Escrito por: Tiago Pereira, da RBA
Embate entre os candidatos à presidência na TV Globo, na noite desta quinta, foi marcado por confrontos de hostis e agressivos
Em um dos capítulos finais do primeiro turno das eleições presidenciais, o último debate, na TV Globo, iniciado na noite dessa quinta-feira (29), que terminou à 1h40 desta sexta, teve muitos ataques ao ex-presidente Lula (PT), primeiro colocado em todas as pesquisas de intenções de voto, momentos tensos, com candidatos interrompendo aos gritos a fala de Lula, e também surreais.
Um surreal foi quando Soraya Thronicke (UB-MS) disse que o Padre Kelmon (PTB) não deu extrema-unção as vítimas de Covid-19, "porque é um padre de festa junina”. Em outro momento, a candidata disse que o padre é igual ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que ela classificou como 'nem-nem', termo usado para se referir a pessas que não trabalham nem estudam.
Hostilizado Bolsonaro, Padre Kelmon, Ciro Gomes (PDT), Felipe d’Avila (Novo) e, em menor intensidade, criticado por Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke, Lula resistiu, não titubeou, nem perdeu pontos, como esperava Bolsonaro.
Embora tenha sido atacado por todos os lados, Lula soube fazer a defesa dos seus governos e não partiu para o ataque, mas reagiu a todos, tanto a questionamentos plausíveis, como a acusações delirantes.
Bolsonaro também foi criticado por quase todos, salvo nas dobradinhas com Padre Kelmon, que tumultuou o debate o quanto pôde, ou nos afagos ultraliberais com o candidato Felipe d’Avila.
Bolsonaro rebateu com as fake news de sempre, negando a má gestão da pandemia, os escândalos de corrupção que atingem ele e sua família, o desmatamento e as queimadas na Amazônia, dentre outras questões graves do seu governo. Disse que a economia “está se recuperando“. E não respondeu se pretende dar um “golpe” caso perca as eleições, ou se tomou ou não a vacina contra a covid-19.
O resumo do último debate, na Globo, é que Bolsonaro não conseguiu ganhar pontos, nem fazer Lula perder. E Lula, ainda pode ter tirado mais alguns eleitores de Ciro, que preferem evitar segundo turno. Essa definição, portanto, ficará para o embate nas redes sociais, uma vez que a campanha eleitoral, oficialmente, está encerrada.
Direitos de resposta
Logo no primeiro bloco, a direção do debate concedeu a Lula três direitos de resposta, após agressões do atual presidente. Chamado de “chefe de quadrilha” em pergunta de Kelmon – “padre de festa junina”, “candidato-laranja” e “padre de mentira”, segundo Soraya Thronicke e Lula – o ex-presidente reagiu. “Falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele”, rebateu Lula. O petista citou escândalos da “rachadinha“, das “barras de ouro” no Ministério da Educação e dos esquema de “1 dólar para a compra de vacinas”, denunciado pela CPI da Covid.
“Se quiser pedir direito de resposta, peça para a CPI. Você, quando vier no microfone, se comporte com respeito com quem está assistindo. Não minta. Você mente toda hora, descaradamente”, disse o petista a Bolsonaro, que também teve “direito de resposta”, que usou para chamar Lula de “ex-presidiário”. E acusou supostos desvios no Consórcio do Nordeste.
“É uma insanidade um presidente da República dizer o que ele fala, com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E vou fazer um decreto, acabando com seus sigilos de 100 anos”, rebateu Lula.
Fake news em série
Na sequência, em pergunta a Simone Tebet (MDB), Bolsonaro voltou à carga contra Lula. No seu nível mais baixo, usou a vice de Simone, Mara Gabrilli, que é de Santo André, no ABC paulista, para acusar Lula de ser “mandante” do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel. “Celso Daniel era meu amigo, o melhor gestor público que esse país teve”, disse Lula, lembrando que o ex-prefeito coordenava seu plano de governo, em 2002. E destacou que tanto a Polícia Civil de São Paulo como o Ministério Público (MP-SP) concluíram se tratar de um crime comum. “Pare de mentir, porque o povo não suporta mais”, acrescentou o petista. Simone Tebet, por sua vez, disse a Bolsonaro para não ser “covarde” e dirigir a pergunta diretamente a seu oponente.
Em nova rodada de pedidos de resposta, Bolsonaro citou números falsos sobre suposto rombo na Petrobras de R$ 900 bilhões. E disse que os processos da Lava Jato contra Lula deixaram de existir pela ação de um “amiguinho no STF”. Lula destacou que a Lava Jato “fechou 4,4 milhões de postos de trabalho”. E citou outros esquemas envolvendo o atual presidente. “51 imóveis, mansão de 6 milhões”.
Salário mínimo e picanha
Foi contra Ciro Gomes (PDT), primeiro a perguntar a Lula citando “fracasso” econômico dos governos do PT, que o petista mostrou que não levaria ataques para casa. Destacou que, nos seus governos, “os mais pobres tiveram 80% de aumento na sua renda, ante 20% dos mais ricos”, criou 22 milhões de empregos e o salário mínimo teve 77% de aumento real. “As pessoas puderam comprar televisão nova, geladeira nova, carro novo, comer picanha – que você não gosta que eu fale, porque talvez coma algo melhor do que picanha”, afirmou. E destacou que o Brasil era “motivo de orgulho”, respeitado pelo mundo inteiro por conta do sucesso dos seus programas de inclusão social.
