Escrito por: Tatiana Melim
No ‘Dia da Trabalhadora Doméstica’, não há o que comemorar, diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT. “Com Temer, aumentou a informalidade e o trabalho doméstico voltou a ser desvalorizado”
A formalização do trabalho doméstico, que cresceu em 2014, um ano após a promulgação da PEC das domésticas, voltou a cair no Brasil depois do golpe de 2016. Em 2017, apenas 30% dos postos de trabalho doméstico eram com carteira assinada.
Entre 2013 e 2015, período marcado pela promulgação e regulamentação da PEC das domésticas e, paralelamente, pelo pleno emprego, com muitas e novas oportunidades no mercado de trabalho, e o aumento do acesso à educação, o número total de trabalhadoras dessa categoria caiu ao mesmo tempo em que a formalização aumentou.
Desde o golpe de 2016, porém, o movimento foi inverso. Nesse período, marcado pelo crescimento recorde das taxas de desemprego (13,1%, em abril) e aumento na geração de emprego informal, o trabalho doméstico, marcado historicamente pela alta taxa de informalidade, voltou a crescer e o número de trabalhadores com carteira assinada diminuiu. Hoje, o trabalho doméstico corresponde a 6,8% do total de ocupados no país. Em 2015, o índice era 6,5%.
Para a secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Junéia Batista, nos governos de Lula e Dilma, as trabalhadoras domésticas passaram a ser reconhecidas como pessoas de direito, conquistando a formalização, FGTS, assim como os demais trabalhadores. Foi também nesse período, segundo ela, que começou a ser rompida a velha lógica de que a filha da doméstica teria como destino ser trabalhadora doméstica também.
“Porém, com o golpe e essa reforma Trabalhista nefasta do golpista Temer, essas conquistas vêm sendo destruídas, dia após dia. O que se vê hoje é o retorno a velhas práticas de exploração, aumento da informalidade, baixa remuneração e fim dos direitos”, lamenta Junéia.
No mesmo período (pós-golpe 2016), aumentou no país o número de pessoas (7 milhões) envolvidas em formas de trabalho não remunerado. A que mais cresceu, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), foi a de afazeres domésticos, com 6,8 milhões de pessoas a mais se dedicando a atividades sem nenhuma remuneração.
Maior população doméstica do mundo: herança da escravidão
O Brasil tem hoje a maior população doméstica do mundo, com cerca de 6,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), conforme dados oficiais fornecidos pelos países ao órgão.
Para Junéia, esse número alto – média de três trabalhadores para cada grupo de 100 habitantes – é uma herança escravagista “em que está estruturada a nossa sociedade, sendo determinante na manutenção e perpetuação das desigualdades entre brancos e pretos, em especial as mulheres negras.”
Com perfil predominantemente feminino, afrodescendente e de baixa escolaridade, o trabalho doméstico é alimentado, diz Junéia, pela desigualdade e pela dinâmica social criada no Brasil principalmente após a abolição da escravatura.
“De lá pra cá, todos os estudos nos mostram que a herança da escravidão jogou milhares de negras e negros na informalidade, sendo o trabalho doméstico a principal ocupação das mulheres”, explica.
“É como se você saísse da escravidão direto para a cozinha do senhor da Casa Grande, recebendo salários baixos e um tratamento indigno”, critica Junéia, ao citar estudo recente feito pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).
O estudo sobre o perfil das trabalhadoras domésticas, realizado a partir das informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego da região metropolitana de São Paulo, mostra que, em 2017, do total de trabalhadoras domésticas, 55,4% eram negras, 43,6% tinham baixa escolaridade (fundamental incompleto), e 39,2% eram chefes no domicílio onde residem.
Para romper com a desigualdade estrutural, que tem como base o racismo e a xenofobia, diz Junéia, é preciso “desconstruir a cultura do trabalho submisso, que tenta retirar do outro a sua humanidade, e construir caminhos para a igualdade de direitos.”
“Acabar com o trabalho degradante, em que a maioria dessas trabalhadoras são submetidas, sem direitos e sob o assédio constante em seus locais de trabalho, deve ser a nossa principal meta. Esse é o caminho que queremos construir”, conclui.