Auxílio de três parcelas de R$ 200 proposto pelo governo é inaceitável, diz CUT
Para Valeir Ertle, valor ínfimo mostra que governo Bolsonaro não se preocupa com os pobres. Economista Marcio Pochmann acredita que governo se deu conta que sem auxílio a economia não anda
Publicado: 08 Fevereiro, 2021 - 16h08 | Última modificação: 08 Fevereiro, 2021 - 16h16
Escrito por: Rosely Rocha
O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) acenou com a possibilidade de pagar três parcelas de um novo benefício por causa da pandemia do novo coronavírus, que agravou ainda mais a crise econômica no país.
A ideia do governo é pagar apenas R$ 200,00 para metade da população que recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00 (R$ 1.200,00 para mães solo), aprovado pelo Congresso Nacional, após pressão da CUT, demais centrais e parlamentares de oposição, em março do ano passado, e que terminou em dezembro de 2020. Na época, o governo também propôs pagar apenas R$ 200, mas foi voto vencido. Ao todo foram beneficiadas 64 milhões de pessoas com R$ 50 bilhões ao mês. A nova proposta do governo prevê o pagamento das três parcelas a 32 milhões de pessoas a um custo de R$ 6 bilhões mensais.
Além do valor ínfimo, o ministro da economia, o banqueiro Paulo Guedes, ainda quer impor condições extremamente nocivas aos trabalhadores e servidores públicos. Guedes condiciona o pagamento do novo auxílio, que se chamaria Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), à aprovação, por parte do Congresso Nacional, da reforma Administrativa, que pode reduzir salários e jornadas de servidores públicos, e promover uma série de prejuízos à população em geral.
A proposta de reforma Administrativa em troca do novo auxílio é criticada pelo economista e presidente do Instituto Lula, Marcio Pochmann, por duas razões. Primeiro que o setor público foi o único que abriu mais vagas de emprego do que demissões, especialmente nos municípios. Foram mais de 100 mil novas contratações de servidores, enquanto 14 milhões de trabalhadores, a maioria da iniciativa privada, amargam o desemprego. O segundo é que cortes orçamentários prejudicam ainda mais a retomada da economia.
Apesar da proposta de reforma Administrativa em troca do auxílio, Pochmann vê na decisão do governo um passo atrás no discurso de que a economia estava se recuperando, com mais empregos, e que os benefícios sociais não seriam mais necessários.
“A proposta é um indicativo de que o governo reconhece que isto não está acontecendo, tanto que acenou com a antecipação do pagamento do 13º a aposentados e pensionistas do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] , e do PIS/PASEP aos trabalhadores”, diz.
O governo já percebeu que haverá uma desaceleração da economia, com índices até negativos no PIB [Produto Interno Bruto], neste primeiro trimestre. Por isso, há essa preocupação em reintroduzir um programa de transferência de renda
O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, diz que a proposta é inaceitável tanto pelo valor como as condições para que a população receba o novo auxílio. Ele acredita que o Congresso Nacional vai melhorar a proposta inicial do governo, por que não dá pra aceitar este valor absurdo.
“Este governo não está preocupado com os pobres que passam necessidades. Espero que o Congresso tenha bom senso e rejeite esta proposta absurda e inaceitável”, afirma.
Nós conseguimos aprovar os R$ 600,00, quando Bolsonaro queria só dar R$ 200,00. E é neste sentido que a CUT vai trabalhar, para manter o valor anterior do auxílio emergencial
A esperança de que o Congresso atue para melhorar o valor a ser pago é compartilhada pelo presidente do Instituto Lula. Ele ressalta que a proposta inicial de R$ 200,00, a mesma que o governo fez no início da pandemia, deverá ser recusada pelos parlamentares.
“São recursos para gente extremamente pobre, e milhões de brasileiros podem ir para a mesma situação de pobreza e extrema pobreza. Se pegarmos o rendimento médio do autônomo de cerca de mil reais, o valor oferecido não paga nem metade de uma cesta básica”, diz. O último levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que o preço de uma cesta básica, em São Paulo, chegou em dezembro do ano passado a R$ 631,46.
