Escrito por: Redação RBA
Especialistas avaliam que o retorno às aulas presenciais agora traz um elevadíssimo risco de contágio pela Covid-19 a toda a comunidade escolar
Especialistas em saúde e educação avaliam que o atual momento da pandemia de covid-19, com mais de 70 mil novos casos, hospitais lotados e mais de 3 mil mortes por dia, em média, transforma a reabertura de escolas para aulas presenciais em um risco imenso para a população. “Não é hora de retomar as aulas presenciais, sob o risco de transformar as escolas em espaço de disseminação do vírus e de ameaça à vida”, defendem pesquisadores do Observatório Covid-19BR, da Rede Análise Covid-19 e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A avaliação vai na mesma linha da realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocurz) em fevereiro.
“Consideramos que o retorno às aulas presenciais nas escolas traz um elevadíssimo risco de contágio aos membros da comunidade escolar (profissionais da educação, estudantes e, até mesmo, aos moradores das comunidades de entorno das escolas) e seus familiares e colabora para o recrudescimento da pandemia de covid-19 em todo país. Sobretudo em São Paulo, que além de ser a unidade da Federação que concentra o maior número de estudantes, detém também o maior número de casos de contaminação e mortes diária. O país precisa compreender o que ainda não foi capaz de assimilar com a urgência necessária: a prioridade absoluta é salvar vidas”, defendem os pesquisadores.
As organizações apontam que o momento deveria ser aproveitado justamente para estabelecer condições de um retorno seguro das aulas presenciais, quando a situação da pandemia for menos grave. Entre as medidas propostas estão as reformas para melhorar a ventilação das salas e demais ambientes das escolas, testagem, rastreamento de casos e distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) eficazes. “O Brasil não tem feito sequer o mínimo para aferir e implementar (essas medidas)”, criticam as organizações.
“A situação exige que os governos federal, estaduais e municipais empreendam os esforços necessários para a garantia do ensino remoto emergencial, em diálogo com os profissionais da educação e familiares, realizando políticas para a distribuição de unidades computacionais e kits de acesso à internet de banda larga”, defendem os pesquisadores.
Na contramão dessas propostas, o governo João Doria (PSDB) classificou a educação como serviço essencial como forma de obrigar a volta às aulas presenciais no estado de São Paulo nesta semana. A Câmara Federal analisa projeto semelhante. No entanto, mais do que realmente tratar a educação como essencial, ambas as medidas visam unicamente reabrir as escolas em qualquer situação da pandemia. Mas, pelos critérios científicos, não há condições de reabrir as escolas.
A volta às aulas presenciais precisa ser considerada no contexto regional, devido às proporções e diferenças entre as cidades e estados brasileiros. Mas os parâmetros a ser aplicados para avaliar a segurança são os mesmos. Segundo a Fiocruz, que utiliza como referência o protocolo do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a volta às aulas presenciais representa alto risco de transmissão e surtos quando o número de novos casos diários for maior que 100 por 100 mil habitantes. Ou uma taxa de transmissão menor que 1, sendo ideal 0,5. Qualquer valor acima de 1 significa que a pandemia está descontrolada.
Em São Paulo, por exemplo, são registrados diariamente 505 novos casos por 100 mil habitantes. No Brasil, a taxa de transmissão está em 1,12. Esses números se refletem nas taxas de ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que estão altas em todos os estados. O que também interfere na avaliação de segurança para a volta às aulas presenciais. A Fiocruz defende que 25% dos leitos de UTI devem estar disponíveis para que a situação seja considerada segura.
A Fiocruz também considera que a taxa de positividade dos testes RT-PCR, que detectam a infecção ativa, precisa estar abaixo de 5% para garantir que a situação está controlada para a retomada das aulas presenciais. No Brasil, não há parâmetro desses testes. Hoje, São Paulo registra 34,24% de resultados positivos em testes para covid-19.
Na primeira tentativa de volta às aulas, em 5 de fevereiro, São Paulo registrava 343 novos casos diários por 100 mil habitantes. As escolas podiam receber até 35% dos estudantes por turno, mas receberam apenas 600 mil dos 3,3 milhões de alunos que poderiam retomar as atividades. Mesmo assim, o governo Doria registrou 4.084 casos confirmados e 24.345 casos suspeitos de covid-19 nas escolas, com a morte de 21 pessoas. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) contesta o número e diz que foram 67 mortes.
Esses casos não consideram os ocorridos na volta às aulas na rede municipal da capital paulista, que registrou 854 surtos de covid-19 nas escolas. São considerados surtos os registros de dois ou mais casos de covid-19 simultâneos nas escolas. Também não estão contemplados todos os 645 municípios do estado, já que pelo menos 100 cidades não retomaram as aulas em fevereiro.
Além disso, embora haja consenso de que as escolas não são espaços de alta transmissão da covid-19 em si, a volta às aulas leva a uma maior circulação de pessoas. Seja do contingente de trabalhadores da educação, sobretudo professores – que raramente trabalham em apenas uma escola –, como dos próprios estudantes, além das pessoas envolvidas no transporte dos alunos.