Escrito por: Andre Accarini

Aplicativo de Bolsonaro para alfabetização é mais uma das mentiras do governo

Presidente citou, durante o último debate, um game que seria uma revolução na alfabetização de crianças, mas até os desenvolvedores desmentem e afirmam que o aplicativo tem caráter apenas de apoio

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Após quatro anos de retrocessos na educação brasileira, com cortes de recursos para creches universidades e até da merenda escolar das crianças, que para muitas é a principal refeição do dia, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, anunciou no debate da Band no último domingo (15) um aplicativo, desconhecido pela grande maioria da população, que estaria revolucionando a alfabetização de crianças. Mentiu de novo.

“É mais uma das falácias de Bolsonaro, mais uma das mentiras que ele alimenta para ganhar voto e criar polêmicas desnecessárias para ficar em evidência”, diz o professor Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Trabalhando com alfabetização há mais de 30 anos, em Gravataí (RS), a também educadora Maria da Graça Dombroski diz que “‘nem sabe que método é esse”.

“Não olhei, não entrei, não usei essa plataforma. Como educadora uso minha maneira de alfabetizar que mistura vários métodos, porque cada aluno é um ser único e a interação entre o educador e a criança é fundamental para que ela, dentro de suas particularidades, seja alfabetizada”, diz a professora.

Ela explica que, por sua experiência, não existe um método único, ‘um método milagroso’, como disse Bolsonaro sobre o aplicativo.

“O educador vai desenvolvendo o trabalho e quando vai ver, o aluno já está lendo. Por isso, não tem nada para se falar a respeito desse método [do aplicativo], porque é [um método] impensável”, conclui Maria da Graça.

O que é o tal aplicativo mágico de Bolsonaro?

O aplicativo de celular, chamado de Graphogame, ao qual Bolsonaro se referiu no debate não é um recurso capaz de alfabetizar crianças. E quem afirma isso são os próprios desenvolvedores do sistema.

Após a fala mentirosa do presidente, representantes da Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) publicaram nota afirmando que o “jogo”, desenvolvido na Finlândia e que teve seu conteúdo adaptado ao português pelo Instituto do Cérebro (Inscer) e alertaram para o real propósito do aplicativo que, aliás, só serve para quem tem celular com acesso à internet.

"A universidade explica que o aplicativo pode ser uma ferramenta de apoio, mas que sozinho não é capaz de alfabetizar", diz a nota da instituição.

O texto destaca ainda que a “alfabetização não é o objetivo da iniciativa e dos pesquisadores. A ferramenta tem o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da consciência fonológica e fonêmica das crianças, ou seja, na relação letra e som”.

Como professor com experiência em sala de aula, Heleno Araújo reforça que o aplicativo ‘não tem sentido” enquanto ferramenta de alfabetização.

“O processo de alfabetização se dá no convívio direto, na presença, na construção da relação de aprendizado da criança e do adolescente com o adulto, para poder aprender. É assim que se vai construindo o processo de formação e alfabetização”, diz Heleno.

“Essa é mais uma aberração de Bolsonaro”, pontua o dirigente, explicando que a realidade brasileira é de grande parcela da população que não tem aparelhos (os smartphones) para acessar aplicativos e, pior, não tem condições de bancar pacotes de dados de internet.

“É mais um absurdo em cima de uma tecnologia que não atende nem chega a grande parte das crianças e jovens, uma tecnóloga que nem tem o objetivo de alfabetizar. É um absurdo termos um presidente completamente despreparado como ele”, diz Heleno

Aplicativo para quem não tem internet

Nem mesmo o próprio Ministério da Educação (MEC) tem dados suficientes para atestar o funcionamento do sistema. De acordo com reportagem publicada da Folha de SP, os únicos dados disponíveis ao MEC são sobre o número de pessoas que baixaram o aplicativo (1,7 milhão), mas sem recortes sobre o perfil dos usuários – se são jovens ou adultos e a quais camadas sociais pertencem.  Na prática, a avaliação federal da educação básica em 2021 mostrou que os estudantes tiveram queda na aprendizagem na pandemia, muitos deles justamente por não terem celular ou computador nem wi-fi para assistir as aulas à distância.

Mais de 4,8 milhões de crianças e adolescentes (de 9 a 17 anos) não têm acesso à internet no Brasil. Os dados são do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) levantados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).

“Além de ter esse sistema que não funciona para alfabetizar, você tem o segundo problema que é como fazer chegar às crianças e adolescentes. O próprio Bolsonaro, em mais uma de suas maldades, negou em 2020 a ajuda, a escolas públicas, valores que seriam repassados para estados e municípios de para equipamentos e acesso à internet”, afirma Heleno

projeto de lei 3.477/2020 previa o repasse de R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para estados, municípios e o Distrito Federal para garantir serviços de internet para estudantes e professores da rede pública de ensino. O veto de Bolsonaro foi derrubado posteriormente pela Câmara dos Deputados, mas Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Estamos diante de um monstro que não quer fazer política nenhuma para o país, só quer destruir o que foi montado em benefício próprio. Bolsonaro joga conversa fora, sem dados, porque não sabe e não se interessa em saber o que se passa”, diz Heleno Araújo sobre o presidente da República.

“Ele só quer ganhar voto e atua em cima de fatos assim, criando mais mentiras para faturar votos e continuar no comando do país”, reforça o presidente da CNTE.

Posição da CNTE

Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) afirma que “a proposta de disseminar aplicativos para a alfabetização não só é um desrespeito com estudantes e profissionais da educação como denuncia a intenção do atual governo em dar sequência ao desmonte da educação pública, intensificado durante a pandemia da Covid-19”.

“É preciso investimento nas escolas, o que, lamentavelmente, tem sido negligenciado em boa parte do país, inclusive pelos sucessivos cortes orçamentários que o governo federal efetua no Ministério da Educação e que comprometem o transporte, a merenda escolar, a aquisição de livros didáticos, entre outros materiais imprescindíveis para a qualidade da alfabetização e da educação pública em geral”, diz trecho da nota.

A fala no debate da Band

Enquanto Lula afirmou que se eleito entrará em articulação com governadores para reverter os prejuízos na educação ocasionados pelo necessário isolamento social durante a pandemia, Bolsonaro tentou enaltecer feitos sem nenhuma relevância efetiva para a educação, como o aplicativo citado.

“Vamos fazer um verdadeiro mutirão, convidar professores, quem sabe trabalhar de domingo, quem sabe trabalhar de sábado para que a gente possa fazer com que essa meninada consiga aprender aquilo que deixaram de aprender durante a pandemia”, afirmou Lula.

Já Bolsonaro em sua fala disse que “o Ministro da Educação tem um aplicativo que foi aperfeiçoado e já está há um ano em vigor. (...) num telefone celular se baixa o programa e a garotada fica ali. No passado, a garotada levava três anos para ser alfabetizada. Agora, em nosso governo, leva seis meses.”

Para Heleno Araújo, Bolsonaro, com sua fala, demonstrou que sua tática é de mentir e iludir a população brasileira para conseguir votos. O Portal da CUT enumerou alguns dos retrocessos na educação durante os últimos quatro anos, incluindo a desastrosa passagem de quatro ministros (até agora) pelo Ministério da Educação.

Os “desfeitos” de Bolsonaro na educação ao longo de quatro anos

Os ministros

Em quase quatro anos de mandato, assim como na Saúde, o Ministério da Educação tem no histórico um ‘troca-troca’ de ministros envolvidos em polêmicos e até escândalos de corrupção