Escrito por: Débora Fogliatto, SUl 21
Indígenas se reuniram em frente ao Incra antes de partir em caminhada nesta quarta-feira (16)
Em defesa dos direitos indígenas, pela continuidade dos processos de demarcação de terras e contra a violência que atinge essas comunidades, centenas de pessoas se reuniram nesta quarta-feira (16) em Porto Alegre, em ato que iniciou na frente da sede do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). A manifestação passou em frente aos prédios do Tribunal Regional Federal (TRF) e da Justiça Federal antes de chegar ao Ministério Público Federal (MPF).
Liderado pelas próprias comunidades indígenas da capital e cidades próximas, a mobilização teve como objetivo final entregar ao procurador da República Pedro Nicolau Moura Sacco uma representação contra as medidas do governo de Jair Bolsonaro (PSL) de esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), com a transferência da competência de demarcações de terras para o Ministério da Agricultura.
Os indígenas também citaram como motivação o atentado a tiros ocorrido nesta sexta-feira (12) contra a comunidade guarani-mbyá na Ponta do Arado, em Belém Novo. “Estamos aqui devido à questão do atentado que ocorreu na ponta do Arado e à MP que transferiu a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura”, resumiu Zico Werá, da aldeia guarani-mbyá de Estiva, em Viamão.
“Mesmo com a Funai no Ministério da Justiça ela tem nos ajudado pouco, mas esse pouco vai acabar se vai para o ministério da Agricultura, porque vai acabar atendendo os interesses dos ruralistas, dificultando ainda mais a luta pelas demarcações de terras”, apontou.
Liderança kaingang e morador da aldeia Van-Ká, no Lami, Odirlei Fidélis também mencionou as dificuldades enfrentadas pelos indígenas ao longo dos anos e a importância de se barrar a mudança proposta por Bolsonaro. “Não queremos a demarcação na mão de ruralistas. Mas não é só esse governo, isso é desde sempre. Nenhum presidente até hoje devolveu os territórios indígenas”, destacou, pedindo para que não-indígenas participem no dia a dia das comunidades.
Diversas lideranças indígenas destacaram que estes povos buscam viver em harmonia com a natureza, sem cobiçar ganhos materiais. “Nós estamos fazendo a nossa parte para proteger a nossa natureza. Queremos ter nosso território para criar nossos filhos e viver em tranquilidade. Não queremos dinheiro, queremos nosso território”, explicou Fidélis. Da mesma forma, o cacique da comunidade guarani-mbyá do Cantagalo, Jaime Vherá Guyrá, afirmou que os indígenas querem “proteger a água que vocês bebem também”.
Após as falas dos caciques, o ato saiu em caminhada, guiado por uma faixa com os dizeres “Em defesa dos direitos indígenas: nenhum pedaço de terra a menos”, a qual era carregada por moradores das aldeias. A manifestação marchou embalada por uma música guarani cantada e tocada por jovens indígenas.
Ao verem a manifestação passar em frente aos prédios do TRF e da Justiça Federal, os seguranças de ambos os lugares se apressaram para fechar os portões das instituições. Os indígenas não tinham a intenção de entrar, parando por alguns minutos em frente de cada prédio, ainda cantando. O ato logo seguiu para a sede do MPF, onde foram recebidos de portões abertos e entraram no saguão do prédio para dialogar com o procurador Pedro Nicolau.
Ele, que foi descrito pelos indígenas como “um parceiro”, comprometeu-se a encaminhar a manifestação entregue à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável pela temática populações indígenas e comunidades tradicionais. “O Estado brasileiro tem o dever constitucional de proteger os direitos originários das terras indígenas e também assumiu esse compromisso em vários tratados internacionais, como a convenção 169 da OIT, assim como em relação aos territórios quilombolas”, mencionou.
Para ele, a alteração que retira a atribuição de demarcação de terras do Incra e da Funai e as coloca nas mãos de um setor contrário à pauta “sinaliza claramente uma intenção de não cumprir o que está estabelecido na Constituição Federal”. “O que eu espero é que as instituições democráticas cumpram sua função para bloquear esse movimento desastroso aos indígenas e quilombolas do Brasil”, acrescentou o procurador.
Foram entregues a ele dois documentos, referentes aos movimentos quilombola e indígena. Representando os quilombos da cidade, Luiz Rogério Machado, o Jamaica, afirmou que o que estava sendo pedido é que nenhum direito seja perdido. “Queremos criar nossas famílias e viver nossa vida dentro do nosso espaço. A gente pede que as instituições nos respeitem e a gente não vai desistir”, disse ele, que vive no Quilombo Família Machado.
O cacique Arnildo Verá acrescentou que “não foram indígenas que escreveram a Constituição, foram brancos, queremos que ela seja cumprida”. Ele pediu ajuda ao procurador, dizendo esperar um resultado positivo e o fim do genocídio indígena. “Para o branco isso pode ser só um papel, mas está aqui o nosso direito”, colocou