Apesar de acreditar que o Congresso vá melhorar a proposta de Guedes, o presidente do Instituto Lula critica a forma como o governo vai ao Congresso Nacional negociar uma ajuda a milhões de brasileiros pobres, como se fosse a um mercado.
“O governo quer a aprovação da reforma Administrativa em troca do novo benefício, se esquecendo da sequência lógica de que ajuste fiscal não se enfrenta com crescimento de cortes e custos. Sem renda haverá menos consumo, menos produção, menos tributação e menos arrecadação para o governo. É um círculo vicioso”, diz.
As condições do governo para pagar os R$ 200,00
Além da reforma Administrativa, Guedes propõe condicionar o pagamento à adesão da Carteira Verde e Amarela, que caducou em abril do ano passado, ao ser retirada da pauta de votação pelo então presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), após pressão da CUT, demais centrais e partidos progressistas.
A obrigatoriedade desses trabalhadores também serem incluídos na Carteira Verde e Amarela, criada para jovens até 24 anos, pode deixar de fora os trabalhadores informais mais velhos, ressalta Pochmann.
O pagamento do BIP também deixa de fora quem recebe o Bolsa Família ( em torno de R$ 190,00) , já que o programa seria voltado aos trabalhadores informais.
Outra proposta contida no pagamento do novo auxílio é a que obriga quem receber o valor a fazer cursos de reciclagem profissional. A forma e que tipos de cursos seriam não foram detalhados pelo governo federal, apenas que poderia ser utilizado o Sistema S (Senai, Sebrae, Sesc, etc).
Valeir Ertle, diz que a proposta é inaceitável tanto pelo valor como as condições para que a população receba o novo auxílio.
“Como alguém que receba R$ 200,00 vai fazer algum curso on-line pagando caro pela internet?”, questiona, e acrescenta: “ E se o curso for presencial, o dinheiro também não vai dar para pagar o transporte público. Além do quê, sem vacina vai expor a população mais pobre ao risco de contágio da Covid”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT.
A introdução de critérios de capacitação além de não estarem claros impõe novos desafios, acredita Pochmann.
“Os programas que tínhamos organizados pelo ministério da Educação foram descontinuados e já nem existe mais o ministério do Trabalho, que também poderia atuar na capacitação”, lembra o economista.
Pochmann destaca ainda os novos critérios de cortes de pagamento para receber o BIP. Para ele, o descontrole e fraudes no pagamento do auxílio emergencial, que beneficiou militares, servidores e quem tinha maior rendimento, mostram que o governo Bolsonaro operou muito mal e foi incapaz de fazer um programa social adequado.
“ Nem mesmo órgãos que deveriam fiscalizar como o Tribunal de Contas da União [TCU] e o Ministério Público [MP] fizeram um levantamento de quanto dinheiro foi dado a quem não precisaria”.
Aumentam pobreza e extrema pobreza
O corretor imobiliário Emílio Moreira se deparou três vezes com uma cena que o chocou. Ao sair de estações do metrô que servem o centro da cidade de São Paulo, jogou dentro de lixeiras máscaras descartáveis que utilizou para evitar o contágio da Covid-19, dentro do transporte público. Em seguida, moradores de rua as recolheram e imediatamente as colocaram em seus rostos.
Esta situação é um pequeno recorte da miséria e tragédia social que o Brasil vive, e que já começa a piorar sem o auxílio emergencial. Somente neste mês de janeiro, 2 milhões de brasileiros foram para a linha da pobreza, que é a de renda per capita de R$ 250,00 por mês. Ao todo, 13% da população do país, ou 26 milhões de pessoas, estão na linha da pobreza. Os cálculos foram feitos pelo coordenador da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, Naercio Menezes Filho, a pedido do G1.
Já a extrema pobreza, quando a renda é de até US$ 1,90 por dia, pode dobrar em relação a 2019, passando dos atuais 6,5% da população (13,7 milhões de pessoas) para 10% chegando até 15%. O cálculo, publicado na Carta Capital, é do economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
Edição: Marize Muniz