  • Não cumpre a Lei do Piso. Apesar do discurso de Bolsonaro ao dizer que deu 33% de aumento aos professores, o reajuste que acompanha índices inflacionários, é determinado pela Lei 11.837, sancionada em 2008 por Lula. A lei tem enfrentando resistência de prefeitos e governadores, em especial dos que apoiam o governo Bolsonaro, caso de Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais que vetou o reajuste este ano.

Os ministros

Em quase quatro anos de mandato, assim como na Saúde, o Ministério da Educação tem no histórico um ‘troca-troca’ de ministros envolvidos em polêmicos e até escândalos de corrupção

  • Ricardo Velez Rodriguez, professor assumiu em 1° de janeiro de 2019 e saiu em 8 de abril de 2019. Um dos objetivos era mudar o conteúdo da matéria História da grade curricular alterando para ‘contragolpe que salvou o Brasil do comunismo’ o Golpe de Estado dos Militares em 1964. Foi demitido por causa da disputa ideológica entre seguidores do falecido dublê de filósofo Olavo de Carvalho e os militares.
  • Abraham Weintraub, economista, também seguidor de Olavo de Carvalho foi mestre em polêmicas no ministério. Deixou o cargo em 20 de junho 2020 após ter participado de ato contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e ter declarado ““Já falei a minha opinião, o que faria com esses vagabundos”. Além disso, é autor da famosa frase que dizia sobre “balburdia nas universidades”, acusava estudantes de serem ‘maconheiros’ e tentou intervir na nomeação de reitores. Também em sua gestão houve problemas na correção e atribuição de notas do Enem.
  • Carlos Decotteli, professor universitário, nem chegou a tomar posse. Foi nomeado por Bolsonaro mas teve sua honestidade questionada após serem comprovados plágios em sua dissertação de Mestrado, além de falsos títulos em universidades como Rosário na Argentina e Wuppertal na Alemanha.
  • Milton Ribeiro, pastor da Igreja Presbiteriana assumiu em 16 de junho de 2020 e ficou até março de 2022 quando deixou o cargo após os escândalos de corrupção que envolveu pastores amigos da primeira dama Michelle Bolsonaro. Segundo o próprio ex-ministro, a mando de Bolsonaro, pastores eram privilegiados na distribuição de recursos do FNDE – eles cobravam propinas para liberar verbas para prefeitos. Ribeiro chegou a ser preso após o escândalo. É dele a declaração de que homossexuais eram fruto de famílias desajustadas.
  • Victor Godoy, engenheiro e servidor público, é o atual ministro e diz se manter longe de polêmicas, mas é sob sua gestão que o governo congelou verbas para a educação. O pacote de bloqueios inclui R$ 1 bi para a pasta e coloca em risco o funcionamento de universidades. O governo chegou a voltar atrás no bloqueio que visava redirecionar recursos para o Orçamento Secreto, mas não informou datas em que serão liberados.