Ato interreligioso marca o sétimo dia do assassinato de Marielle
Mais de 30 mil pessoas lotaram o centro do Rio em mais uma homenagem à defensora dos direitos humanos
Publicado: 21 Março, 2018 - 10h42 | Última modificação: 21 Março, 2018 - 10h57
Escrito por: Flora Castro, no Brasil de Fato
Nesta terça-feira (20), milhares de pessoas voltaram ao centro do Rio para protestar e pedir justiça pelo assassinato da ex-vereadora do Psol, Marielle Franco, morta na semana passada, e seu motorista Anderson Gomes. A data marcou o sétimo dia do crime, e além de uma manifestação política de resistência, foi realizado um ato interreligioso pela memória da defensora dos direitos humanos. Segundo a organização, mais de 30 mil pessoas estiveram presentes na manifestação que começou na Igreja da Candelária e foi até a Cinelândia.
As mobilizações em torno do assassinato de Marielle tem movimentado milhares de pessoas no Brasil e no mundo. Jornais internacionais, como Washington Post, trouxeram a questão em suas capas e a perseguição às lideranças políticas no Brasil voltou para o centro do debate. No Rio, as mobilizações desde a semana passada, no centro da cidade e no Conjunto de Favelas da Maré no último domingo (18), todos lotados, marcaram uma virada política nos movimentos de resistência aos retrocessos atuais.
“Essas mobilizações são um recado para aqueles que pensavam que era possível deter a luta pelos direitos humanos em um Brasil com uma democracia tão frágil. O mundo inteiro hoje está com os olhos voltados para o Brasil e mais do que simplesmente para cá, mais do que para Mari, mas para o que ela representava, as lutas que ela tocava”, disse Talíria Petrone, vereadora de Niterói pelo Psol e amiga pessoal de Marielle. “Ela tinha lado, embora queiram dizer que não. E o lado dela era contra esse lado que fez essa execução. E é a favor das lutas da Mari que estão as mobilizações do mundo inteiro”, declarou.
Durante o ato, dentre os diversos posicionamentos, muito se falou na necessidade de intensificar a resistência nas ruas. A cantora Gaby Amarantos esteve presente e disse que a luta de Marielle conseguiu sensibilizar o país de uma forma que "dessa vez não deu pra ficar só em casa". “Eu espero sinceramente que a gente consiga discutir mais esse assunto, não só do genocídio do povo negro e das bandeiras que ela carregava. E que a gente consiga caminhar a uma união necessária nesse momento”, refletiu a cantora paraense. “Não dá mais pra cada um ficar de um lado, cada um na sua bolha, sem pensar em como tirar o Brasil dessa situação. Eu espero que isso aconteça”, afirmou.
Diversos políticos de esquerda também estavam no ato e ressaltaram a importância da cobrança de justiça para esse crime. “Eu acho que isso pode inclusive unir vários setores das forças progressistas porque é algo ainda mais revoltante dentro desse contexto. Não só de uma execução política, mas também uma execução política em um Estado que está sob intervenção”, chamou atenção o ex-ministro da relações exteriores, Celso Amorim (PT). “Então quando as pessoas perguntam se a intervenção já disse a que veio, eu não sei, mas ela já disse a que não veio, porque não soube proteger a Marielle”, declarou.
O deputado federal pelo Psol, Glauber Braga, disse que o partido ainda está muito abalado. “A gente ainda está impactado pelo que aconteceu, ainda trabalhando para que a investigação seja feita, se aprofunde. Que o mandante e o executor e a motivação sejam necessariamente esclarecidos. Além disso, estamos aqui para fazer a defesa do legado da Marielle, aquilo que ela defendia”, completou.
A deputada federal Jandira Feghali, do PCdoB, acredita que as mobilizações vão convergir para que crimes políticos tenham um freio. “Vai aumentar, vai se acumular e nenhum crime político mais vai ser aceito nesse país. Muito menos contra uma mulher que representa essa maioria da sociedade, que é o povo preto, pobre e que está na boca do fuzil todos os dias”.
Tanto Glauber quanto Jandira fazem parte do grupo de parlamentares que fez um pedido de criação de uma comissão externa na Câmara dos Deputados para acompanhar a investigação da morte de Marielle.
Todas as gerações presentes
A aposentada Maria Soares, de 93 anos, foi mais uma vez à luta. Ela, que fez questão de caminhar junto as outras milhares de pessoas da Candelária à Cinelândia, contou que milita desde os 25 anos e já viu essa história outras vezes. “Isso acontece todo dia, é matança de indígenas, dos trabalhadores do campo. Todo mundo quer luta pra mudar esse estado de coisas é perseguido. É Chico Mendes, a irmã Doroty, mas a gente tem que continuar enfrentando”, foi taxativa. Mas em todos esses anos ela ainda se surpreende. “Eu fico aturdida com o que aconteceu. Foi uma perda muito grande pelo muito que ela poderia fazer ainda, mas por outro lado ela despertou muita gente, o mundo inteiro. Esse sistema não esperava essa repercussão”, disse esperançosa.
O ato uniu pessoas de vários movimentos sociais, pessoas que nunca tinham participado de grandes manifestações, de todas as idades e realidades. A estudante de psicologia Victória Benfica, 19, chamou atenção para o símbolo que Marielle é. “A morte da Marielle enquanto mulher negra, periférica, lésbica, e que lutava pelos direitos humanos e contra a intervenção militar é uma perda muito grande pensando no que ela representa e no que ela fez”, lamentou.“O que aconteceu com a Marielle é um aviso para todos nós, povo, de que eles não estão de brincadeira. E é sempre importante lembrar que isso tem a ver com o golpe que está em curso no país. Então todo mundo que está aqui está lutando também contra esse golpe, contra essa intervenção militar e pela democracia. O assassinato da Marielle é um tiro contra a democracia brasileira.”
A manifestação chegou à Candelária por volta das 19:30h onde um palco foi montado em frente à Câmara dos Vereadores. Lideranças religiosas e grupos culturais, como a Orquestra Música pela Democracia, esperavam os manifestantes para o início de uma cerimônia em homenagem à memória da lutadora no sétimo dia desde seu assassinato, na última quarta feira (14).
Frei Tatá, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Nilópolis, na baixada fluminense, conhecia Marielle e disse que “a ficha ainda estava demorando a cair”. “É um momento muito difícil, mas também é muito bonito. Acho que todo mundo aqui está unido dizendo que a vida é muito mais forte que a morte”, disse o sacerdote franciscano. Marielle foi criada por uma família católica e mais tarde também se ligou à religiões de matrizes africanas. “O catolicismo acredita na ressurreição. As matrizes africanas também falam da vida, ao próprio Olorum, Olodumare. Muda os nomes, mas é o Deus da vida. Eu acredito que as nossas diferenças nesse momento são riquezas e que vamos afirmar que o humano não quer mais violência, basta de violência”, reforçou.
Por fim, o frei relembrou o significado do sétimo dia. “O sétimo dia para a Igreja Católica tem um significado muito grande. No sétimo dia, Deus descansou da obra e no livro [sagrado, a bíblia] está assim: e Deus viu que tudo era bom. E voltou para o barro, mas disse que tudo era bom. Saiu do barro e do barro deu o melhor. Deu Marielle”, se emocionou. “E é bonito como que com 38 anos de vida a Marielle está dando esse exemplo para nós, de pessoa, de mulher, de cidadã, de parlamentar, ficou o exemplo. Ela era de um brilho muito grande", concluiu.
Edição: Raquel Júnia