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Após governo Bolsonaro encerrar departamento de Aids, entidades veem retrocesso

Diversas entidades que atuam na luta contra a doença manifestaram-se contrárias à mudança

Publicado: 24 Maio, 2019 - 10h22

Escrito por: Annie Castro, Sul 21

Adair Gomes/Imprensa Mg
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No último dia 17, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) publicou o Decreto Nº 9.795, que modifica a estrutura do Ministério da Saúde, rebaixando o departamento responsável por promover políticas de combate à Aids no Brasil para um setor mais amplo, que também será responsável por analisar ações voltadas para outras patologias como tuberculose e hanseníase. Após o decreto, diversas entidades que atuam na luta contra a doença manifestaram-se contrárias à mudança, que identificam como o fim do departamento de Aids.

Até o decreto, o Departamento de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), Aids e Hepatites Virais era responsável somente pelas doenças sexualmente transmissíveis. Agora, o órgão passou a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, sendo responsável também por outras doenças.

Para a coordenadora do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul (GAPA/RS), Carla Almeida, o país deixar de ter um departamento que se dedica somente ao combate da Aids significa uma mudança na forma como a doença está sendo combatida até o momento. “Não ter um departamento com esse nome fará com que não haja um impacto simbólico, ocasionando uma maior perda de visibilidade de uma epidemia que já vive uma grande invisibilidade dentro do contexto social”, diz.

De acordo com Carla, o Brasil vive um momento em que o assunto não é mais prioridade nas agendas políticas. “Vivemos nos últimos anos um sucateamento nas respostas à Aids no país. A morte simbólica do departamento expressa muito bem isso. A Aids deixou de ser vista como uma questão de saúde pública e não tem mais recebido a atenção que precisa”, afirma.

A coordenadora afirma ainda que a medida poderá ocasionar “um efeito cascata em relação às outras esferas de gestão”, impactando nas políticas públicas de combate à Aids desenvolvidas nos governos estaduais e municipais. “Temos diretrizes que são nacionais e que acabam balizando as políticas em saúde nas esferas estaduais e municipais. Então, pode deixar de ter departamentos específicos dentro do Estado ou de programas específicos de combate à Aids dentro dos municípios”.

Além do risco de uma maior invisibilização, Carla também teme que as outras patologias, como tuberculose e hanseníase, passem a ter uma menor visibilidade com as mudanças no Ministério da Saúde. “Tu invisibiliza também outras doenças que são importantes e que têm impacto em saúde pública. A tuberculose, por exemplo, já é negligenciada e perde muito quando vai para dentro desse departamento. Não é só a Aids que perde, outras patologias também perdem”, afirma.

Após o decreto, o movimento nacional de luta contra a Aids, composto pela Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids), Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Fórum de ONGs AIDS/SP (FOAESP), Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS/RS (GAPA/RS) e Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+Brasil), lançou uma nota em repúdio à medida do Governo Federal. De acordo com o movimento, o Governo está extinguindo “de maneira inaceitável e irresponsável um dos programas de Aids mais importantes do mundo, que foi, durante décadas, referência internacional na luta contra a Aids”.

Segundo o texto, a medida representa um “descaso com uma doença que mata cerca de 12 mil pessoas por ano e que, longe de estar controlada, continua crescendo, especialmente populações pauperizadas e estigmatizadas, já tradicionalmente excluídas e que com este ato se tornam mais invisíveis e desrespeitadas”.

Para Carla, apesar de ter sido referência internacional, há alguns anos o Brasil estava deixando de ser “protagonista na construção de um combate efetivo ao HIV”. “Quando foi escolhido como melhor programa de Aids do mundo foi muito por ser um programa que se pauta na participação da sociedade, com uma resposta à doença que se pautava nos direitos humanos. Nos últimos anos e, principalmente na última década, a gestão federal perdeu muito disso, a resposta brasileira perdeu essa transversalidade”, afirma.

Apesar de a medida não incluir um corte orçamentário para as políticas públicas de combate à Aids, a coordenadora do GAPA chama atenção para o que significa o fim de um departamento que foi visto como exemplo mundial, construído de maneira coletiva com a sociedade civil, movimentos sociais e com acadêmicos. “Ele é visto como exemplo de construção democrática e de enfrentamento de uma epidemia. Ter o departamento esvaziado é um ataque ao que a gente acredita que são as bases democráticas e coletivas”, diz Carla.

Ainda, nesta quinta-feira (23) a deputada federal Fernanda Melchionna protocolou um requerimento de convocação ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para prestar esclarecimentos sobre o fim do Departamento da Aids na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados. Para a deputada, a mudança significa “a extinção do Programa Brasileiro de Aids e o decreto prejudica a governança democrática do programa, princípio básico do Sistema Único de Saúde (SUS)”.