Escrito por: CUT-RS

Após ser censurado em escola, Frei Betto lota teatro da UCS em Caxias do Sul

Convidado a fazer palestra por sindicatos e movimentos sindicais, frade progressista teve evento cancelado no Colégio São José após abaixo-assinado de bolsonaristas. No novo local, lotação superou expectativas

Gilmar Gomes

“Sucesso de público! Fizeram publicidade!” Foi assim que o frade dominicano, jornalista, escritor e teólogo Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, de 78 anos, falou ao abrir a sua palestra na noite fria desta terça-feira (13), em Caxias do Sul, intitulada “Fomes do Brasil e Esperanças de Futuro”, no teatro da Universidade de Caxias do Sul (UCS), reunindo centenas de pessoas.

O evento teve que ser mudado de local às pressas, devido a um abaixo assinado bolsonarista contra a sua presença no tradicional Colégio São José.

Na realidade, a lotação do teatro da UCS, com cerca de 200 lugares a mais do que o espaço anterior, já estava na previsão do dominicano.

Tanto é que, bem humorado, ele chegou a declarar em uma das inúmeras entrevistas que teve de conceder somente na segunda-feira (12), que iria dobrar a quantidade de livros que geralmente leva para vender em eventos por conta da publicidade extra gerada pelo movimento de extrema direita contra sua palestra. Todos foram vendidos. “E eram 43 quilos de livros”, comemorou.

“Não sei exatamente quantos exemplares na carga de 25 obras diferentes que levei. Só sei o peso porque vi quando os despachei na companhia aérea”, explicou. Um livro de 200 páginas pesa em média 230 gramas. Então, foram vendidos aproximadamente 200 exemplares.

Segurança reforçada

O evento foi organizado pelo fórum de sindicatos e movimentos populares de Caxias do Sul. A presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul (Sindiserv) e secretária de Movimentos Sociais da CUT-RS, Silvana Piroli, foi a mediadora. Também compareceu a ex-deputada caxiense Marisa Formolo.

“Como é bom poder organizar um evento com entidades tão plurais e querem realmente transformar e se encontrar no caminho da solidariedade”, avaliou Silvana.

O diretor do Sindicato dos Bancários de Caxias do Sul e Região, Nelso Bebber, registrou que houve uma grande procura de última hora por ingressos após a comunidade religiosa do São José ter sido pressionada a não mais ceder o seu espaço.

“Muitos alunos da universidade e gente da comunidade ficou indignada e compareceu em peso”, disse

O clima de solidariedade que contrastou com os oito graus da temperatura na ocasião, registrada por Frei Betto, não fez, no entanto, com que a UCS e os organizadores da palestra se descuidassem.

“Essa tensão é permanente em Caxias. Não foi um fato isolado”, salientou Bebber, ao lembrar que a segurança foi reforçada.

Jesus, fome e desigualdade

Na palestra, Frei Betto, um dos principais nomes ligados à criação do programa Fome Zero durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou: “nós precisamos do pão nosso, mas precisamos também do Pai Nosso, que é do sentido que nós atribuímos à existência, uma fome do sentido da vida".

"Quando eu me deparo com o evangelho, fico muito impressionado com esse fator. Como, na prática de Jesus, não houve nenhuma separação entre sua atividade pastoral e sua atividade social. Jesus não fazia essa distinção, até porque a única maneira de um cristão amar e servir a Deus é amando e servindo ao próximo. Quem diz amar a Deus sem amar o próximo, está mentindo”, alertou.

Sobre as fomes do Brasil, Frei Betto relacionou as imagens de crianças africanas com extrema desnutrição às crianças que vivem em regiões muito pobres do Brasil. “Nossa fome é gorda. Digo isso porque as crianças brasileiras que vivem em extrema pobreza comem apenas macaxeira (aipim), da manhã até a noite. Não tem proteína, não tem vitamina e isso também é fome”, assinalou.

Reduzir desigualdades passa pela percepção das necessidades do outro. “Conheço apenas uma família que é muito abastada e sempre fez questão de oportunizar, além do salário e todas as obrigações trabalhistas, curso superior aos seus empregados. É uma questão de oportunizar mudanças nas vidas das pessoas", disse.

"É a história da pessoa que imagina tudo o que faria se ganhasse sozinha na mega-sena, que ajudaria os pobres, etc… mas eu não sei de ganhadores que, depois de ficar milionários, realmente ajudaram”, observou. Neste momento, ele utilizou a frase clássica de Leonardo Boff: “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”.

Tudo é política

No dia seguinte, Frei Betto concedeu entrevista a jornalistas na livraria Do Arco da Velha, onde discursou sobre educação, política e perspectivas de futuro.

Quando questionado sobre religião e política, propôs um exercício. “Qual é o último mês do ano? É dezembro, uma referência etimológica ao número 10, ou seja, na antiguidade o ano era dividido em 10 meses, até que o imperador Julio César (100 a.C) decide que quer um mês com o nome dele. Então, os astrônomos se reuniram, quebraram a cabeça e criaram o mês de julho contudo, ele foi substituído pelo imperador Augusto, daí o mês de agosto. Entendemos aí que tudo está relacionado com a política, inclusive os meses do ano”, destacou.

Formação sindical

Perguntado sobre o papel dos sindicatos na atualidade, Frei Betto destacou a importância de oportunizar formação política às categorias de trabalhadores. “Estranhei que não houve uma unidade e mobilização de base entre os sindicatos quando aconteceu a reforma trabalhista no governo Temer. Mais importante que ter um departamento médico nos sindicatos é preciso apostar em formação e informação”, apontou.

Ele frisou também que muitos sindicatos foram prejudicados pela perda da contribuição sindical. “O trabalhador precisa entender a importância do sindicato na defesa dos seus direitos e isso só acontece com formação”, defendeu.

Entidades promotoras

 

Com informações Sindiserv Caxias do Sul e Extra Classe