As mãos e as vozes que empurraram o reitor para a morte
Prisão que levou reitor ao suicídio foi resultado de uma onda punitivista.
Publicado: 04 Outubro, 2017 - 09h10 | Última modificação: 04 Outubro, 2017 - 11h46
Escrito por: Luís Nassif
Luís Roberto Barroso tem fixação por sua imagem pública. Algumas denúncias estampadas em blogs de Curitiba, encampadas pelos blogueiros de Veja, foram suficientes para deixa-lo de joelhos.
As denúncias falavam da compra de um apartamento em Miami pela senhora Barroso, através de uma offshore. Mesmo casados em comunhão de bens, compartilhando um escritório bem-sucedido, o nome de Barroso não entrou na história, até o eixo Curitiba-Veja entrar no tema.
E o Ministro Barroso decidiu defender sua imagem com as armas que conhecia: abandonou suas teses legalistas, seu passado garantista e decidiu aderir aos agressores. Sua estreia se deu na votação da autorização para a prisão do réu após condenação em Segunda Instância.
Dali em diante, surgiu um novo Barroso, defensor dos métodos policiais, punitivista convicto, defensor da tese de que ou o Brasil acabava com a corrupção ou a corrupção com o Brasil. Não a corrupção corporativa de seus clientes, ele que era titular de um escritório que se vangloriava de preparar anteprojetos de lei para que os clientes possam oferecer a seus deputados de estimação; não a do Poder Judiciário, ou mesmo a impunidade sua ex-cliente, a Globo. Mas a corrupção do inimigo, a defesa do direito penal do inimigo que chegou ao auge com sua defesa explícita do Estado de Exceção.
Desde então, Barroso se tornou o guru da Lava Jato e dos punitivistas do Ministério Público Federal, o profeta do Estado de Exceção, o principal estimulador das bestas que habitam os porões, onde nenhum direito é respeitado. Suas frases se tornaram os bordões prediletos dos procuradores nas redes sociais, o alimento legitimador que engorda os monstros gerados da barriga da Lava Jato.
E das entranhas da Lava Jato a delegada da Polícia Federal Erika Marena saiu de Curitiba e transportou os métodos da para Santa Catarina. Estrela de cinema, tinha que manter a fama de implacável. Lá, encontrou como chefe o delegado Marcelo Mosele que, ao assumir a superintendência da PF em Santa Catarina, discursou afirmando que a corrupção é a maior ameaça à humanidade.
Era esse o clima dominante na PF quando chegaram denúncias envolvendo a Universidade Federal de Santa Catarina. Mencionavam desvios que teriam ocorrido desde 2006 nos cursos de educação à distância. O reitor assumirá apenas em 2016.
No início, denúncias anônimas. Depois, denúncias personalizadas, uma da professora Tais Dias, outra do corregedor da UFSC, Roberto Hickel do Prado. Escolhido em uma lista tríplice, o corregedor responde ao reitor e também à CGU (Controladoria Geral da União).
Quando o reitor Luiz Carlos Cancellier pediu acesso ao inquérito, imediatamente foi denunciado por Henkel, como tentativa de obstrução da Justiça. Nesses tempos bicudos, as longas mãos da CGU criaram núcleos de poder em cada universidade, e Henkel pretendeu exercê-lo com a autoridade dos moralistas e com a plenitude dos superpoderosos. Imediatamente obteve a adesão de Orlando Vieira de Castro Jr, superintendente da CGU em Florianópolis. E o caso foi parar com o procurador da República André Stefani Bertuol.
A Polícia Federal foi acionada e a sede de sangue atingiu a juíza federal Janaína Cassol Machado, que, consultado o procurador Bertuol, autorizou a prisão preventiva dos professores.
Em Brasília, o eminente Ministro Barroso despejava frases feitas
- Para ser preso, no Brasil, precisa ser muito pobre ou muito mal defendido.
Ou então:
- Pense o que vocë poder fazer diariamente pelo bem.
Lá embaixo, nos porões da nova ditadura, a delegada Marena, o delegado Mosele, comandavam policiais treinados nas artes da humilhação. Os professores foram despidos, ficaram nus, foram jogados em celas
Enquanto isto, Barroso, que se tornou um Ministro choroso quando a imprensa meramente flagrou-o em uma afirmação relativamente racista em relação a Joaquim Barbosa, que se desmanchou em lágrimas tal como uma donzela com a reputação colocava em dúvida, continuava lançando seus dardos no Olimpo e alimentando com princípios pútridos a carne que era servida às hienas.
No dia seguinte, uma juíza substituta, Marjorie Feriberg.ordenou a libertação do grupo. Foi publicamente admoestada por Janaína, que se atirou sobre ela como uma harpia da mitologia.
Restou a Cancellier a única saída que encontrou para a desonra que se abateu sobre ele: o suicídio.
Depois da tragédia, apareceram notícias dizendo que a única acusação formal contra ele era a de ter tentado atrapalhar a investigação.
Que seu sangue caia sobre todos seus algozes.
Mas, especialmente, sobre os que destruíram os alicerces dos direitos individuais pensando exclusivamente em seus próprios interesses.