Austeridade fiscal e crise econômica pós-golpe afastam pobres das universidades
Estudo revela que, entre 2001 e 2015, o número de estudantes nas universidades pulou de mais de 3,5 milhões para 7,23 milhões. De 2014 a 2015, depois do congelamento de gastos e crise, a curva é de queda
Publicado: 17 Maio, 2019 - 09h15 | Última modificação: 17 Maio, 2019 - 09h56
Escrito por: Rosely Rocha
O corte de R$ 5,8 bilhões, sendo R$ 1,7 bilhão das universidades e institutos federais, previstos para a educação pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL), pode diminuir ainda mais o número de estudantes que tem acesso ao ensino superior. A queda no crescimento do acesso dos estudantes começou em 2015, ano do início da crise econômica e das articulações para derrubar Dilma Rousseff do poder.
A conclusão é da doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Pesquisa Econômica da Unicamp, Ana Luiza Matos de Oliveira, autora da tese “Educação Superior Brasileira no início do século XXI: inclusão interrompida?”, feita com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e PNAD-Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que tem dados de renda, raça e localização, entre outras informações para traçar um perfil.
Segundo Ana Luiza, desde 2015, o acesso de estudantes ao ensino superior vem caindo e os cortes anunciados terão um efeito duplamente negativo, já que muitas universidades podem dispensar seus funcionários terceirizados. Além disso, em alguns municípios onde há universidades, o comércio local é baseado no consumo dos estudantes e professores.
“Isto aumenta o desemprego, joga mais gente nas ruas atrás de um trabalho e reduz a capacidade de compra das famílias, que terão de optar por cortes em suas despesas. E a tese que defendi mostra exatamente isto. A crise econômica aliada a Emenda Constitucional nº 95, do congelamento dos Gastos Públicos, e a retirada de políticas públicas voltadas para a educação diminuíram o boom, que estava ocorrendo nos governos Lula e Dilma, no crescimento do número de estudantes no ensino superior, especialmente os mais pobres”, diz.
De acordo com o estudo, o número de estudantes matriculados no ensino superior teve um significativo crescimento entre 2001 e 2015, passando de mais de 3,5 milhões para 7,23 milhões - um aumento de 106,48%. Já de 2014 a 2015, houve uma queda na curva, por um aumento de somente cerca de 20 mil estudantes entre estes dois anos, o que contrasta com o crescimento no período anterior. Já de 2013 a 2015, o crescimento no número de estudantes no Brasil foi de 10,85%, enquanto de 2015 a 2017, o crescimento médio foi de apenas 3,81%.
“São políticas públicas que proporcionam aos mais pobres entrarem na faculdade, com bolsas de pesquisas e outros incentivos. Cortar programas só piora o panorama para os estudantes, e os cortes anunciados pelo governo acentuam esta tendência”, afirma a pesquisadora da Unicamp.
Mais pobres têm mais acesso ao ensino superior nos governos do PT
Ana Luiza diz que o perfil da renda na educação superior mudou radicalmente depois dos governos do PT. Em 2001, os estudantes sem rendimentos ou com renda per capita de até 1 salário mínimo eram 7,2% do total. Em 2015, o percentual aumentou para 31,71%.
No mesmo período, os estudantes no ensino superior com renda até 2 salários passaram de 26,81% para 67,58%. Já o número de estudantes nas universidades com renda per capita domiciliar entre 3 e 5 salários mínimos caiu de 55,16% para 15,05%, entre 2001 e 2015, o que demonstra que as políitcas públicas da época aliada ao crescimento econômico ajudaram os mais pobres a entrar em uma universidade.
Negros, nordestinos e nortistas e baixa renda
A tese também mostra que, de 2001 a 2015, houve ampliação da representatividade dos negros como estudantes, que passaram de 21,9% para 43,5%. Eles passam de 83.974 (21,9%) em 2001, para 564.571 (43,5%), em 2015. Já os estudantes pardos que eram 683.559, em 2001, sobem para 2,58 milhões , em 2015. O número de indígenas também cresceu no mesmo período, de 2.604 para 15.479. Já o número de brancos subiu de 2,68 milhões para 4,02 milhões.
Também aumentou o número de estudantes em outros estados do Norte e Nordeste e, não somente os do eixo Sul-Sudeste-Brasília, e do percentual de estudantes de renda baixa (apesar de a renda per capita domiciliar ter crescido expressivamente neste período), entre outras mudanças.
“Não houve expressiva queda da participação de estudantes de São Paulo e do Sudeste em geral, mas cresceu o número de estudantes de outras regiões, aproximando mais o perfil do estudante do perfil da população“, afirma a economista.
Para Ana Luiza, a inclusão dos negros ainda não apresentou queda por causa da continuidade de políticas de afirmação, que Jair Bolsonaro já declarou ser contrário em algumas entrevistas, como a que deu ao programa Roda Viva da TV Cultura. Na época, ainda candidato à presidência, ele disse: “Eu não posso falar que vou terminar porque depende do Parlamento. Pelo menos diminuir o percentual. Vou propor, quem sabe a diminuição do percentual”, ao se referir às cotas nas universidades.
“Ainda se mantém a política de cotas e isto facilita a inclusão e a ampliação da educação superior a essa parcela da população. Mas a inclusão dos estudantes mais pobres que ocorreu com muita velocidade e mudou o perfil dos estudantes brasileiros no ensino superior freou. A tendência é piorar se os cortes anunciados pelo ministro da Educação Abraham Weintraub, de fato ocorrerem“, conclui a doutora em Desenvolvimento Econômico.