Combate à corrupção
Lula quis saber das propostas para o combate à fome de Soraya Tronick (União Brasil). A candidata comparou Lula a Bolsonaro e citou “escândalos de corrupção” como uma das causas da fome. O petista ressaltou que o seu governo fortaleceu instituições de fiscalização – como a Controladoria-Geral da União (CGU). Citou a aprovação das Leis Anticorrupção, contra o Crime Organizado, Lavagem de Dinheiro, durante a sua gestão. Assim, como a Lei de Acesso a Informação (LAI) e o Portal da Transparência, que permitia ao cidadão saber até a “cor do papel higiênico” da Presidência da República.
Já no segundo Bloco, com temas definidos por sorteios, quando deveria perguntar sobre cotas raciais, d’Avila disse que no governo Lula R$ 120 bilhões teriam sido perdidos em corrupção. Não citou cálculos ou fontes para sustentar esses números. Lula disse que personagens como d’Avila, que aparecem como “salvadores”, nunca deram certo no Brasil. Ressaltou que as cotas raciais são “pagamento” da dívida da
sociedade brasileira por 350 anos de escravidão. Ainda citou avanços na Saúde – como o programa Farmácia Popular e o Samu – e a lei que garantiu direitos trabalhistas às empregadas domésticas. “Esse país em que um operário deu ao povo brasileiro o que a elite nunca conseguiu dar”. Assim, disse que o povo está com “saudades” do seu governo, e quer que ele volte.
Na mesma linha, Simone acusou Lula de desperdiçar gastos públicos. O petista rebateu, citando que a dívida pública caiu de 60,5% do PIB, em 2003, para 37,9% ao final do seu governo. Citou o combate à inflação, o acúmulo de reservas cambiais acumuladas de mais de R$ 370 bilhões e obras do PAC com investimentos de R$ 38,8 bilhões em infraestrutura, somente no Mato Grosso do Sul, estado da senadora.
Padre de ‘festa junina’
Além de servir de “escada” para Bolsonaro, Kelmon atuou para tumultuar o debate. Acusou Lula de ser “chefe” do maior esquema de corrupção da história mundial. “Eu tive 26 denúncias mentirosas. De uma pessoa que depois foi ser ministro do atual governo. Teve uma quadrilha montada no Ministério Público, que nós conseguimos provar a culpabilidade deles. Fui absolvido em 26 processos dentro do Brasil, fui absolvido pela Suprema Corte e em dois processos da ONU”, rebateu Lula.
Kelmon então interrompeu Lula com xingamentos, chamando-o de “descondenado” e “mentiroso”. “Mentiroso é você. Irresponsável”, disse o ex-presidente. “Você é padre ou está fantasiado?”, indagou Lula. Isso porque a Igreja Ortodoxa disse nessa semana que não possui vínculos com o dito religioso, que acusou Lula de não acreditar no cristianismo e apoiar a perseguição a religiosos na Nicarágua. “Da onde você veio, quê igreja? Não dá para debater com uma pessoa que tem o comportamento de um fariseu se dizendo padre”, disse Lula, que destacou que é “cristão, casado na Igreja, batizado, crismado e frequentador”. E acrescentou: “não estou vendo na sua cara um representante da Igreja. Estou vendo um impostor”.
Ainda no primeiro bloco, Soraya questionou se Kelmon não se envergonhava de não ter dado extrema-unção a vítimas de Covid, e disse se ele não tinha medo de “ir para o inferno”. “O senhor está aparecendo mais o seu candidato (Bolsonaro). Que é nem-nem. Nem estuda, nem trabalha. O senhor não deu extrema-unção, porque é um padre de festa junina”, acrescentou.
Bolsonaro nas cordas
Simone destacou que o desmatamento atingiu o maior nível em 15 anos, durante o governo Bolsonaro. “Nesse aspecto, foi o pior presidente da história”, afirmou. O presidente disparou mentiras, dizendo que o Brasil é “exemplo para o mundo” na questão ambiental. Disse que o Pantanal pega fogo “periodicamente”, ao mesmo tempo em que afirmou que tanto esse bioma como a Amazônia “não pegaram fogo no corrente ano”. A candidata rebateu: “Mente tanto que acredita na própria mentira”.
d’Avila acusou que o Orçamento Secreto virou “moeda de troca” na relação do governo Bolsonaro com o Centrão. Ainda assim, no terceiro bloco, quanto teve oportunidade de perguntar a Lula, Bolsonaro preferiu escolher d’Avila novamente. O candidato do Novo disse que seria um “desastre” se a esquerda voltasse ao poder. Bolsonaro disse que fez “muitas reformas” e mentiu novamente ao dizer que o Brasil tinha uma das gasolinas mais baratas do mundo. d’Avila, contudo, elogiou as reformas “liberais” do atual governo, e cobrou mais “avanços”.
Considerações finais
Ao final do debate, Felipe d’Avila acusou Bolsonaro de “ressuscitar o PT”, e reclamou da “polarização”, assim como Simone. Do mesmo modo, Ciro prometeu ser o candidato que vai “reconciliar” o Brasil e disse que “por trás” das brigas entre Lula e Bolsonaro estaria um mesmo “modelo” econômico. Kelmon voltou a citar perseguições a religiosos.
Lula, por outro lado, dividiu os candidatos entre aqueles que já mostraram “resultados”, os que prometem, e o que governa atualmente. Disse ainda que o povo vai ter “facilidade” de escolher no próximo domingo. E ressaltou o período em que governou o país. “Eu tenho orgulho do Prouni, do Fies. Tenho orgulho de ter virado protagonista internacional. Tenho orgulho em ter sido escolhido o melhor presidente da história do Brasil, e vocês sabem o que somos capazes de fazer. Por isso, nós vamos voltar”.
Ao fim, Bolsonaro começou com “Deus, Pátria e Família”, lema do origem fascista. E terminou com “Brasil acima de tudo”, cópia da palavra de ordem da Alemanha nazista, que “respeita a família” e diz “não” às drogas e ao aborto, repisando bandeiras hipócritas dos últimos quatro anos.